Atrasei o texto desta semana. Hoje me sinto responsável por não ter me programado direito, por não ter levado em conta o tempo que os compromissos dos últimos dias exigiria de mim. Acontece! É normal. Aprendo com meus equívocos e tento não repetir o erro (nada simples, eu seeei, mas possível).
O bom é que não preciso mentir aqui, posso ser honesta e dizer que me atrapalhei. “Mariana, eu vou atrasar hoje, me desculpa”, escrevi para a minha editora aqui da Folha de S.Paulo. “Logo mais te mando.” Simples assim. Na ativa eu provavelmente justificaria o erro alegando que estava no hospital.
Isso é manipulação. O álcool me ensinou direitinho a fazer manobras para conduzir situações que eu não queria aceitar. Mexer com os sentimentos dos outros, desprezar os que me entenderiam (os mais próximos) e seguir fiel ao meu professor Álcool, era essa a rotina. Uma amiga minha dizia que eu fazia mágica para beber e era uma atriz perfeita para sustentar as mentiras de uma vida de bêbada. “Uma mistura de David Copperfield com Magaiver.”
Nos primeiros desastres alcoólicos, eu não era tão esperta, tampouco experiente. Fazia burrada e tinha que enfrentar. Mas esse confronto com a realidade foi ficando cada vez mais penoso, foi me cansando, e então vieram as técnicas da manipulação. Posso dizer que fiz cursinho, faculdade e doutorado em estratégias diversionistas. Tenho absoluta certeza de que não sou uma pessoa do mal, mas não conseguia evitar. Eu necessitava beber e, para isso, precisava mentir, machucar, enganar. Não tinha escapatória.
Na ativa, era comum eu não aparecer em um compromisso, não entregar um trabalho. Isso foi ficando minha marca registrada. “A Alice não vem, esquece.” A certeza da ausência era seguida de uma frustração dos que estavam próximos, acompanhando tudo: “Ela é uma menina encantadora, mas bebe muito, coitada”. E foi de fato muito difícil sacar tudo isso e me perdoar.
Quando entrei em recuperação, adquiri uma paz nunca antes experimentada. Fui conhecendo pessoas novas, mudando de vida, e percebi que só sem beber NADA de álcool a coisa teria eficácia. Tolerância zero. Finalmente, depois de mais de 15 anos de tentativas, admiti a mim mesma que não dava mais. Perdi a conta das vezes que me vi à beira da morte e da força que eu fazia para tentar mais uma vez sair ilesa. Não aguentava mais olhar para aquele ditado japonês que tinha na cabeceira da minha cama: “Caia sete vezes, levante-se oito”. Não suportava mais os tombos.
Então, em vez de remediar, hoje aprendo com o erro. Vou me prevenir para que isso não aconteça novamente, vou me organizar melhor. Eu estou em recuperação e assumir meus erros me torna uma pessoa melhor, muito mais coerente.
Finalmente entendi que é impossível obter resultados diferentes fazendo a mesma coisa. Isso é insanidade, me alertou um grande amigo mineiro. Aliás, nenhuma dessas ações e melhorias seriam possíveis se eu não estivesse muito bem acompanhada de pessoas que não desistiram de mim. No meio da multidão sempre aparecem pessoas muito do bem e tão empáticas com a minha dor que me emociono, tenho a sensação de que quando enfim acionei o modo “pequenas mudanças”, o universo todo retribuiu e colaborou. É meio mágico, eu sei, mas afinal tenho um lado meio David Copperfield…
É impressionante como eu era cega enquanto bêbada e ficava tentando tirar leite de pedra, para ser bem didática. Hoje aceito que falhei e pronto. Tudo fica mais fácil.
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