Na década de 1990, instituições de caridade, governos e filantropos individuais investiram bilhões de dólares em uma meta: o controle da malária. Até 2010, eles queriam reduzir pela metade o número global de mortes pela doença.
Na época, a malária representava uma das maiores ameaças mundiais à saúde. Pelo menos um milhão de pessoas morriam em decorrência da doença a cada ano, a grande maioria crianças pequenas.
A campanha “Roll Back Malaria” (“Reduzir a Malária”, em tradução livre) foi lançada oficialmente em 1998. Com bilhões de dólares em financiamento de instituições globais como a OMS (Organização Mundial da Saúde) e o Banco Mundial, os idealizadores distribuíram nas regiões afetadas mosquiteiros e inseticidas para ambientes internos. Também introduziram novos medicamentos para tratar pacientes em áreas onde os mosquitos haviam se tornado resistentes à cloroquina, principal antimalárico usado na época.
Esses esforços contribuíram para reduzir quase pela metade o número de mortes por malária em menos de duas décadas.
Estagnação e salto no número de casos
Mas, em 2015, as coisas começaram a se estagnar. Nos anos seguintes, os números de casos estimados permaneceram os mesmos —e, depois, começaram a aumentar.
Em 2020, as mortes globais por malária atingiram o nível mais alto em seis anos. E, em 2022, o número estimado de casos de malária em todo o mundo disparou para mais de 248 milhões, frente a 230 milhões em 2014.
Essas estatísticas decepcionantes levaram Nicholas White, especialista em malária e professor de medicina tropical da Universidade de Oxford, a publicar na revista científica The Lancet um apelo à OMS. Ele disse que, de acordo com os números da própria organização, a cifra de casos de malária estimada em 2022 era exatamente a mesma de 2000.
Se isso fosse verdade, o que estaria acontecendo de errado? “Será que, depois de bilhões de dólares de investimento global, anos de pesquisa sobre terapias preventivas e o desembolso de bilhões em tratamentos, o número de casos não mudou?”, questionou o cientista.
A OMS respondeu à pergunta de White, dizendo que ele havia interpretado os números de forma errada, pois não havia levado em conta o crescimento da população global.
“Se a taxa global de incidência e mortalidade da malária em 2000 fosse aplicada às populações em risco anualmente até 2020, os investimentos feitos nos últimos 20 anos teriam contribuído para salvar cerca de 11 milhões de vidas e evitar 1,7 bilhão de casos desde 2000”, escreveu a OMS.
Ainda assim, a organização reconheceu no título de sua resposta que “a mensagem sobre a malária é clara: o progresso estagnou”.
“Corrida armamentista” contra a malária
As razões para essa estagnação, segundo a OMS, são “complexas”. Em sua resposta a White, a organização explicou que a África subsaariana, a área mais ameaçada pela malária, está tendo menos financiamento para intervenções e sofre de falta de acesso a cuidados sanitários de qualidade. As ferramentas disponíveis estão comprometidas por “ameaças biológicas”, afirmou.
Especialistas consultados pela DW disseram ser provável que a estagnação se deva, pelo menos em parte, à capacidade dos mosquitos transmissores da malária de se adaptarem rapidamente e contornarem as intervenções.
“Em todo o mundo, muitos dos mosquitos que espalham a malária se tornaram resistentes ao principal inseticida usado, enquanto em algumas regiões o parasita que causa a malária se tornou resistente aos medicamentos usados para tratar a doença”, disse à DW Jackie Cook, codiretora do Centro de Malária da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres.
Além disso, um novo mosquito, o Anopheles stephensi, surgiu no leste da África nos últimos 10 anos. Ao contrário de outros vetores da malária, o A. stephensi é capaz de se espalhar nas cidades, o que representa uma ameaça para as populações que vivem em áreas urbanas densamente povoadas.
“O controle da malária deve ser visto como uma corrida armamentista”, disse à DW Umberto D’Alessandro, pesquisador de malária e líder da Unidade do Conselho de Pesquisa Médica de Gâmbia da Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres. “Tão rápido como os sprays inseticidas, medicamentos ou testes rápidos são desenvolvidos, os mosquitos ou parasitas também se adaptam”, disse ele.
Além disso, afirmam os pesquisadores, o financiamento dos estudos sobre malária encontra-se baixo. Em 2022, o ano mais recente disponível no registro, ele atingiu o nível mais baixo nos últimos 15 anos, de acordo com a OMS.
“Em 2007, Bill e Melinda Gates anunciaram que queriam que ela [a malária] fosse eliminada durante a vida deles, o que eu acho extremamente improvável, mas houve um grande impulso para se tentar fazer isso”, disse Cook. “Obviamente, houve sucessos, mas acho que as pessoas estão começando a perceber que não será uma coisa muito simples.”
Sem análise aprofundada
White, pesquisador da malária em Oxford, rejeita a ideia de que a estagnação possa ser explicada de forma conclusiva pela capacidade dos vetores de contornar rapidamente as intervenções.
“Não houve nenhuma análise aprofundada, pelo menos que eu saiba —e eu deveria saber— que realmente explique por que eles estimam que a malária piorou desde 2015”, disse White à DW, falando sobre as estimativas de casos de malária da OMS.
Ele disse suspeitar que grande parte da estagnação esteja relacionada a fatores que não estão sob a alçada dos sistemas de saúde, como “guerra, privação e recessão econômica” e coisas, segundo ele, “sobre as quais ninguém quer falar, como corrupção e ineficiências”.
Em seu relatório de 2023 sobre a malária no mundo, a OMS atribuiu a estagnação nos 11 países mais afetados ao acesso limitado aos serviços de saúde, aos conflitos em andamento, ao efeito da covid-19 na prestação de serviços, à falta de financiamento e a problemas como a resistência a inseticidas.
As vacinas também estão começando a desempenhar um papel na luta contra a doença. Até o momento, duas vacinas contra a malária, a RTS,S e a R21/Matrix M, foram aprovadas pela OMS. A distribuição da RTS,S já começou, enquanto o lançamento da R21 está programado para o próximo mês. Os especialistas estão otimistas, mas alertam que a vacinação não é uma bala de prata.