No começo da minha recuperação, eu me preocupava muito com o que os outros iriam pensar quando percebessem que eu não estava bebendo. Não tá bebendo por quê? Encontrou Jesus? É, ouvi isso algumas vezes. E cada vez que ouvia uma piadinha, me sentia uma perdedora, afinal, minha marca registrada era a bebida.
Eu era uma ótima companhia para beber, nunca negava. Era sempre a última a sair do bar, da festa, ou de onde fosse. E detestava frequentar lugares onde não tivesse álcool. Lembro de quando me convidaram para relaxar uma semana num SPA. (Tudo de graça, era presente.) Mas lá tem bebida?, perguntei imediatamente. Não, Alice. O intuito é desintoxicar e relaxar…Uma semana. Só. Pulei fora.
Não tinha a menor condição de eu passar uma semana em um lugar sem bebida alcoólica. E olha que eu não estou falando do pior período do meu alcoolismo. Mas essa era eu. Relaxar, descansar, curtir férias —sem álcool, não dava. Afinal, qual seria a graça? Autoconhecimento? Balela, pensava.
Sentia pena de quem me dizia que não tinha o hábito de beber. Que vida triste, sem graça. Como será que a pessoa se divertia… Tipo na praia? Em um casamento? Festa? Jantar? Tentei algumas vezes ficar sem bebida porque eu me machucava bem mais do que me divertia, mas na maioria das vezes recaía pressionada por mim mesma, imaginando o que os outros pensariam.
A melhor saída que encontrei foi dizer que estava tomando antibiótico, mas às vezes falava de alguma promessa. A questão é que eu mesma me enganava, eu queria muito aprender a beber. Daí pensava em dar um tempo —quem não tem conhecimento do alcoolismo em geral acha que é uma solução—, mas encontrava formas de beber longe do olhar vigilante dos que sabiam que eu estava com o propósito de ficar distante da bebida. Dava uma escapada… E assim foi aquela vez com minhas amigas no bar, em que elas insistiram muito: um golinho para brindar, Alice! E aquela outra com o Marcelo, um encontro que eu queria tanto que desse certo.
Com ele, por exemplo, me contive no primeiro encontro (já estava havia alguns meses em abstinência). Ficamos numa padaria por umas quatro horas, eu tomei algumas cocas. Depois fomos a uma praça. Percebi que eu estava meio sem jeito, tímida… mas passou. No segundo encontro, num bar, eu não aguentei e disse: ah, hoje eu vou tomar uma cerveja. Claro que não fiquei apenas na primeira. Naquele dia foi ótimo, mas depois que o álcool entrou na minha corrente sanguínea, voltou a angústia, o medo, a ansiedade… E já no dia seguinte eu comecei a beber no trabalho.
Me lembro dessa época específica e penso que foi um período que comprovou meu alcoolismo. Eu bebia tanto que, quando encontrava o Marcelo depois do trabalho, estava chapada. Dormia, ou aprontava situações constrangedoras na casa dele. Isso faz mais ou menos 15 anos: eu tinha conseguido um emprego incrível e o homem por quem eu era apaixonada na infância estava atrás de mim, dizendo que me amava etc. Era aparentemente um momento de sonho. Mas bebi. Lembro da minha avó falando: “Por fora, bela viola, por dentro, pão bolorento”. Marcelo foi embora depois de algumas tentativas de me tirar do buraco, disse para eu me cuidar. O trabalho me enquadrou e disseram que sabiam que tinha mais do que água na minha caneca. Fiquei sem Marcelo, sem emprego, mas com a bebida.
Aliás, acho que foi nessa fase que a minha amiga, aquela que casou e não me convidou, começou a desistir de mim. Lembro dela olhando fundo nos meus olhos e dizendo: Alice, por favor, não beba. Eu estou te pedindo, falava com os olhos marejados. Nada nem ninguém me freava.
Lembrando disso, me dá certa tristeza. Eu vejo hoje o Marcelo com filhos e curtindo a vida como ele dizia que seria a nossa. Eu tenho saudade da minha amiga. São sentimentos genuínos. Mas junto com eles vem a aceitação. Minha vida mudou e muito. Eu poderia ter traçado outros caminhos? Sim, se não fosse alcoólatra. Então aceito e sigo em frente. Pego essa tristeza para seguir forte na minha recuperação. Não dá para beber nem um gole, no meu caso. Mas eu só sei disso depois de alguns anos escutando a minha história por meio de outros alcoólatras.
Hoje a roupa que me serve, digamos assim, é a da recuperação. E eu me sinto bonita, feliz, saudável, contente. Sem Marcelo, sem aquela amiga, mas cheia de outras coisas. E aprendi que não posso ficar me lamentando pelo que não foi. Vejo tantas coisas que conquistei em sobriedade. A maior delas foi o amor-próprio. Não importa que me digam: eu não confio em quem não bebe, ou, seu único defeito é que você não bebe etc. etc. A pressão externa é grande. Pela indústria, pelos costumes… Mas eu virei o jogo e falo mais alto que minha doença.
Não bebo e sou bem feliz, aliás, estou na melhor fase da minha vida, como diz minha irmã.
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