Impulsionada pela urgência da transição energética, a crescente demanda por minerais críticos aumenta a pressão sobre os recursos hídricos. E o motivo é simples: não existe mineração sem água. Da separação dos produtos da exploração mineral ao controle de poeira, do transporte do material minerado ao resfriamento do maquinário, a água está presente em todas as etapas dos projetos de mineração.
A gestão hídrica adequada é, portanto, cada vez mais estratégica na mineração. Ponto fundamental para o desenvolvimento sustentável dos negócios e condição sine qua non rumo ao futuro verde.
“Temos de trabalhar visando a eficiência tanto energética quanto hídrica, para buscar soluções que minimizem o consumo e maximizem a recuperação de água no processo”, diz Julio Nery, diretor de sustentabilidade Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em entrevista ao NeoFeed.
Os avanços trazidos pelo trabalho conjunto entre mineradoras, universidades e startups são promissores. “Atualmente, há mecanismos que recuperam entre 80% e 85% da água usada no processo”, completa o executivo do Ibram.
Equipamentos mais modernos vêm tornando antigas práticas mais eficientes e, consequentemente, mais limpas. É o caso da decantação e da filtragem para o empilhamento de rejeito a seco. Novos panos para filtros e pás para centrifugação, entre outros, ilustram à perfeição o potencial da transformação.
Tradicionalmente, a lama produzida pelo beneficiamento dos minérios e minerais é estocada nas barragens. Ainda que a água seja bombeada de volta para o rio de onde veio, muita fica retida nas montanhas de lodo.
Agora, o material pode ser encaminhado para tanques enormes, com até 100 metros de diâmetro, chamados espessadores. Da primeira fase de tratamento, a decantação, o rejeito sai com apenas 30% de umidade. Depois de passar pela filtragem, a umidade cai mais 15% a 20%.
Toda a água “deixada” ao longo do caminho fica disponível para o reuso. Para tanto, ela precisa ser limpa — outro desafio imposto à mineração por uma gestão hídrica social e ambientalmente responsável.
Imã invisível, IA e outras tecnologias
Mas, aqui, há também boas novas, como se viu na última edição do o Water Congress 2024, um dos eventos mais importantes do mundo sobre a gestão de recursos hídricos, por indústrias de todos os setores.
Uma das novidades apresentadas em setembro, no Chile, foi levada pela startup sueca Clearwell. A empresa desenvolveu um sistema à base de nanofibras. Polímeros de tamanho reduzidíssimo, essas estruturas funcionam como ímãs removendo partículas de sujeira invisíveis a olhos nus de efluentes líquidos.
As taxas de remoção variam entre 95,5% e 99%. “Com esse processo, conseguimos reciclar a água completamente, que pode ser usada novamente”, diz Gaudencio, diretor da Clearwell no Brasil, ao NeoFeed. “Aqui no país, ela só não volta para o consumo humano porque a legislação não permite.”
Outra frente de inovação no manejo da água pelas empresas mineradoras está no controle rigoroso do recurso, por intermédio de tecnologias emergentes, como inteligência artificial (IA), aprendizado de máquina e internet das coisas (IoT). Atualmente, é possível acompanhar em tempo real o consumo de água em praticamente todas as etapas da exploração mineral.
Isso permite fazer ajustes constantes no sistema de modo a evitar perdas, ao longo dos processos.
Entre os grandes desafios
A gestão hídrica é um tema tão importante na mineração que está entre alguns dos principais desafios colocados à indústria pelo Mining Hub, comunidade de inovação aberta focada apenas na cadeia da mineração, fundada em 2019, em Belo Horizonte. Há de se olhar com cuidado também para a eficiência operacional, fontes de energia renovável, gestão de resíduos e rejeitos, bem como a saúde e segurança ocupacional.
A questão da água se torna ainda mais crítica nas 16% das minas, espalhadas mundo afora, que estão localizadas em áreas já sob alto ou extremo estresse hídrico — regiões onde a demanda por água supera a oferta, criando competição não só entre indústrias, mas também entre elas e o consumo doméstico, segundo o World Resources Institute (WRI).
No Brasil, embora o setor represente apenas 2% do uso total, segundo dados da Agência Nacional de Águas (ANA), a localização estratégica das minas, determinada pela disponibilidade de recursos minerais, frequentemente coincide com regiões de déficit hídrico.
Em especial, na exploração do minério de ferro. Sua extração consome 59% de toda a demanda hídrica da indústria da mineração, apontam estudos recentes do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram).
“O mineral é encontrado em rochas com alta capacidade de acumulação de água. A extração, portanto, acaba alterando a capacidade de infiltração no solo”, diz Maria de Lourdes Pereira dos Santos, especialista em gestão de recursos hídricos para mineração e consultora do Ibram, ao NeoFeed.
Por isso, é cada vez mais necessário o desenvolvimento de novas tecnologias que ajudem a tornar o uso da água mais eficiente.
Agente da transformação
Consequência de um modelo de produção e consumo baseado na extração sem limites e no desperdício, a crise hídrica está posta. Atualmente, 4 bilhões de pessoas já sofrem com escassez de água, indica o mais recente Relatório Mundial da ONU sobre Desenvolvimento da Água.
Com o crescimento da população, até 2030, a demanda deve dobrar, alertam os analistas da Organização das Nações Unidas. Impossível continuar do jeito que está — um mundo no qual 80% do esgoto produzido pelo homem volta para a natureza sem tratamento.
Tal realidade deixa clara a urgência por soluções para o controle da poluição de rios, nascentes e oceanos, além da redução do consumo aliada a processos de reciclagem e reaproveitamento de água. Mas, para que funcione, é necessário que isso ocorra em praticamente todos os setores da vida contemporânea. Do abastecimento das cidades ao consumo doméstico, passando por todas as indústrias.
Dada a importância dos minérios e minerais para a transição energética, a mineração tem um papel crucial rumo ao futuro sustentável. Inclusive, como agente da transformação.