A superquarta começou com o Federal Reserve (Fed) cortando a taxa de juros americana em 0,50 ponto percentual (pp), para a faixa de 4,75% e 5%, e terminou com o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central aumentando a Taxa Selic em 0,25 pp, para 10,75%.
As direções das decisões das autoridades monetárias eram esperadas pelo mercado financeiro local e estrangeiro, mas havia dúvida sobre o calibre do corte nos Estados Unidos.
“O mercado estava em dúvida se seria 0,25 pp ou 50 pp. Geralmente o Fed vai para a reunião com muita certeza, mas desta vez estava meio enrolado pela comunicação deles”, diz Fernando Rocha, economista-chefe da JGP, ao NeoFeed. “Mas o mercado nesses últimos dias caminhou para o 0,50 pp.”
Se nos EUA a redução dos juros é a primeira desde 2020, no Brasil a elevação da Selic é a primeira desde agosto de 2022. Neste momento, o que explica as direções contrárias é a perspectiva de aumento da inflação no mercado local. Em 12 meses, o IPCA acumulado está em 4,24% – e com tendência de se aproximar do teto da meta do Banco Central.
“O cenário de inflação tende a ficar um pouco pior no fim do ano”, diz Rocha. “Tenho impressão que caminhando três, quatro, cinco meses à frente, teremos uma inflação mensal desconfortável e talvez o Copom tenha que acelerar o ritmo para 0,50 pp.”
Na projeção do economista-chefe da JGP, gestora de André Jakurski com quase R$ 30 bilhões sob gestão, o ciclo de alta da Selic termina em 12%. Neste ano, serão mais duas altas de 0,25 pp e 0,50 pp.
“Como as coisas não são sincronizadas, o que acho que vai acontecer é que a economia vai desacelerar, porque já estamos subindo os juros e o fiscal provavelmente vai moderar um pouco, mas a inflação vai subir”, afirma Rocha.
Nesta entrevista, ele fala também sobre os olhares do mercado sobre Gabriel Galípolo, explica por que prefere a manutenção da meta de inflação, os motivos para o investidor estrangeiro estar distante da dívida pública brasileira e o motivo para o governo não se incomodar com o equilíbrio fiscal.
“Pergunta para o Haddad ou para o Lula: você prefere gastar menos, botar o pé no freio e fazer um arrocho fiscal para baixar o juro ou continuar gastando e deixar o juro onde está? Acho que eles preferem continuar gastando”, diz Rocha.
Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista:
Por que subir 0,25 ponto percentual (pp) e não 0,50 pp?
Estou vendo da seguinte forma: na comunicação oficial, o Copom foi mudando aos poucos. Quando parou de cortar o juro, ele falou em pausa, ou seja, deu a entender que poderia voltar a cortar. Depois, deu a entender que tinha parado por um bom tempo. E nessa última começou a falar em assimetria de riscos e destacou mais os riscos negativos. Na ata, ele apertou mais um pouquinho o tom. Mas tenho a impressão que, na ata da reunião passada, ele não imaginava subir agora. Tenho essa impressão.
Por quê?
Acho que ele estava pensando: ‘pode ser que eu tenha que subir num horizonte próximo’, mas ele não tinha certeza de que subiria em setembro. Porém, à medida que foi se consolidado que o Fed cortaria o juro e o câmbio continuou entre R$ 5,50 e R$ 5,60 e os dados de inflação vieram mais ou menos em linha com a atividade econômica surpreendendo para cima, ele foi consolidando o cenário de que ele subiria. E outra coisa: as expectativas de inflação no Brasil não melhoraram nada, até pioraram um pouco.
“As expectativas de inflação no Brasil não melhoraram nada, até pioraram um pouco”
Mas houve uma comunicação distinta dos membros do Copom nas últimas semanas.
Pela comunicação extra-oficial deles, dos membros do Copom, tenho a impressão que o Roberto Campos [Neto] temperou um pouco para baixo. A fala dele era no sentido de alguém que estava em dúvida entre subir ou subir um pouco. Se fosse só o [Gabriel] Galípolo, você poderia até induzir o mercado a achar que era 0,50 pp porque ele foi mais hawkish [mais preocupado com a inflação]. Mas o Roberto segurou um pouco. E o Diogo [Guillen] eu tenho a impressão que foi mais comedido também. Então, o 0,25 pp acaba sendo uma síntese. Mas existe uma diferença de visão lá dentro.
Em que sentido?
O Roberto presta muita atenção na parte externa, que é essa questão do Fed. E o 0,25 pp agradava todo mundo, começa de forma gradual. Se não me engano ele até usou essa palavra. Ele quis endereçar o mercado e chegou a falar o seguinte: a precificação do juro curto está errada. O pessoal estava, naquele momento, com 0,50 pp. E ele falou: está errado. Se a gente decidir subir, vai ser gradual. Foi uma intervenção muito direta. Ele conseguiu colocar as expectativas mais ou menos, em uma certa coesão em torno desse número.
Você também começaria com um corte de 0,25 pp?
Sim, porque uma vez você entrando em um círculo de alta, você não sai a hora que você quer. Tem de sair quando as expectativas tiverem convergido, quando a situação tiver melhorado. A experiência geralmente mostra que os ciclos, tanto de queda quanto de alta de juros, são mais longos do que inicialmente imaginado. Como ele parte de 10,5%, que não é um juro baixo, se ele começa com 0,50 pp, em cinco reuniões já estaria em 13% de juros. Começar com 0,25 pp dá um pouco mais de tempo ao tempo.
“Se ele começa com 0,50 pp, em cinco reuniões já estaria em 13% de juros. Começar com 0,25 pp dá um pouco mais de tempo ao tempo”
É preciso saber o que tem pela frente?
Tem coisas interessantes acontecendo. As que preocupam é pelo lado da inflação, com a atividade superaquecida. Mas tem algumas coisas externas que podem ajudar. As commodities estão caindo, o petróleo caiu bem, o minério de ferro… A China está fraca e exportando deflação. Os Estados Unidos estão começando a cortar juros, algo que pode ajudar no câmbio, afinal, em geral quando eles cortam juros lá o capital financeiro flui para países que pagam juros mais altos e são mais arriscados, como o Brasil. Tem uma série de coisas externas que podem ajudar. Por isso, o 0,25 pp endereça o fato de que eu me dou tempo ao tempo para ser gradual e esperar que alguma coisa externa ajude um pouco.
Qual é o seu cenário completo de alta de juros?
Meu cenário aqui é de 200 basis points (2 pontos percentuais) de alta, indo para 12,5% a Selic, e com aceleração para 0,50 pp na terceira reunião.
Por quê?
O cenário de inflação tende a ficar um pouco pior no fim do ano. Geralmente tem uma aceleração sazonal nessa época, pelas festas. A alimentação estava ajudando bastante a deflação, mas isso tende a sair. E com o passar do tempo, pelo fato de a gente estar com a economia aquecida, vai gerar uma inflação de serviços um pouco mais alta. Tenho impressão que caminhando três, quatro, cinco meses à frente, teremos uma inflação mensal desconfortável e talvez o Copom tenha que acelerar o ritmo para 0,50 pp.
Em quem o mercado vai prestar mais atenção daqui para frente: Roberto Campos Neto, presidente em exercício do Banco Central, ou o futuro, Gabriel Galípolo?
Normalmente, o presidente sempre teve um papel muito importante de coordenação do grupo. Mas temos um grupo que, na teoria, pode ter opiniões divergentes e placar divergente. Na prática, são poucas as ocasiões que têm divergência. Então, de fato, o presidente é uma figura sênior, respeitada, que coordena os demais. Teve uma experiência recente com com o voto dissidente, que foi essa do 0,25 pp e 0,50 pp, que gerou muito ruído porque a turma nova voltou diferente. Ficou um pouco expresso nas opiniões, tanto do Roberto como do Galípolo, que parece que eles têm um uma urgência diferente agora, mas eu acho que eles vão buscar o consenso. Agora, o que acontece daqui até o fim do ano? Naturalmente as pessoas vão prestar mais atenção no Galípolo do que no Roberto porque é ele que vai tocar o Copom nos próximos anos e o Roberto vai sair de cena.
“Naturalmente as pessoas vão prestar mais atenção no Galípolo do que no Roberto Campos porque é ele que vai tocar o Copom nos próximos anos”
Por que a inflação preocupa e tende a subir?
Em economia, às vezes, você tem leads e lags [adiantamentos e atrasos]. Este ano contamos com um benefício que vinha desde o ano passado de desinflação externa. Na pandemia houve um aumento brutal de preço de tudo e depois vem tendo uma desinflação. À medida que você vai normalizando as cadeias produtivas, vai tirando os gargalos. O fato da inflação este ano ter sido igual à do ano passado pegou essa inércia positiva, favorável. Mas está começando a virar, e é isso que me preocupa. Quando eu olho para o ano que vem, se o PIB continuar crescendo 3%, teremos 5% a 6% de inflação porque não vamos ter mais essa desinflação vindo de fora na mesma magnitude, na mesma intensidade que tivemos.
O Copom está nessa mesma linha?
Acho que eles estão olhando para isso também. Quando começaram a destacar os riscos, estão olhando para isso. E a inflação de serviços normalmente tem muita correlação com o mercado de trabalho: quanto mais alta a taxa de desemprego menor a inflação de serviço e vice-versa. Mas está se chegando em um desemprego tão baixo que começa a projetar uma inflação de serviço mais alta. Tem uma série de sinais bem preocupantes. Como as coisas não são sincronizadas, o que acho que vai acontecer é que a economia vai desacelerar, porque já estamos subindo os juros e o fiscal provavelmente vai moderar um pouco, mas a inflação vai subir.
Não faria mais sentido para o Brasil rever a meta de inflação?
Para cumprir a meta de 3% de inflação precisaria ter uma política fiscal diferente. Teria de ter um gasto público que não cresce em termos reais ou até decresce. Entre 2017 e 2020, no período em que isso funcionou, o gasto não teve crescimento real. O gasto sobre o PIB caiu e a inflação ficou baixa, ao redor de 3%. Eu acho que quem advoga que 3% não é compatível, diz o seguinte: ‘olha, o Brasil não tem disciplina fiscal, nunca vai conseguir ter uma uma política fiscal que o gasto cai em proporção ao PIB. Então é melhor ter 4% de inflação do que um juros lá em cima’. É um argumento válido. Mas não seria mais desejável termos uma política fiscal correta, com gasto sob controle, uma inflação baixa, padrão internacional, e uma taxa de juro mais baixa também?
“Não seria mais desejável termos uma política fiscal correta, com gasto sob controle, uma inflação baixa, padrão internacional, e uma taxa de juro mais baixa também?”
Seria o desejado.
Entendo o argumento de quem fala: ‘esquece, isso é sonho, não vai acontecer então vamos ser mais realista’. Mas eu entendo a coisa mais ou menos dessa forma: é possível ter a inflação baixa, tanto é que tem vários países emergentes tem, desde que você faça uma política fiscal compatível. Se não tiver ajuda do fiscal, não consegue. É como se você tivesse um carro em que acelera e freia ao mesmo tempo. Você pisa no acelerador fiscal e pisa no freio monetário. E fica desgastado o pneu, ou seja, gastando dinheiro com juros. Isso é ineficiente. Mas é o que o Brasil faz, de certa forma. É um antagonismo. De um lado você tem um governo querendo gastar e acelerando e o banco central freando porque está committed com a inflação.
O governo Lula aceitaria essa troca?
O governo atual não acredita que você consiga ter um crescimento se frear o fiscal e deixar a política monetária mais relaxada. Eles não acreditam que isso geraria um crescimento. Eu acredito. Você baixa a taxa de juro real de equilíbrio da economia e consegue gerar um crescimento com crédito e investimento privado. Mas estamos entrando em um modelo que a já tivemos no passado: acelera o fiscal e o monetário tem de ser mais apertado. Paga mais juros, sua dívida sobe, mas você cresce.
Crescimento é algo que agrada o governo.
Esse é um modelo que agrada muita gente. Mas, intergeracionalmente, ele é mais problemático porque você vai acumulando dívida para a geração futura. Mas ele agrada porque crescimento é bom e todo mundo gosta, transferência fiscal também é legal e taxa de juro alta quem paga é a viúva, ou seja, o governo, então não sai do bolso de ninguém. E geralmente a taxa de juro alta tem um efeito de apreciação da taxa de câmbio, que no governo Lula I funcionou muito bem. Você está pagando muito mais juro do que no resto do mundo e o dinheiro vem para cá pegar esse jurinho. Seu câmbio aprecia e você fica rico em dólar. Isso aconteceu de 2002 até 2009, mas é lesivo do ponto de vista intertemporal. É esse modelo que estamos agora.
O PIB está crescendo, mas o câmbio não mudou. Onde está o erro?
Não está funcionando muito a parte cambial. Porque as pessoas entenderam que o nosso nível de dívida subiu e as preocupações fiscais aumentaram. Hoje, existe muito mais mal-estar com a dívida, com a parte fiscal, do que existia no passado. Esse modelo está sendo colocado em xeque. A taxa de câmbio, que é o termômetro, não consegue apreciar muito. O brasileiro está desconfiado, o investidor estrangeiro também, tanto que a participação dele na nossa dívida pública diminuiu muito, está no low.
Por que o investidor estrangeiro está distante do Brasil?
Não estou falando que seja de agora, porque a redução da participação do estrangeiro na nossa dívida já vem acontecendo. E teve motivos diversos no passado. Um pouco do Bolsonaro ser visto como um pária internacional, vamos dizer assim. Um cara que não respeitava o meio ambiente, não respeitava regras de convivência. A gente escutou muita gente de fundos institucionais estrangeiros que pararam de comprar título brasileiro por causa da questão do meio ambiente. Mas o pessoal tomou um susto ali na Dilma, com aquela recessão toda. Depois no governo Bolsonaro todo mundo achava que melhoraria, e não melhorou. Na pandemia, a dívida foi para mais de 90% do PIB pessoal e todo mundo ficou assustado. Ela caiu, mas agora entrou o governo do PT e a dívida começou a subir novamente.