Em nota pública divulgada na segunda-feira (1º), o CFM (Conselho Federal de Medicina) negou participação ou contribuição da entidade na elaboração do Projeto Antiaborto por Estupro, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que prevê pena de até 20 anos de prisão para quem fizer um aborto após 22 semanas de gestação, mesmo em casos de estupro, situação em que a interrupção da gravidez é permitida em lei no país.
Para o CFM, o tema deve ser discutido no Congresso Nacional, ouvindo todos os segmentos envolvidos e promovendo um debate com a sociedade.
Na nota, assinada pelo presidente José Hiran Gallo, a autarquia afirma que ocorreram interpretações equivocadas a partir de resolução em que o CFM proibiu a assistolia fetal a partir da 22ª semana de gestação.
Recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) e cientificamente comprovada como segura, a assistolia fetal consiste na injeção de produtos químicos no feto para evitar que ele nasça com sinais transitórios de vida.
É apontada pelos protocolos nacionais e internacionais de obstetrícia como a melhor prática assistencial à mulher em casos de aborto legal acima de 20 semanas, já que previne o desgaste emocional e psicológico das pacientes e equipes médica.
Foi a resolução do CFM restringindo o aborto após 22 semanas, emitida em março e logo depois neutralizada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que impulsionou a mobilização pela criação do projeto de lei no Congresso sobre o tema.
Em relação ao aborto legal, o conselho defendeu no posicionamento de segunda-feira que o serviço seja disponibilizado “segundo critérios definidos em lei e ditames éticos”.
“O CFM não tem qualquer ingerência sobre o funcionamento do serviço de aborto legal no país, cabendo ao Ministério da Saúde e gestores do SUS (Sistema Único de Saúde) criarem condições para que atendam as demandas existentes”, diz a nota.
O Brasil possui 92 serviços desse tipo, distribuídos em 20 estados. Trinta e dois deles são referenciados pelo Ministério da Saúde.
“O aperfeiçoamento da rede do aborto legal reduziria o martírio das mulheres vítimas de estupro que, sem acesso a esse tipo de atendimento, são duplamente penalizadas: primeiro pelo agressor, depois pela inoperância do Estado”, continua a nota.
O CFM afirmou ainda que é um “aliado da população feminina” e não tem a intenção de limitar ou excluir direitos, “muito menos penalizar indivíduos ou segmentos populacionais, já historicamente privados de conquistas e até de sua cidadania”.
No entanto, em debate no Senado, no dia 17 de junho, Gallo afirmou sobre o procedimento de assistolia fetal que há limites para a autonomia da mulher.
“Até que ponto a prática da assistolia fetal em gestação acima de 22 semanas traz benefício e não causa malefício? Esta é a pergunta. Só causa malefício. Nesse campo, o direito à autonomia da mulher esbarra, sem dúvida, no dever constitucional imposto a todos nós de proteger a vida de qualquer um, mesmo um ser humano formado com 22 semanas”, disse.
Ainda na nota, a autarquia lamentou distorções sobre o assunto e afirmou que há tentativa de “politizar as discussões e confundir a população, gestores, tomadores de decisão e até profissionais de medicina”.