Na caminho para criar uma infraestrutura de tecnologias energéticas, o Brasil tem um trunfo que começou a sair do papel. É o TecHUB, localizado no Complexo Industrial Portuário de Suape, a 40 quilômetros de Recife. Liderado pelo Senai-PE, o complexo de ciência e tecnologia foca na transição energética, a partir do desenvolvimento de projetos com o hidrogênio verde (H2V), considerado o Santo Graal rumo ao futuro sustentável.
Entre todos os combustíveis de fontes renováveis, o gás promete ser o mais limpo — com potencial de alimentar grandes consumidores de energia, como a indústria e os transportes, com emissão quase zero de carbono na atmosfera. Até 2030, a nova tecnologia deve movimentar, globalmente, US$ 350 bilhões, em investimentos, conforme dados da consultoria Thymos Energia. Ao Brasil, cabem 8% desse total, o equivalente a US$ 28 bilhões.
Em Suape, a construção da planta piloto para extração de hidrogênio verde está impulsionando a criação de uma estrutura para abrigar o desenvolvimento de outras tecnologias, todas relacionadas à transição energética.
“O ambiente foi planejado para que pudesse acelerar o desenvolvimento tecnológico e a descarbonização da indústria”, diz Oziel Alves, diretor de Inovação e Tecnologia Industrial do Senai-PE e um dos líderes do projeto, em entrevista ao NeoFeed. “Temos estrutura disponível para que a indústria chegue com o desafio e, então, montamos o projeto, desenvolvemos, implementamos e validamos.”
Apesar de sua curta história, o TecHUB já tem três projetos em curso. A ideia é que tudo funcione de maneira modular, em contêineres. Assim, a planta onde o hidrogênio é produzido pode ser conectada a outra, de produção de fertilizantes, por exemplo, que utilize o gás como fonte de energia.
Atualmente, a planta piloto de hidrogênio movimenta outros dois projetos. Um deles é o desenvolvimento de um software para rastrear, por blockchain, toda a cadeia de produção do combustível — da extração por eletrólise ao uso. Isso para garantir que cada uma das etapas seja totalmente limpa, sem emissões de gases de efeito estufa. Além disso, também está em desenvolvimento a digitalização de todo o funcionamento da planta.
Foi instalada ali ainda uma planta piloto para produção de baterias de baixa voltagem, para eletrificação veicular. A estrutura está em fase final de ajustes e deve começar a operar em 2025.
Também será completamente automatizada e a promessa é a de que tenha um papel central em uma futura produção nacional de baterias para carros elétricos. Atualmente a indústria automobilística depende de importação do produto.
Está em fase final de captação de recursos outro projeto para a instalação de uma planta de produção de fertilizante organomineral de baixa emissão. Trata-se de uma mistura composta de fertilizantes minerais (nitrogênio, fósforo e potássio) com fertilizantes orgânicos.
Além desses, estão no papel ou em negociação outros dez projetos, com o custo estimado em mais de R$ 200 milhões. Entre eles, quatro laboratórios: um de captura e armazenamento de carbono; outro de integração de energias renováveis; um terceiro de biotecnologia aplicada; e um quarto de economia circular.
Está prevista ainda a instalação de uma planta-piloto de energias renováveis e uma infraestrutura para testes de mobilidade elétrica. “Complexos como estes são grandes oportunidades de desenvolvimento não só para a indústria, como para a região que os abriga”, diz Jaques Paes, professor do MBA de ESG da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Ao atrair empresas e capital, os grandes complexos naturalmente geram um crescimento socioeconômico, defende Paes. A mão de obra local não apenas costuma ser aproveitada, como especializada. Além disso, esses polos atraem investimentos em infraestrutura, como criação de estradas, hospitais, entre outros.
O TecHUB tem tudo para se transformar em supercluster de inovação, como são chamados os complexos de pesquisa e desenvolvimento. Também chamado de clusters de ciência e tecnologia, são montados em polos industriais, organizam-se em torno de um mesmo tema e têm como foco o desenvolvimento de soluções de ponta.
“Os clusters de ciência e tecnologia são um dos fatores mais decisivos para o desempenho em inovação de qualquer economia”, diz, em comunicado, Daren Tang, diretor geral da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI). Desde 2007, a entidade elabora anualmente o Índice Global de Inovação, o ranking dos cem principais superclusters do planeta.
Único país da região América Latina e Caribe, o Brasil aparece na lista graças ao Parque de Inovação Tecnológica de São José dos Campos, no interior de São Paulo, destinado ao desenvolvimento de inovações aeronáuticas.
No Índice Global de Inovação 2023, os analistas da OMPI apontam para o crescimento acelerado de superclusters em algumas economias emergentes. Além do Brasil, o documento cita, por exemplo, a Índia e a Turquia.
No topo do ranking, estão países como Japão, China, Coreia do Sul, Estados Unidos e Alemanha, donos dos maiores complexos de inovação do mundo. Só os chineses são responsáveis por 24 clusters de ciência e tecnologia. E os americanos, por 21 deles.
O conceito de cluster (do inglês, “conjunto”, “aglomerado”) surgiu na década de 1960, na IBM. Na computação, o termo caracteriza a conexão entre computadores que trabalham juntos de maneira integrada, como se fossem uma única máquina.
Mais tarde o conceito migrou para os negócios, muito comum nas economias mais modernas. E passou a designar um modelo de organização industrial, no qual um grupo de empresas de um mesmo setor opera em uma determinada área geográfica, partilhando recursos e conhecimentos, de modo a tornar a cadeia de produção mais eficiente e, consequentemente, mais competitiva.
Agora, no ambiente em constante transformação da indústria 4.0, quando os dados são produzidos em ritmo exponencial, os clusters passaram a incluir grandes centros de pesquisa e desenvolvimento. Assim, viraram superclusters de inovação.