CANNES – Eternizado na história do cinema como o pai da saga Star Wars, o visionário George Lucas contou na recém-encerrada 77ª edição do Festival de Cannes como conseguiu chegar ao topo.
“Com paixão, persistência e independência”, disse o criador da mitologia espacial com os cavaleiros Jedi, uma das franquias mais rentáveis de todos os tempos, responsável por mais de US$ 10 bilhões de bilheteria.
Convidado para receber uma Palma de Ouro honorária, por sua contribuição artística, Lucas repassou o início de carreira, em encontro com um público de mais de mil pessoas, na Riviera Francesa.
“Nunca estivemos interessados em ganhar dinheiro. Queríamos fazer filmes, o que fez uma grande diferença”, afirmou o cineasta no evento, do qual o NeoFeed participou.
Lucas ingressou no cinema, no final dos anos 1960. Seu mentor foi Francis Ford Coppola e quem, no evento em Cannes, lhe entregou a honraria.
Aos 80 anos, os dez últimos deles aposentado, Lucas recordou que o cinema entrou em sua vida quase por acaso.
Quando um amigo foi fazer teste para ingressar na USC, a Universidade do Sul da Califórnia, ele resolveu acompanhá-lo e foi aceito.
Inicialmente, o futuro cineasta pensava em estudar fotografia, por já se interessar pelo assunto e “passar bastante tempo na escuridão da sala de revelação”.
“Mas quando cheguei para escolher o curso, não havia departamento de fotografia e, sim, de cinema. É uma loucura ir para a faculdade para fazer filmes, pensei, na época”, lembrou Lucas, que se apaixonou por cinema, assim que começou a frequentar as aulas: “Foi neste momento que disse: isso é para mim, é o que quero fazer”.
Logo, ele começaria a participar de festivais, com seus filmes estudantis. Participando e ganhando prêmios. Um deles foi o curta-metragem de ficção científica de 15 minutos chamado Electronic Labyrinth: THX 1138 4EB.
O trabalho realizado em 1967 seguia os passos de um indivíduo que fugia de uma sociedade distópica, o que já antecipava a visão pessimista de Lucas sobre as civilizações futuras.
Graças ao sucesso do curta no circuito universitário, o então estudante o usou como base para escrever e dirigir o seu primeiro longa-metragem, THX 1138, de 1971, com produção de Coppola.
Na época, Coppola ainda engatinhava na função, à frente da American Zoetrope, produtora inaugurada no final de 1969, em São Francisco, na Califórnia.
“Nós não queríamos ir para Los Angeles e ser parte de Hollywood. Então começamos a fazer filmes em São Francisco, o que nos deu a liberdade para fazer o que quiséssemos”, recordou o diretor, que também abriu uma produtora própria, a LucasFilm, em 1971.
Protagonizado por Robert Duvall , THX-1138 foi selecionado para Cannes, para a mostra paralela Quinzena dos Realizadores. Mas a distribuidora, a Warner, não quis pagar a viagem do diretor à França.
“Eu e Walter Murch [seu editor de som] juntamos dinheiro e viemos ao festival por nossa conta. Como não tínhamos nem ingressos para o nosso filme, entramos de fininho. Mais tarde, quando me perguntaram por que eu não compareci à coletiva de imprensa do THX-1138, eu disse que nem sabia que o filme teria uma”, contou.
O desafio de milhões
Como THX-1138 foi um fracasso comercial, a Warner quis ser reembolsada do investimento, fazendo com que Lucas e Coppola se virassem para pagar. “Francis aceitou então dirigir um filme sobre italianos, pelo qual ele ganharia bastante dinheiro”, comentou Lucas, rindo, sem precisar mencionar o nome do projeto, O Poderoso Chefão, de 1972.
“E quando eu perguntei a Francis o que eu poderia fazer para ajudar, ele me desafiou a criar uma comédia. Como eu só tinha 25 anos, sentia que podia fazer qualquer coisa. Foi assim que comecei a escrever Loucuras de Verão”, lembrou o cineasta, referindo-se ao seu segundo longa, rodado em 1973, que resgata sua adolescência passada em Modesto, na Califórnia.
O filme, que ficou mais de um ano em cartaz, faturou US$ 140 milhões, tornando-se um dos mais lucrativos da história, por ter consumido US$ 750 mil.
A partir daí, Lucas chamou a atenção dos estúdios, interessados em saber qual seria o seu próximo projeto.
“Eu dizia que se tratava de uma fantasia espacial, no estilo dos filmes dos anos 1920 e 1930s, com alienígenas e cachorros pilotando no espaço e outras coisas loucas”, disse.
Mais de mil salas
A maioria dos estúdios recusou o projeto por anos: “Finalmente, a Universal disse ‘talvez’. Isso porque eles estavam saindo do fenômeno de Sem Destino [road movie de 1969], que abriu as portas para nós, que queríamos fazer filmes que fossem fora do comum”.
Quando a trama ambientada em uma “galáxia muito, muito distante” finalmente estreou, Star Wars ocupou apenas 32 cinemas americanos, já que os executivos da Fox, empresa responsável pela distribuição, acabaram odiando o filme.
Eles só não sabiam que Lucas tinha passado os últimos dois anos frequentando todas as convenções de Star Trek e de comic books distribuindo camisetas e posters de Star Wars, para despertar o interesse do público. “Em pouco tempo, com as filas enormes ao redor dos cinemas, Star Wars pulou para mais de mil salas, algo que até aquele momento nunca tinha acontecido.”
E o que fez de Stars Wars um fenômeno?
“A saga foi concebida para crianças de 12 anos, que não sabiam o que estavam fazendo e com o que deveriam se preocupar. Sempre foi um filme para crianças e sempre será. Eu me surpreendi, assim como todo mundo, quando o primeiro filme agradou a plateia dos 5 aos 85 anos.”
Nunca ter feito um filme em Hollywood é motivo de orgulho para Lucas, um dos poucos que conseguiu se manter independente ao longo de toda a trajetória.
“Sempre fui um cara teimoso. Nunca aceitaria ter alguém na minha orelha, me dizendo como eu deveria fazer os meus filmes”, disse o cineasta, arrancando aplausos da plateia.