Na última sexta (24), o Brasil ultrapassou a marca de 3.000 mortes por dengue em 2024. Até esta segunda-feira (27), foram confirmadas 3.038 mortes; o número é 2,5 vezes superior a todo o ano de 2023, quando 1.179 brasileiros morreram pela doença.
Os estados de São Paulo (812), Minas Gerais (525) e Paraná (372) são os que mais registram óbitos e também os que mais totalizaram casos graves da doença neste ano —13.932, 9.797 e 8.890, respectivamente. Acre e Roraima são os únicos que não tiveram registros de dengue até o momento.
Por região, os estados do Sudeste concentram mais da metade das mortes no país, 50,13%, seguidos dos estados do Sul (24,98%), Centro-Oeste e Distrito Federal (19,94%), Nordeste (4,18%) e Norte (0,75%).
Os dados são do Painel de Monitoramento de Arboviroses, do Ministério da Saúde.
Em relação aos casos prováveis da doença, o país já registra 5.239.876 casos, estimativa que supera a projeção do próprio Ministério da Saúde para o ano, divulgada em fevereiro.
Em razão disso, a pasta informa que um amplo plano de enfrentamento às arboviroses está em fase de consolidação, baseado nas diretrizes traçadas durante uma oficina realizada nos últimos dias 15 e 16 de maio pela pasta.
Nomeada de Oficina Internacional de Arboviroses, o encontro com a participação de mais de cem pesquisadores e cientistas que discutiram ações e estabeleceram estratégias para o enfrentamento de doenças como zika, chikungunya e febre do oropouche.
Um estudo da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), publicado em março, aponta que a explosão de casos de dengue no interior do Brasil este ano teve relação com as mudanças climáticas.
Ainda segundo a pasta, a dengue possui padrão sazonal, com aumento do número de casos principalmente entre os meses de outubro de um ano a maio do ano seguinte. Por isso, é importante prevenir agora para o surto de 2025, diz o ministério.
Não faltam, porém, ações para enfrentar a doença, que deve ter um número de óbitos subnotificado neste ano, segundo especialistas ouvidos pela Folha.
Isso ocorre porque outros 2.679 óbitos ainda estão sob investigação e boa parte já foi confirmada como dengue. No entanto, ainda não foram classificados na base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), que é a fonte primária para a atualização do painel do Ministério da Saúde.
“O número de óbitos hoje já ultrapassa qualquer estimativa que nós fizemos no ano passado. Se levarmos em consideração os que foram classificados mas não foram alterados na base, esse número é muito maior do que o registrado”, afirma o epidemiologista Wanderson Oliveira, que foi servidor do Ministério da Saúde entre 2001 e 2020.
Além disso, algumas regiões foram atingidas por sorotipos de dengue diferentes de períodos anteriores, o que pode elevar o número de casos graves.
“A doença possui quatro sorotipos. Quando um indivíduo é infectado por um deles adquire imunidade contra aquele vírus, mas ainda fica suscetível aos demais”, explica Oliveira.
Claudio Maierovitch, pesquisador da Fiocruz e da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva), avalia que muitas mortes poderiam ser evitadas, mas o país esbarra em dois obstáculos.
O primeiro está relacionado à falta de profissionais capacitados para reconhecer rapidamente a gravidade da doença e encaminhar os pacientes para o tratamento adequado. O segundo diz respeito à sobrecarga e ineficiência do serviço público de saúde, que ocasiona uma fila grande de espera de pacientes.
“O trabalho de prevenção da doença, reforço e capacitação das equipes de saúde demorou para ser iniciado, e isso não aconteceu com uma intensidade desejável”, diz Maierovitch.
Como a dengue é uma doença sazonal e depende de questões climáticas, a estimativa é que a curva de incidência diminua nos próximos meses com a frente fria que chega ao Sudeste e Centro-Oeste.
“Confiar somente no clima não é suficiente. As ações precisam ser contínuas, sistemáticas e realizadas como políticas de estado. Até agora, houve uma inércia dos gestores do SUS nas esferas federal, estadual e municipal. É preciso recursos, investimentos e estabelecimento de prioridades”, afirmou Oliveira.
A curto prazo, uma estratégia pode ser reforçar os laboratórios de diagnóstico, o atendimento especializado e os leitos, além de investir em medicamentos, vacinas e comunicação. Oliveira, ainda, faz críticas ao governo por estar desatualizado nas campanhas em redes sociais e sugere campanhas publicitárias mais eficazes.
“Também é necessário investir em clínicas de atendimento para crianças com deficiência e fisioterapia para os afetados pela chikungunya, além de aumentar o número de agentes de combate”, diz o médico.