Mulheres +30 falam do peso social por serem solteiras – 11/06/2024 – Equilíbrio


Completei 32 anos há algumas semanas e estou solteira. Por muito tempo, imaginei que eu tivesse algum problema, pois passei boa parte da vida sem uma “metade”. Vivi intensamente muitos romances, mas, desde o fim da pandemia, não tive nenhum relacionamento duradouro e não sou a única.

Nós, mulheres heterossexuais, vivemos em uma bomba relógio criada por nossas próprias mentes, em decorrência de uma cultura patriarcal, dizem especialistas. Durante a apuração da pauta, foi extremamente difícil achar representantes femininas que aceitassem falar sobre a solteirice —há uma vergonha velada em torno desse assunto.

O discurso era “eu sou feliz sendo solteira, mas não quero me expor”. Seria essa exposição um problema apenas para mulheres ou, de fato, saber lidar com a pressão em torno do rótulo? “Sex and the City” que o diga.

Estar solteira parece que nunca foi um problema, mas estar sozinha em uma construção social que encabeça a heteronormatividade de casar e ter filhos, despeja um peso sobre as mulheres.

A diretora de arte Natalia Rinaldi, 31, conta que nota essa pressão porque as mulheres são criadas de uma forma completamente diferente da dos homens.

“Desde crianças, somos incentivadas a pensar em casamento e família. Relacionamentos são um tema constante em nossas vidas, algo a ser alcançado. Para os homens, no entanto, ninguém pergunta quando vão casar ou que tipo de mulher querem ao seu lado. A ênfase está na carreira e nos objetivos profissionais”, diz.

“Eu percebo que a sociedade ainda vê as mulheres solteiras como incompletas. A mulher não é vista como um ser independente. Sua existência está sempre atrelada ao outro”, completa. “Parece que somos vistas pela sociedade como se tivéssemos algum problema.”

Antropologicamente, o machismo e o papel da mulher na sociedade têm raízes profundas, explica a psicóloga humanista Raíssa Paes Leme. “As mulheres, historicamente, não tinham valor social ou econômico, sendo valorizadas apenas pelo casamento. Isso ainda é evidente em práticas como o dote em alguns países da Ásia, em que o pai paga para casar a filha.”

Paes Leme ressalta que essa questão intrínseca de que a mulher só tem valor se está casada ou em um relacionamento é uma herança dessas estruturas profundas e enraizadas.

O peso social da idade se manifesta até mesmo em mulheres que estão em um relacionamento. “Nos casais, é comum perceber uma grande insatisfação sexual e sobrecarga das mulheres, que estão exaustas e insatisfeitas, mas com medo de se separar por já terem passado dos 30 anos”, conta a psicanalista com foco em terapia de casais, Julia Boal.

Elas temem não ser mais desejadas ou escolhidas, acreditando que seu tempo de juventude já passou, e esse medo da solidão as prende em relacionamentos insatisfatórios. O sentimento de inadequação é forte entre pacientes solteiras com mais de 30 anos, que se sentem fora das estruturas tradicionais de casamento e maternidade, lutando para construir uma identidade própria. Mesmo as que têm relacionamentos em suas vidas muitas vezes sentem vergonha de estarem solteiras, afirma a terapeuta.

Já as solteiras relatam que sentem de outras pessoas uma pressão de sair, procurar alguém e não ficar sozinha. “Ainda escuto bastante que ninguém é feliz sozinho, que não dá para envelhecer sozinha, que preciso ter um companheiro”, afirma Cinthya Dominguez, 38, professora do ensino fundamental, especializada em psicopedagogia.

Dominguez está em paz com a falta de um relacionamento, mas acredita que pode conhecer alguém aleatoriamente quando menos esperar, não sente necessidade de ir atrás. A atriz Ana Spohr, 30, também não acha ruim estar solteira, muito menos tem vergonha disso, porém conta que tem sido difícil se relacionar.

“Tenho vontade de ter um relacionamento, mas onde estão essas pessoas?”, questiona. Em seu ciclo social, ela conhece muita gente, mas geralmente são mais jovens, o que não desperta interesse para relacionamentos longos devido às diferentes percepções de vida.

A psicóloga Raíssa Paes Leme enfatiza a importância do autoconhecimento e valorização para mulheres solteiras. Segundo ela, é crucial reconhecer o próprio valor além de relacionamentos amorosos. Em vez de esperar ser escolhida, aconselha adotar a perspectiva de escolher parceiros que realmente se encaixem em suas vidas.

A psicanalista Julia Boel sugere refletir sobre o que é de responsabilidade própria e do outro para lidar com ciclos de ansiedade e cobrança. Boel destaca a importância de compreender que o outro pode ter tempo e intenções diferentes, e que há uma diferença entre expectativas não correspondidas e culpa do outro.

O que dizem os homens?

Com base em um estudo do aplicativo de relacionamentos Tinder, 53% dos homens desejam um relacionamento romântico, mas acreditam que apenas 49% das mulheres estão procurando o mesmo. No entanto, 68% das mulheres afirmam que também buscam um relacionamento romântico.

“Cada envolvimento cria uma dinâmica específica, mesmo que não seja um namoro formal. Nossa mente é influenciada pela presença das pessoas com quem nos relacionamos. Eu tento buscar relacionamentos, mas às vezes sinto que eles não me buscam”, conta o diretor de fotografia, Martino Piccinini, 35, que não vê problema algum na solteirice.

O levantamento também mostra que há suposições equivocadas entre solteiros heterossexuais sobre intenções de relacionamento. As mulheres tendem a subestimar o desejo dos homens por amor e superestimar quantos buscam sexo casual.

“Às vezes eu quero estar num relacionamento, mas não é exatamente algo que eu busco. Geralmente sinto que isso acaba sendo, talvez, um tipo de pressão”, conta Artur Andrade, editor de vídeos, 32.

Embora 65% das mulheres acreditam que os homens querem apenas encontros casuais, na realidade, apenas 29% buscam isso. Essas suposições geram narrativas errôneas, dificultando ver os parceiros em potencial pelo que realmente são e complicando a formação de conexões genuínas.

“Sei que existem aplicativos que facilitariam isso, mas não rola muito para mim, justamente porque parece algo muito consciente de todos que estão ali, mas onde nem todos parecem de fato interessados em estar”, completa. Em suma, Andrade não acha ruim ser solteiro pois aprecia sua própria companhia.

Nunca foi um problema ser solteira, digo isso com propriedade, por que nós temos um valor que supera qualquer status de relacionamento. No entanto, ainda é difícil aceitar o peso social imposto por outras pessoas sobre sua própria vida.

Mas, como uma boa solteira e baseado no que citaram as psicólogas consultadas pela reportagem, é importante passarmos por cima disso e entendermos que, no final, não há amor como o amor próprio.

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Fonte: Folha de São Paulo

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