A Pernambucanas, rede centenária da família Lundgren, está encerrando suas operações na categoria de celulares e smartphones, um dos segmentos em que a varejista de moda, cama, mesa e banho buscou diversificar suas receitas, apurou o NeoFeed.
“A competição com o mercado cinza inviabilizou o negócio de celulares na Pernambucanas”, afirma um executivo de um grande fabricante do setor ao NeoFeed, em uma referência ao mercado de produtos que entram ilegalmente no Brasil, nesse caso, smartphones e celulares.
Procurada pelo NeoFeed, a rede Pernambucanas confirmou em nota enviada por meio de sua assessoria de imprensa a “saída gradual” da companhia da categoria de telefonia celular do seu portfólio de produtos.
“Esse movimento faz parte de uma estratégia contínua e ampla de negócios, que visa a eficiência e investimentos em produtos de maior margem e retorno para a companhia”, afirmou a empresa, no posicionamento.
A Pernambucanas informou ainda que esse movimento resultou no fechamento de algumas unidades e na “adequação do seu quadro de colaboradores”. E acrescentou que está tratando do tema “com todo o cuidado e respeito”, oferecendo “todo apoio aos funcionários”.
O NeoFeed apurou que a medida vai abranger cerca de 400 quiosques ou espaços dedicados à categoria nos pontos de venda da varejista. Atualmente, a rede tem mais de 500 lojas com seu portfólio tradicional distribuídas em 340 cidades do País.
“Com o custo de operação, esse modelo de lojas físicas para celulares está condenado”, diz um analista de mercado. “Em boa parte das vezes, o consumidor visita esses quiosques para conhecer o produto, mas na hora de comprar, recorre ao online, onde o aparelho é mais barato.”
É nessa migração dos consumidores para as lojas virtuais, impulsionada pela pandemia e pela busca por preços mais baratos, que se estabelece a conexão com o mercado cinza, apontado como o “grande vilão” para a saída da Pernambucanas da categoria. E, consequentemente, com os players chineses.
Dados de um estudo encomendado pela Associação Brasileira da Indústria Elétrica (Abinee) à consultoria americana IDC mostram que a fatia dos celulares com origem no mercado cinza vendidos no Brasil saltou de 10%, em 2022, para 25% no último trimestre de 2023, totalizando 6,2 milhões de unidades.
Em outro indicador que coloca os canais digitais nessa conta, a Abinee estima que 90% dos smartphones contrabandeados atualmente no Brasil – majoritariamente via Paraguai – sejam vendidos em marketplaces, com preços 38% abaixo dos valores praticados no mercado oficial.
“Muitos consumidores também compram esses produtos via WhatsApp, Telegram e outras plataformas online”, afirma uma fonte do mercado de eletroeletrônicos. “E boa parte dessas importações ilegais envolve aparelhos das marcas chinesas Xiaomi, a principal delas, e realme.”
Procurada pelo NeoFeed por meio de sua assessoria de imprensa, a Xiaomi não se manifestou até a publicação desta reportagem. A realme não encontrou um porta-voz disponível para comentar o tema.
Outros números da IDC trazem mais elementos críticos para essa equação. Segundo a consultoria, o mercado brasileiro de celulares registrou um total de vendas de 39,7 milhões de unidades em 2023. O volume representou um recuo anual de 6,6% e a quarta queda consecutiva da categoria no País.
Para um analista do mercado de celulares, além do peso do online e, principalmente, do mercado cinza, um agravante adicional nesse cenário é o fato de que muitos fabricantes têm investido na venda direta em canais digitais dos seus aparelhos. E, muitas vezes, com preço mais acessíveis.
“Curiosamente, a Pernambucanas já teve um certo destaque na venda de celulares”, afirma essa fonte. “Mas, agora, com todas essas questões, a decisão mais coerente é focar no seu negócio principal, cujos produtos têm valores nominais menores, mas margens muito mais atrativas.”
No caso da Pernambucanas, a saída da categoria acontece após uma troca recente no comando da operação. Em outubro de 2023, a rede anunciou Marcelo Labuto como seu novo CEO, em substituição a Sérgio Borriello, que ocupou o posto durante sete anos.
Com passagens como presidente de empresas como o Banco do Brasil e a BB Seguridade, Labuto assumiu tendo como uma de suas prioridades expandir a operação da Pefisa, braço de produtos e serviços financeiros da Pernambucanas.
A empresa encerrou o ano passado com uma receita consolidada de R$ 5,1 bilhões, contra R$ 4,7 bilhões em 2022. No período, a varejista reportou um prejuízo líquido de R$ 274,5 milhões, contra um lucro líquido de R$ 140,3 milhões no exercício anterior.
No balanço, na linha de outros créditos, a rede registrou um total de R$ 93,9 milhões a receber de serviços prestados “por venda de produtos de telecomunicações”, o que inclui plano controle, recarga de celular e outras ofertas. Em 2022, esse valor foi de R$ 95,8 milhões.
Marketplaces sob os holofotes
A Pernambucanas não é a única varejista de moda que enveredou pela categoria de celulares em busca de diversificar suas receitas, e que, agora, está encolhendo essa oferta diante do acirramento da competição nesse espaço.
CEO da C&A, Paulo Correa ressaltou em entrevista concedida no início de junho deste ano ao programa Números Falam, do NeoFeed, que a rede fechou 128 quiosques que vendiam, essencialmente, celulares e smartphones no primeiro trimestre de 2024.
“A ideia é garantir uma rentabilidade maior para o negócio. E a de eletrônico é menor, com um nível alto de competição. Temos olhado, loja por loja, a dinâmica dessa categoria”, afirmou o executivo na oportunidade.
Quando o tema em discussão se concentra, porém, especificamente no mercado cinza, os possíveis impactos começam a extrapolar para a fronteira dos marketplaces, a partir de uma movimentação recente da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).
Na semana passada, a agência publicou um despacho no Diário Oficial da União com uma série de medidas para coibir a oferta de celulares não homologados nas grandes plataformas de comércio eletrônico.
Entre outras sanções, a Anatel ameaçou punir os marketplaces que não adotarem medidas para coibirem essas práticas com multas que vão de R$ 200 mil a R$ 6 milhões, além da retirada dos seus respectivos sites do ar, caso essas situações não sejam regularizadas.
Com um prazo de 15 dias após a sua publicação para a regularização dessas ofertas nas plataformas, o despacho foi acompanhado de uma relação em que as varejistas Amazon e Mercado Livre foram classificadas, inicialmente, como “não conformes” em sua atuação na categoria.
Segundo a agência, 51,52% dos aparelhos vendidos pela Amazon se enquadram nessa situação. Enquanto no caso do Mercado Livre, esse índice foi de 42,86%. Americanas e Casas Bahia foram classificadas como “parcialmente conforme”.
Procurado, o Mercado Livre não se manifestou até o fechamento dessa reportagem. Já a Amazon ressaltou em nota que atua com os “mais elevados padrões de qualidade a fim de atender aos seus clientes e à legislação aplicável”, coopera com as autoridades locais e responde rapidamente às agências reguladoras, o que não foi “diferente com a Anatel”.
Ao destacar que manteve diversas interações com a agência, a empresa disse que implantou, desde 31 de outubro de 2023, a obrigatoriedade do preenchimento de número de homologação da Anatel por todos os sellers do seu marketplace, e a remoção dos aparelhos sem o código em questão.
Entre outras medidas, a Amazon também disse realizar varreduras frequentes em seu catálogo, seguidas pela notificação de sellers e eventual suspensão de suas lojas. Além de treinar parceiros e fornecedores sobre os requisitos para a listagem de produtos.
Diante dessas medidas, a empresa ressaltou ainda que recebeu com surpresa a medida cautelar da Anatel. E acrescentou que o combate aos produtos irregulares depende da cooperação do próprio Poder Público, a começar pela “disponibilização de uma base de dados de produtos certificados que seja completa e que permita o aprimoramento dos processos de verificação da conformidade das ofertas”.