Curados e embutidos industrializados? Esqueça. O Brasil “descobre” a charcutaria artesanal

Curados e embutidos industrializados? Esqueça. O Brasil


Os preceitos básicos da charcutaria são antiquíssimos. A prática de salgar, defumar e curar as carnes, de modo a preservá-las por mais tempo, começou a ganhar popularidade na Europa do início do século 15, quando os grandes navegadores se lançaram ao mar , em longas expedições, à procura de novos mundos. O tempo passou, os sistemas de refrigeração foram inventados e, mesmo assim, os presuntos, linguiças, salsichas, copas e salames, entre outros, nunca saíram do cardápio.

Em países como França, Espanha e Itália, a charcutaria é tida por muitos como uma arte, a ser transmitida de geração em geração. No Brasil, nunca houve essa tradição e sempre prevaleceram os produtos industrializados… até pouco tempo atrás.

Os últimos anos têm sido de redenção para os curados e embutidos nacionais. Artesanal, com carnes de primeira linha, a alta charcutaria brasileira conquista os paladares mais exigentes, abrindo uma nova (e promissora) frente de negócios. Lojas especializadas proliferam nos grandes centros e um número cada vez maior de supermercados e restaurantes oferece as iguarias.

Sócio da Gran Nero, Diego Carrilho é um exemplo do movimento de ascensão da charcutaria nacional. Fundada há três anos, a empresa produz cerca de 6 mil quilos de charcutaria por mês, incluindo presuntos com diferentes tempos de maturação, além de outras “preciosidades”.

E ele já fornece para redes como Pão de Açúcar e St. Marché e restaurantes estrelados, como a Carlos Pizza, considerada uma das melhores pizzarias de São Paulo, e o Sky, do Hotel Unique, comandado pelo ousado chef francês Emmanuel Bassoleil, também na capital paulista.

As carnes suínas utilizadas pela Gran Nero são provenientes de uma mistura de raças, como a britânica Large White, a dinamarquesa Landrace e a paranaense Moura, além de porcos como o Duroc, de origem americana, cuja carne, entremeada com gordura, é extremamente suculenta.

Um dos sucesso da Gran Nero é o presunto cru. E não por acaso. Como conta ao NeoFeed, Diego começou a trabalhar com jamón importado em 2007, quando trabalhava em um grande frigorífico. Durante um intercâmbio na Espanha em 2014, aprendeu a arte de produzir e cortar jamón.

Há de se ter paciência. O processo de elaboração é muito demorado. Os pernis são empilhados manualmente e cada camada é coberta de sal, formando uma espécie de “lasanha”. Depois de 15 dias, tempo médio para o tempero para penetrar na carne por osmose, as peças são lavadas e depois secas.

Na fase de maturação, a cada mês, elas são mudadas de sala, que simulam as estações do ano. Cinco meses depois, os pernis vão para a sala de secagem e permanecem ali até que amadureçam.

Antes da distribuição, um especialista analisa tudo seguindo o mesmo processo dos italianos e espanhóis: as peças são furadas em pontos específicos, para teste de aroma e textura. Os presuntos crus da Gran Nero maturados por 12 meses custam R$ 22, em cartelas de 80 gramas, e os maturados por 36 meses, vendidos apenas em peça, saem por R$ 350, também o quilo.

Carrilho não teme a concorrência com os presuntos crus importados, mais celebrados do mundo. “Assim como não faz sentido comparar o Pata Negra [espanhol] ao Prosciutto di Parma [italiano], o nosso presunto tem um sabor único, com características próprias, o que nos garante um diferencial competitivo”, afirma.

Porcos criados livres e bem alimentados

Para a produção da alta charcutaria, a seleção da raça do porco é essencial. “Durante muitos anos, um dos problemas que impedia o avanço da prática gastronômica no país era a falta de bons produtores”, explica ao NeoFeed, Edson Navarro, fundador da Curato Charcutaria, uma das primeiras escolas da técnica no Brasil, com cerca de 2 mil alunos formados.

“Hoje, já contamos com raças específicas, como o Duroc, o Mouro e o Preto da Canastra, de Minas Gerais, utilizado na produção do presunto cru”, complementa.

Navarro começou a se interessar pelo ofício ainda na infância, observando seu bisavô fabricar linguiças de maneira artesanal. Mais tarde, aperfeiçoou seus conhecimentos na salumeria que os primos têm na Itália. Hoje, além de ensinar e prestar consultorias, ele produz artesanalmente cerca de 300 quilos mensais de variados produtos de charcutaria. Entre seus clientes está o Piselli, famoso pela gastronomia italiana.

Um de seus maiores orgulhos foi ter preparado a salsicha de Lyon para o prato Saucisson Brioche, elaborado pelo chef Laurent Suaudeau em homenagem ao centenário da Maison Bocuse, do lendário chef francês Paul Bocuse.

A raça do suíno importa e muito, mas não só isso. O modo como os animais são criados também conta. Por isso, o chef Jefferson Rueda decidiu também criar porcos. Nos dois sítios, no interior paulista, os bichos vivem soltos e são alimentados com cenoura, beterraba, batata-doce, soro de leite e cevada.

A produção abastece o açougue Porco Real, de sua propriedade, e restaurante A Casa do Porco, considerado um dos melhores do mundo, do qual ele é sócio com Janaína Torres, eleita a melhor chef mulher do mundo pelo World’s 50 Best.

A chef Anna Paula Barret, sócia de A Casa das Meninas, inova com a fishcutaria, a charcutaria de peixes e frutos do mar. (Foto: Divulgação/A Casa das Meninas)

Carlos Renato Silva, da Vea’s Charcutaria, usa carne de avestruz e javali em alguns de seus produtos (Foto: Divulgação/Vea’s). “Não faço nada clássico. Meu diferencial está na mistura das especiarias”, conta ao NeoFeed, sem, no entanto, revelar seus segredos. Ele produz mensalmente cerca de 300 quilos de charcutaria

Na Gran Nero, o presunto cru pode demorar até três anos para ficar pronto. Só é vendida a peça inteira a R$ 350, o quilo (Foto: Divulgação/Gran Nero)

Embora muitos produtores artesanais sigam os métodos tradicionais há quem aposte em inovação. Surgida em 2019, cresce a fishcutaria, a charcutaria de peixes e frutos do mar. Uma das pioneiras é A Casa das Meninas Terra & Mar, em Paraty, no litoral fluminense.

As sócias Maria Claudia Franca e Anna Paula Barret, ex-aluna de Alain Ducasse, começaram produzindo salames, linguiças, copas e guanciale (tipo de bacon não defumado, originário da Itália). Agora, oferecem polvo defumado, linguiça de arraia defumada no vermute, mariscos defumados, jamón de atum, salame de peixe branco e peixes curados, entre outros.

E ainda uns mixes de terra e mar, como o salame de atum com guanciale. Anna começou a testar a versão mar da charcutaria durante uma estada no laboratório do Projeto A.Mar, dedicado valorização da pesca artesanal e ao ensino de técnicas tradicionais de conservação para a comunidades caiçaras do litoral paulista.

“Nossa produção é bem autoral e, por isso, me encantei com as possibilidades de sabores de produtos feitos com frutos do mar e peixes, lembra Anna, ao NeoFeed.

Ela aproveita os insumos da horta de casa para criar temperos que dão um sabor único às iguarias da marca. O jámon de atum custa R$ 340, o quilo, e o salame de atum com guanciale sai por R$ 320, o quilo

Quem tem trilhado também um caminho fora do tradicional é Carlos Renato Silva, mais conhecido como Renato Vea, da Vea’s Charcutaria. “Não faço nada clássico. Meu diferencial está na mistura das especiarias”, conta ao NeoFeed, sem, no entanto, revelar seus segredos. Ele produz mensalmente cerca de 300 quilos de charcutaria.

Sua linha inclui filé mignon suíno Black Rub, que é curado e defumado com um mix de especiarias e envolto em uma capa de carvão ativado, presunto cozido, pastrame de avestruz, pepperoni e salame de javali, entre outros. Tudo é feito em sua cozinha industrial, no centro da capital paulista.

“Quando estou trabalhando, sinto uma sensação de plenitude. Coloco AC/DC, Sepultura, ou outro rock e mando bala”, diz. E ele todos os charcuteiros artesanais espalhados pelo Brasil afora.





Fonte: NeoFeed

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