A bancada feminina do Senado calibrou a posição crítica conjunta sobre o PL Antiaborto por Estupro diante do apoio da senadora Damares Alves (Republicanos-DF), ex-ministra da Mulher do governo Bolsonaro (PL), à discussão aberta pela Câmara dos Deputados.
Boa parte das senadoras defendia que a bancada divulgasse uma nota dura contra o projeto de lei do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ). Para garantir que o posicionamento fosse unânime, porém, foi preciso baixar o tom.
A manifestação deve ser divulgada nesta sexta-feira (21).
O assunto foi discutido ao longo da semana e na reunião da bancada, na última quarta-feira (19). Damares e outras senadoras aliadas a Bolsonaro, como a ex-ministra Tereza Cristina (PP-MS) e Rosana Martinelli (PL-MT), não participaram.
Parte das senadoras argumentou que a bancada não precisava mais se posicionar sobre o tema, diante do recuo da Câmara dos Deputados. Prevaleceu, no entanto, a avaliação de que a apresentação do projeto de lei era grave o bastante e digna de repúdio.
A maioria da bancada também ficou indignada com a audiência promovida pelo senador Eduardo Girão (Novo-CE) —especialmente com a encenação da contadora de histórias Nyedja Gennari do que seria um feto gritando durante o procedimento de assistolia fetal.
Uma delas disse à reportagem que, ainda que o projeto seja arquivado pela Câmara, é preciso expor e registrar a “audácia” de Girão e dos deputados federais que queriam proibir meninas e mulheres estupradas de abortar.
Segundo a parlamentar, a bancada vai construir a nota “possível”, diante das divergências entre as senadoras. Em linhas gerais, o texto deve afirmar que, apesar de pensarem de forma diferente umas das outras, as parlamentares entendem que o tema deve ser amplamente discutido pelo Congresso.
A bancada deve afirmar que é a favor da vida, mas celebrar a decisão da Câmara dos Deputados de desacelerar a tramitação do projeto de lei, além de dizer que há consenso de que a matéria não pode ser debatida de forma açodada.
Na terça (18), a líder do grupo, Leila Barros (PDT-DF), e as vice-líderes, Teresa Leitão (PT-PE) e Soraya Thronicke (Podemos-MS), fizeram duras críticas ao projeto e cobraram uma reação do presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Thronicke afirmou que o Senado não poderia aceitar o teatro promovido por Girão na segunda. Ela desafiou a atriz que imitou um feto a dramatizar também uma mulher sendo estuprada e anunciou que a bancada definiria uma posição conjunta.
Após a manifestação das senadoras, Pacheco aumentou o tom contra o projeto Antiaborto por Estupro, chamando de “irracionalidade” e “inovação infeliz” a comparação entre aborto e o crime de homicídio.
“Quero dizer do meu compromisso, como presidente, inclusive de defender aquilo que a bancada feminina decidir. Justamente porque um tema desse não pode passar desapercebido e não pode passar à margem do que é o entendimento das mulheres senadoras”, disse o presidente.
Leila, Soraya, Teresa Leitão, Zenaide Maia (PSD-RN), Janaína Farias (PT-CE), Ivete da Silveira (MDB-SC) e Jussara Lima (PSD-PI) sentaram juntas para ouvir a fala de Pacheco. Damares se aproximou do grupo e também acompanhou, de pé. Girão estava ao lado do presidente.
Segundo relatos, Pacheco ficou irritado ao assistir pela TV o debate organizado por Girão no plenário da Casa. O senador mineiro ficou especialmente contrariado com a dramatização e a falta de especialistas críticos ao projeto de lei da Câmara.
Damares chegou a presidir a sessão por alguns minutos. Apenas ela e o líder da oposição, Marcos Rogério (PL-RO), discursaram, além de Girão. O senador Jorge Seif (PL-SC) acompanhou o debate pessoalmente, mas não se pronunciou.
Durante a audiência, a ex-ministra disse que o CFM (Conselho Federal de Medicina) estava pensando nas mulheres quando apresentou a resolução que impedia a realização do procedimento de assistolia fetal a partir de 22 semanas de gestação em caso de estupro.
A senadora afirmou que tinha dúvidas sobre o texto do PL e se o momento tinha sido “oportuno”. Declarou, no entanto, que o projeto era uma reação do Congresso à decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes que suspendeu a resolução.
“Será que não era para a gente estar discutindo lá no âmbito do Judiciário, ajudando o Conselho Federal de Medicina a enfrentar este debate lá no STF? Mas os parlamentares, lá na outra Casa, entenderam que se precisava do projeto”, disse.
“E o projeto já prestou um serviço: ele descortinou que não tem romantismo atrás do aborto. Não existe este romantismo de que se fala, que é o direito da mulher. Ele descortinou uma verdade.”
À frente do Ministério da Mulher, Damares foi parceira do relator da resolução do CFM, Raphael Câmara —secretário de atenção primária à saúde no governo Bolsonaro.
Em 2022, Câmara foi responsável pela cartilha do Ministério da Saúde que contrariava o Código Penal ao dizer que não existe aborto legal no país. Após a repercussão negativa, o ministério refez o guia, mas manteve informações distorcidas.
Em 2020, como mostrou a Folha, Damares agiu nos bastidores para tentar impedir que uma menina do Espírito Santo de 10 anos vítima de estupro fosse submetida ao procedimento.
Durante o governo Bolsonaro, Câmara e Damares também defenderam a abstinência sexual como política contra a gravidez na adolescência. Uma campanha lançada pela pasta da Mulher pedia que os jovens buscassem reflexão —sem citar preservativos e outros métodos de prevenção.
Segundo a Constituição, não existe restrição para a idade gestacional do feto no momento do aborto. Mas o PL Antiaborto por Estupro, que tramita em urgência na Câmara, propõe a criminalização do procedimento após a 22ª semana de gestação para vítimas de estupro.
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