O anúncio do fechamento do TelessaúdeRS, ligado à UFRGS (Universidade do Rio Grande do Sul), no próxima sexta (30), tem provocado comoção e protestos de médicos da APS (Atenção Primária à Saúde) de todo o país.
Após 11 de anos funcionamento e com alto índice de resolutividade, o serviço não será mais financiado pelo Ministério da Saúde, segundo os coordenadores. Há um abaixo-assinado online pedindo a manutenção do telessaúde, além de nota de sociedades médicas.
Em mensagem de despedida divulgada nas redes sociais, o serviço diz que o canal 0800 do TelessaúdeRS atendeu mais de 450 mil pessoas no SUS, com diagnósticos e tratamentos.
Por meio das consultorias, mais de 26 mil profissionais de saúde de 2.850 municípios do país receberam suporte clínico especializado baseado em evidências científicas.
O serviço funciona assim: após se cadastrar na plataforma do programa, o médico da atenção primária pode ligar gratuitamente ou mandar mensagem online para uma central onde há uma equipe de especialistas de várias áreas de plantão para atendê-lo.
Uma dúvida comum, por exemplo, é sobre o tratamento do diabético que precisa de insulina. Médicos da atenção primária costumam não se sentir seguros na prescrição da droga e encaminham o paciente a um endocrinologista. Conseguir uma vaga, porém, pode levar meses.
Pelo telessaúde, ele fala com o especialista, que, após analisar o histórico do doente, o orienta sobre remédios e cuidados com o paciente.
Essas dúvidas se transformaram em mais de 300 publicações acessíveis a profissionais de todo o país. O material, disponível no site, teve mais de 2,5 milhões de acessos nos últimos 12 meses.
Em nota, a SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade) e a regional gaúcha manifestaram “profunda preocupação” e disseram que o desinvestimento no TelessaúdeRS pelo governo federal é um retrocesso no fortalecimento da APS, pilar essencial para a equidade e universalidade do SUS.
Segundo as entidades, desde sua criação, em 2007, o serviço tem desempenhado um papel crucial no apoio a médicos e profissionais de saúde em todo o país, especialmente em áreas remotas, onde o acesso a especialistas é limitado.
“A iniciativa, pioneira no uso de tecnologias de informação e comunicação para o fortalecimento da APS, tem contribuído significativamente para a melhoria da qualidade do atendimento e para a formação contínua dos profissionais da saúde”, diz a nota.
Para a SBMFC, por meio de consultorias semanais, os profissionais da APS ampliaram sua capacidade de resposta e aumentaram sua resolutividade, evitando encaminhamentos desnecessários a especialistas. De acordo com dados do serviço, a quatro ligações, três encaminhamento são evitados.
“Isso se traduz em um uso mais racional dos recursos do SUS e na promoção de uma atenção mais centrada no paciente. O término do financiamento federal ameaça desmantelar anos de progresso e inovação, encerrando uma oferta importantíssima para profissionais da APS brasileira.”
De acordo com as entidades, o serviço também desempenha um papel importante na capacitação e atualização de médicos de família e comunidade, promovendo práticas baseadas em evidências. “A continuidade desse serviço é fundamental para garantir que a população brasileira, principalmente comunidades mais vulneráveis, continue a ter acesso a um cuidado de saúde de qualidade.”
A página do TelessaúdeRS no Instagram somava na manhã nesta terça (27) quase 1.500 mensagens de profissionais de saúde de todo o país apoiando o serviço e protestando contra a decisão do Ministério da Saúde.
“É uma perda sem tamanho para a APS [atenção primária à saúde]. Tanto para os profissionais de saúde quanto para a população assistida”, disse o médico Ricardo Sandrino, de São Paulo.
“É lamentável. Como médica atuando na APS e como especialista auxiliando quem está na ponta, vi o Telessaúde chegar em cantos mais remotos do país, locais em que só se chega após sete horas de viagem de barco. Quem perde, no fim das contas, é o paciente”, relatou a dermatologista Rafaela Melo, de Bento Gonçalves (RS).
“Que absurdo! Esperávamos que com o governo atual houvesse de fato um fortalecimento das boas práticas na atenção primária. O telessaúde é fundamental não só para RS, mas para o Brasil inteiro. É uma iniciativa que deveria ser replicada e não cortada”, disse a médica Danuta Duarte, de Palmas (TO).
Em entrevista à Folha, o médico Roberto Umpierre, coordenador-geral do TelessaúdeRS, disse que o contrato era com a Saps (Secretaria de Atenção Primária), do Ministério. Mais recentemente, o serviço passaria a responder à Seidigi (Secretaria de Informação e Saúde Digital), sob gestão de Ana Estela Haddad.
“Tivemos a sinalização [da Seidigi] de que o contrato seria renovado. Mandamos a proposta em junho e, no início de julho, veio a resposta de que não havia recursos”, diz o médico.
A proposta de trabalho de 36 meses previa 8.000 consultorias mensais, totalizando 288 mil, a um custo unitário de R$ 187, 38, e um custo mensal de R$ 1,499 milhão. Com isso, a previsão era de que 200 mil pacientes deixariam de ser encaminhados para a atenção secundária e terciária_porque teriam seus problemas resolvidos na atenção primária.
Segundo Umpierre, a partir da próxima semana, permanecerá apenas o convênio que o serviço tem com o governo estadual do Rio de Grande do Sul, que inclui telediagnósticos, consulta remota de oftalmologia e regulação de fila de espera do Estado.
Procurado, o Ministério da Saúde informou que o Termo de Execução Descentralizada (TED) relacionado ao serviço de 0800 realizado pela UFRGS está vigente. Diz que em julho deste ano foi firmado aditivo para continuidade das atividades até 9 de janeiro de 2025, com previsão de execução de R$ 4,19 milhões.
“Paralelamente, foram realizadas conversas para que o projeto possa integrar a estratégia de telessaúde do Ministério da Saúde, com adaptação do seu funcionamento a política nacional do SUS Digital”, disse.
O Ministério da Saúde afirma que mantém aberto o diálogo com a UFRGS e, até o momento, não foi informado oficialmente da descontinuidade do trabalho.
A Folha obteve um ofício datado do último dia 30 de julho em que o coordenador do Telessaúde, Roberto Umpierre, informa ao Ministério da Saúde que o serviço seria descontinuado em 30 de agosto.
À Folha, Umpierre afirmou que em dezembro do ano passado foi acordado com o ministério um aditamento do contrato por quatro meses, que valeria entre janeiro a 9 de maio deste ano.
“Só que o dinheiro que era para ter chegado em janeiro, só chegou em maio. Nesse período, fomos utilizando recursos da nossa fundação de apoio. Fomos cumprindo a meta ‘a descoberto’.”
Segundo ele, em maio, quando a verba chegou, foi repassado à fundação o valor que ela havia emprestado. “A gente encolheu a equipe e conseguiu ter dinheiro até agora, agosto. Eu vou conseguir pagar em 5 de setembro o salário de agosto. Das pessoas que estavam vinculadas ao projeto, uma parte foi demitida e a outra foi incorporada ao convênio com o estado.”