Imagine alguém que aceita pagar mais por um produto só porque vem com “frete grátis”. A ilusão da vantagem imediata faz esquecer o custo real. É exatamente isto que vem acontecendo no mercado de crédito privado isento de Imposto de Renda: muitos investidores deixaram de olhar para o preço do risco e passaram a olhar apenas para o brilho do benefício fiscal.
Como alertou Montaigne, “nada é tão enganador quanto a aparência de vantagem”. No mercado, a isenção de imposto tem cumprido esse papel com perfeição. A promessa de rendimento líquido mais alto seduz, mas o risco embutido permanece ali, intacto, apenas disfarçado.
O índice Idex Infra Core, calculado pela gestora JGP, mostra claramente esse fenômeno. O indicador mede a diferença média ponderada entre as taxas reais de títulos corporativos atrelados ao IPCA e isentos de IR e as taxas de títulos públicos de mesmo prazo.
Em linguagem simples, esse spread indica quanto a mais ou a menos o mercado aceita para assumir o risco de crédito privado. Desde 2021, esse spread variou de 0% a 2% ao ano, níveis historicamente razoáveis para compensar o risco adicional. Hoje, ele está em -0,51%. Na média, investidores estão aceitando emprestar a empresas com uma taxa de juros real menor do que a do próprio governo federal.
O gatilho para essa distorção foi a corrida de investidores para garantir a isenção antes de uma eventual tributação das novas emissões a partir de 2025. Quando a demanda dispara e a oferta de títulos não acompanha, o spread cai. A percepção de “última chance” reforçou o comportamento de manada e achatou os prêmios.
O raciocínio parece fazer sentido à primeira vista. Como o Imposto de Renda incide sobre toda a remuneração, inclusive sobre a inflação, a vantagem fiscal de um papel isento costuma girar de 1,5% a 2% ao ano. Um título público IPCA+7% ao ano, com inflação de 4,5%, entrega um rendimento nominal de 11,8% ao ano. Após IR de 15%, a taxa real líquida cai para 5,3% ao ano, 1,7 ponto percentual a menos. Um título corporativo IPCA+6,5% isento de IR, ou seja, com spread de -0,5%, ainda renderia líquido 1,2% ao ano a mais do que esse título público.
O problema é que a isenção fiscal virou critério único de decisão para muitos investidores. Isso distorce a noção de risco. Em momentos de estresse de crédito ou de normalização do mercado, os spreads tendem a subir novamente. Portanto, o investidor desses títulos que espera ganhar na marcação a mercado com queda de juros pode se frustrar se o juros de títulos públicos caírem, mas o spread subir.
A vantagem tributária é um estímulo legítimo, mas não é um escudo contra o risco. Crédito privado, mesmo em infraestrutura, carrega incertezas e depende da saúde financeira das empresas emissoras. Quando o prêmio pelo risco é muito baixo ou negativo, a margem de segurança desaparece. É como atravessar uma ponte confiando apenas na beleza da paisagem, sem olhar para a estrutura que a sustenta.
Isenção de IR não substitui análise de crédito, não garante ganho e não evita perdas. O spread negativo atual é um sinal claro de que o mercado está disposto a receber menos para correr mais risco. E, quando essa conta chega, ela costuma vir sem desconto.
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