Cérebros dos humanos modernos são cerca de 13% menores – 25/05/2024 – Equilíbrio


Os cérebros dos humanos modernos são cerca de 13% menores do que os do Homo sapiens que viveu há 100 mil anos. Por que exatamente isso ainda intriga os pesquisadores?

Tradicionalmente, acredita-se que o nosso “grande cérebro” seja o que diferencia nossa espécie de outros animais. A capacidade de pensamento e inovação dos seres humanos foi o que nos permitiu criar a primeira arte, inventar a roda e até pousar na Lua.

Certamente, quando comparados com outros animais de tamanho semelhante, nossos cérebros são gigantescos. O cérebro humano quase quadruplicou de tamanho nos seis milhões de anos desde que a nossa espécie partilhou pela última vez um ancestral comum com os chimpanzés. No entanto, estudos mostram que esta tendência para cérebros maiores se inverteu no Homo sapiens. Na nossa espécie, o tamanho médio do cérebro diminuiu ao longo dos últimos 100 mil anos.

Por exemplo, num estudo recente de 2023, Ian Tattersall, paleoantropólogo e curador emérito do Museu Americano de História Natural na cidade de Nova York, acompanhou os volumes de caixas cranianas de antigos hominídeos ao longo do tempo. Ele começou com as espécies mais antigas conhecidas e terminou com os humanos modernos.

O pesquisador descobriu que a rápida expansão cerebral ocorreu de forma independente em diferentes espécies de hominídeos e em épocas diferentes na Ásia, Europa e África. As espécies cujos cérebros cresceram ao longo do tempo incluem Australopithecus afarensis, Homo erectus, Homo heidelbergensis e Homo neanderthalensis.

No entanto, a tendência de aumento do cérebro ao longo do tempo virou de cabeça para baixo com a chegada dos humanos modernos. Os crânios de homens e mulheres hoje são em média 12,7% menores do que os do Homo sapiens que viveu durante a última era glacial.

“Temos crânios com formatos muito peculiares, por isso os primeiros humanos são muito fáceis de reconhecer – e os primeiros têm cérebros extremamente grandes”, diz Tattersall.

A descoberta de Tattersall replica a de outros. Por exemplo, em 1934, Gerhardt Von Bonin, um cientista alemão afiliado à Universidade de Chicago em Illinois, escreveu que “há uma indicação definitiva de uma diminuição [no cérebro humano], pelo menos na Europa, nos últimos 10 ou 20 mil anos”.

Então, como podemos explicar esta redução impressionante? Tattersall sugere que a diminuição do tamanho do cérebro começou há cerca de 100 mil anos, o que corresponde a um período de tempo em que os humanos mudaram de um estilo de pensamento mais intuitivo para o que ele chama de “processamento de informação simbólica” – ou pensar de uma forma mais abstrata para entender melhor o seu entorno.

“Essa foi a época em que os humanos começaram a produzir artefatos simbólicos e gravuras com imagens geométricas significativas”, diz Tattersall.

O pesquisador acredita que o catalisador que causou a mudança no estilo de pensamento foi a invenção espontânea da linguagem. Isso fez com que as vias neurais do cérebro fossem reorganizadas de uma forma mais metabolicamente eficiente, permitindo que os humanos obtivessem maior “retorno do seu investimento”.

Em outras palavras, à medida em que cérebros menores e mais bem organizados foram capazes de realizar cálculos mais complexos, cérebros maiores e metabolicamente caros tornaram-se simplesmente desnecessários.

“Ao que parece, provavelmente os nossos antepassados processaram a informação por uma espécie de força bruta, e a inteligência, neste contexto, foi dimensionada de acordo com o tamanho do cérebro. Portanto, quanto maior for o seu cérebro, mais você aproveitou dele”, diz Tattersall.

“Mas a nossa maneira de pensar é diferente. Desconstruímos o mundo que nos rodeia em um vocabulário de símbolos abstratos, e remontamos esses símbolos para fazer perguntas como ‘E se?’

“Esse tipo de pensamento simbólico deve ter exigido um conjunto muito mais complexo de conexões dentro do cérebro do que estava presente anteriormente. Minha sugestão é que ter essas conexões extras permitiu que o cérebro funcionasse de uma forma muito mais eficiente em termos energéticos.”

No entanto, outros paleontólogos argumentam que o registo fóssil mostra que os cérebros começaram a encolher mais recentemente do que Tattersall sugere, o que significa que a mudança não poderia estar ligada à linguagem. A data em que Tattersall estima a aquisição da linguagem (100 mil anos atrás) também é contestada.

“Adoro essa teoria, acho realmente brilhante”, diz o cientista cognitivo Jeff Morgan Stibel, do Museu de História Natural da Califórnia.

“Mas não vimos dados que mostrem que houve um declínio já há 100 mil anos que não tenha resultado, em algum momento, em uma reversão, onde o tamanho do cérebro começou a aumentar novamente. Houve declínios naquela época. Mas e seguida, o cérebro voltou a crescer. Ou seja, os dados ainda não correspondem a essa hipótese.”

Stibel acredita que as mudanças climáticas, e não a linguagem, poderiam explicar nossos cérebros menores. Em um estudo de 2023, ele analisou os crânios de 298 Homo sapiens nos últimos 50 mil anos. Ele descobriu que os cérebros humanos têm diminuído há cerca de 17 mil anos – desde o fim da última era glacial. Quando examinou cuidadosamente o registo climático, o pesquisador descobriu que a diminuição do tamanho do cérebro estava correlacionada a períodos de aquecimento da Terra.

“O que vimos foi que, quanto mais quente o clima, menor é o tamanho do cérebro dos humanos. E quanto mais frio, maior é o cérebro”, diz Stibel.

Cérebros menores poderiam ter permitido que os humanos esfriassem rapidamente. É sabido que os humanos em climas quentes desenvolveram corpos mais magros e mais altos para maximizar a perda de calor. É possível que nossos cérebros tenham evoluído de maneira semelhante.

“Hoje em dia, se fizer calor, podemos vestir uma camiseta, pular na piscina ou ligar o ar condicionado, mas há 15 mil anos essas opções não estavam disponíveis para nós”, diz Stibel.

“O cérebro é o maior consumidor de energia de todos os órgãos, pois pesa cerca de 2% da nossa massa corporal, mas consome mais de 20% da nossa energia metabólica em repouso. Provavelmente também deveria se adaptar ao clima. Nossa teoria é que cérebros menores dissipam melhor o calor e também têm uma produção de calor reduzida.”

A descoberta sugere que o rápido aquecimento do planeta atual pode fazer com que o nosso cérebro encolha ainda mais.

A ascensão de civilizações complexas

Talvez a teoria mais proeminente apresentada para explicar o encolhimento do nosso cérebro seja que tudo começou quando os nossos antepassados deixaram de ser caçadores-coletores, criaram raízes e começaram a construir sociedades complexas.

Em 2021, Jeremy DeSilva, antropólogo do Dartmouth College, nos EUA, analisou fósseis cranianos que vão desde o hominídeo Rudapithecus do Mioceno (quase 10 milhões de anos atrás) até os humanos modernos (300 mil a 100 anos atrás). Ele calculou que os nossos cérebros começaram a encolher há apenas 3.000 anos, mais ou menos no mesmo momento em que civilizações complexas começaram a surgir (embora desde então tenha revisto a sua estimativa, argumentando que o declínio no tamanho do cérebro ocorreu entre 20 e 5 mil anos atrás).

DeSilva sugere que o nascimento de sociedades e impérios complexos significou que o conhecimento e as tarefas poderiam ser espalhados. As pessoas já não tinham de saber tudo e, como os indivíduos já não tinham de pensar tanto para sobreviver, os seus cérebros diminuíram de tamanho.

No entanto, essa teoria também é contestada.

“Nem todas as sociedades de caçadores-coletores se tornaram complexas da mesma forma que, digamos, os egípcios há 3 mil anos, mas o tamanho do cérebro também diminuiu nessas sociedades”, diz Eva Jablonka, professora emérita do Instituto Cohn de História, Filosofia, Ciência e Ideias na Universidade de Tel Aviv, em Israel.

Jablonka argumenta que, mesmo que os cérebros tenham diminuído à medida em que surgiam sociedades mais complexas, isso não significa necessariamente que cérebros menores fossem, necessariamente, uma resposta adaptativa.

“Se há 3 mil anos surgissem sociedades muito maiores e mais complexas, isso poderia estar correlacionado a diferenças muito maiores nas classes sociais. Se, como consequência, a maioria das pessoas fosse pobre, então sabemos que a pobreza e a desnutrição comprometeriam o desenvolvimento cérebro.”

Marta Lahr, do Centro Leverhulme de Estudos Evolutivos Humanos da Universidade de Cambridge, também sugeriu que a deficiência de nutrientes poderia explicar a redução dos nossos crânios. Em 2013, ela analisou ossos e cabeças de toda a Europa, África e Ásia. Ela descobriu que o Homo sapiens com o maior cérebro viveu entre 20 e 30 mil anos atrás, e que os cérebros humanos começaram a encolher há 10 mil anos.

Isto está dentro do prazo em que se pensa que os nossos antepassados deixaram de ser caçadores-recolectores e passaram a dedicar-se à agricultura. Ela argumenta que a dependência da agricultura pode ter criado deficiências de vitaminas e minerais, resultando em um crescimento atrofiado.

Entretanto, alguns cientistas argumentam que os crânios humanos ficaram menores como consequência da vida doméstica, com base no fato de que espécies domesticadas, como cães e gatos (que são criados por serem amigáveis) têm cérebros de 10 a 15% menores do que os dos seus antepassados selvagens. Se humanos mais amigáveis e mais sociais tivessem mais sucesso do ponto de vista evolutivo, então os cérebros poderiam ter encolhido com o tempo. Mas nem todos estão convencidos.

“Não acredito nessa teoria da autodomesticação”, diz Jablonka. “Se isso ocorreu, deve ter acontecido há cerca de 800 mil anos, e não há qualquer evidência de que o cérebro humano tenha encolhido naquela época.”

Então, onde isso nos leva? Infelizmente, para entender por que os cérebros encolheram, seria necessário identificar exatamente quando o encolhimento começou. Mas o registo fóssil torna esta tarefa quase impossível. Fósseis mais antigos são mais difíceis de encontrar, por isso o registro é fortemente distorcido para espécies mais novas. Para algumas espécies mal preservadas, dependemos atualmente de alguns ou mesmo de um único crânio.

“O que sabemos é que no Pleistoceno, os cérebros humanos tinham aproximadamente o mesmo tamanho dos cérebros dos Neandertais, que é um pouco maior do que o tamanho médio dos cérebros humanos atuais”, diz Tattersall.

“A média de todos os cérebros do Homo sapiens com mais de 20 mil anos também é alta. Mas quando exatamente começou a diminuir é uma questão que não está totalmente clara, porque o registro não é tão bom. Tudo o que sabemos é que naquela época, os cérebros eram grandes e hoje são cerca de 13% menores.”

Estamos nos tornando menos inteligentes?

Se os cérebros estão encolhendo, o que isso significa para a inteligência humana? Dependendo da teoria em que você acredita, cérebros menores podem nos tornar mais inteligentes, mais burros ou não ter qualquer efeito sobre a inteligência.

É verdade que o tamanho do cérebro não é tudo. Os cérebros dos homens são cerca de 11% maiores que os das mulheres devido ao tamanho do corpo, também maior. No entanto, a investigação demonstrou que mulheres e homens têm capacidades cognitivas semelhantes. Há algumas evidências contestadas de que espécies de hominídeos com cérebros menores, como o Homo floresiensis e o Homo naledi, eram capazes de comportamentos complexos, sugerindo que a forma como o cérebro está conectado é o que determina a inteligência. No entanto, em geral, ter um cérebro maior em relação ao tamanho do corpo está correlacionado com inteligência.

“O fato de o nosso cérebro estar diminuindo significativamente neste momento leva à conclusão lógica de que a nossa capacidade de ficarmos mais inteligentes está diminuindo também, ou ao menos não está crescendo”, diz Stibel.

“No entanto, o que fizemos nos últimos 10 mil anos foi criar ferramentas e tecnologias que nos permitam descarregar a cognição em artefatos. Somos capazes de armazenar informações em computadores e usar máquinas para calcular coisas para nós. Portanto, nossos cérebros podem até estar apresentando uma menor capacidade de inteligência e de poder intelectual, mas isso não significa que nós, como espécie, estejamos ficando menos inteligentes coletivamente.”

Este texto foi originalmente publicado aqui.



Fonte: Folha de São Paulo

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