Por volta das 20h desta segunda-feira (29), Sara Vitória, 12, descansava a cabeça no colo da mãe, deitada em duas cadeiras no lado de fora da UPA (Unidade de Pronto Atendimento) de Pirituba, na zona norte de São Paulo. As duas haviam chegado ainda pela manhã, às 11h, e tinham como previsão esperar por pelo menos mais duas horas o resultado do exame de sangue para dengue.
A mãe, Juliana Gonçalves, 41, levou Sara na UPA quinze dias antes e saiu com um diagnóstico de pneumonia. Foi receitado antibiótico, mas dias depois retornaram sintomas como febre de 39º, diarreia, vômito, dor de cabeça e calafrios.
O quadro confuso entre infecção respiratória e dengue é comum nas unidades de pronto socorro da zona norte da capital. Na UPA de Pirituba, a Folha encontrou uma recepção reservada para os sintomas gripais à direita e outra para as demais reclamações à esquerda.
Sentado no chão da ala para sintomas gerais, Paulo Sérgio dos Santos, 42, esperava um atendimento há seis horas. Com dor de cabeça e febre, ele acreditava estar com dengue.
“Ontem [domingo, 28] eu vim e fiquei das 18h até 1h da madrugada para fazer o teste de dengue, mas minha esposa precisava trabalhar e não deu para esperar”, disse. “Estava fazendo os cálculos e, nesse tempo, dava para pegar um carro e ir até Belo Horizonte.”
Ao todo, nos dois dias, ele esperou mais de 13 horas. A distância de cerca de 600 quilômetros entre São Paulo e Belo Horizonte pode ser feita em oito horas.
O país ultrapassou a marca de 4,1 milhões de casos prováveis e 2.073 óbitos por dengue em 2024, segundo dados do Painel de Monitoramento de Arboviroses do Ministério da Saúde. O número de casos representa um recorde histórico. O recorde de casos prováveis anterior era o registrado em 2015, com 1.688.688 —nesse ano, foram 986 mortes. Na série histórica, o recorde de mortes do país havia sido em 2023, com 1.094.
Os últimos boletins InfoGripe, da Fiocruz, mostram também aumento de internações por Srag (síndrome respiratória aguda grave) no país, principalmente por causa do VSR (vírus sincicial respiratório), que afeta principalmente crianças, e pelo vírus da gripe, influenza A.
Na UPA Jaraguá, na mesma região, Carine Laura, 36, sentia-se sortuda por sua filha de 6 anos ter esperado quatro horas para ser atendida. A menina, tossindo, fez testes para gripe, Covid e dengue. “É bom para o que é esperado. E a equipe de enfermagem é ótima”, disse Carine. O único problema que afirma ter encontrado aconteceu na troca de plantão, quando a nova médica não apareceu e a anterior precisou continuar.
No mesmo local, Anderson Ferreira, 46, acompanhava, às 21h30, a esposa Silvia Regina, 43, que apresentava sintomas gripais, dor no corpo e dor de cabeça. Eles chegaram na UPA às 14h. “Ela vai fazer teste de Covid, dengue e depois vai tirar a chapa [fazer raio-X do pulmão]”, disse Ferreira que, apesar de reclamar da demora, afirmou que esse é o pronto atendimento mais rápido.
Lá, Marlene Silva, 57, esperou sete horas para fazer contagem de plaquetas em um exame de sangue. Ela havia sido diagnosticada com dengue grave algumas semanas antes. Não muito longe dela, Giraldo Barbosa, 50, tinha as pernas repletas de manchas vermelhas e esperava atendimento há três horas para saber se estava ou não com dengue.
“Ainda tem 30 pessoas para serem atendidas na minha frente”, reclamou. Às 21h40h, a fila para atendimento médico na UPA tinha 51 pessoas.
A pouco mais de sete quilômetros dali, a previsão de atendimento na UPA Perus era um pouco melhor: de duas a três horas. Ailson Miller, 49, esperava 1h30 para ser atendido. “Estou com gripe, dor de cabeça, dor no corpo, febre, acho que é dengue”, disse. “Estou assim desde sábado, mas estava com medo de vir aqui e tomar esse chá de espera.”
Tanto na UPA de Perus, quanto na UPA de Pirituba, as tendas para atendimento específico à dengue foram encerradas às 19 horas.
Procurada para responder sobre a demora no atendimento nas UPAs, a Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo não respondeu até a publicação desta reportagem.
Todos os distritos da cidade de São Paulo já estão com epidemia de dengue, segundo o boletim epidemiológico da prefeitura divulgado nesta segunda-feira.
Até a última semana, só Moema e Jardim Paulista, nas zonas sudeste e oeste de São Paulo, respectivamente, não tinham uma incidência acima de 300 casos por 100 mil habitantes, considerado como uma métrica pela OMS (Organização Mundial da Saúde) para classificar uma epidemia.
O novo boletim mostra que, apesar de epidêmicos, os distritos de Moema (304,1), Jardim Paulista (329,0), Saúde (366,2), Vila Mariana (373,8) e República (395,5) possuem as incidências mais baixas da cidade.
Na ponta dos mais altos, estão Jaguara (10.598,1), São Miguel (7.039,2), São Domingos (4.569,6), Itaquera (4.561,4) e Guaianases (4.156,7).
A incidência de dengue no município de São Paulo é 1.832,7, com 220.029 casos e 105 mortes confirmadas só em 2024.
O estado de São Paulo registrou 820.769 casos de dengue em 2024 e 550 óbitos pela doença.