A decisão do governo federal de emitir um decreto com novas diretrizes para renovar os contratos das distribuidoras de energia elétrica deve melhorar a qualidade e dar mais transparência à prestação de serviço, mas um efeito é esperado por especialistas do setor ouvidos pelo NeoFeed: o aumento da conta de luz para o consumidor.
Essa possibilidade é atribuída ao modelo de distribuição de energia, cuja tarifa é 100% regulada. “Toda vez que a autoridade reguladora faz exigência maior de cobertura ou de um grau de qualidade que implique investimentos, o aumento dos custos operacionais das distribuidoras é coberto pela tarifa, ou seja, a conta vai para o consumidor”, afirma Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, centro de estudos do sistema elétrico brasileiro.
As 17 diretrizes previstas no novo decreto, publicado no fim da semana passada, ainda deverão ser analisadas pela Aneel, a agência reguladora do setor, no prazo máximo de seis meses.
Na prática, o governo aliou uma necessidade – pois entre 2025 e 2031 vão vencer dois terços dos contratos de concessão das distribuidoras de energia – com a oportunidade de impor mais controle sobre a prestação de serviço das concessionárias, alvo de reclamações dos consumidores.
“Ficou claro que o governo aproveitou para “apertar” o grau de exigências impostas ao concessionário, no sentido de melhorar a qualidade do atendimento”, diz Sales, para quem as medidas chegaram com atraso, pois as distribuidoras precisam planejar investimentos visando a renovação das concessões.
Entre as novidades mais polêmicas anunciadas estão a obrigatoriedade de metas para a recomposição do serviço após ocorrência de situações climáticas extremas e a inclusão de pesquisas de satisfação nos indicadores regulatórios de cumprimento das obrigações contratuais das empresas.
Os atuais contratos permitem uma suspensão temporária da qualidade do serviço em situações climáticas extremas (situação conhecida como “expurgo” pelo setor), o que aconteceu especificamente com a Enel São Paulo durante período de chuvas no início do ano e, mais recentemente, no Rio Grande Sul, durante as cheias.
“Com o decreto, as empresas terão de se preparar para enfrentar eventos climáticos, aumentando o investimento em resiliência das redes”, afirma Luiz Barata, presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia – coalizão formada por 16 entidades que representa todas as classes de consumidores.
Segundo ele, as distribuidoras não são as únicas culpadas pela queda de energia associada a eventos climáticos extremos, como chuvas fortes e inundações. “As prefeituras não colaboram com a poda de árvores”, diz.
Barata observa que a alternativa para não impactar na tarifa de luz seria reduzindo o custo maior das distribuidoras sob as novas exigências em outros itens que compõem a conta do consumidor – como a farta lista de subsídios existentes: “Mas reduzir ou acabar com os subsídios seria pouco provável de ocorrer.”
Dividendos em risco
Outras medidas previstas pelo decreto vão exigir maior atenção das concessionárias. Uma delas, por exemplo, veta o pagamento de dividendos aos acionistas das distribuidoras, além dos limites legais, que não demonstrarem equilíbrio econômico-financeiro.
Na prática, o novo modelo prevê de forma mais objetiva a possibilidade de caducidade ou intervenção no caso de as distribuidoras não atenderem aos serviços de forma satisfatória.
Em nota, a Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee) afirma que as diretrizes criam “estabilidade regulatória e segurança jurídica” para o segmento. Mas, aponta as preocupações trazidas pelos “critérios desafiadores” de decreto, que demandarão mais investimentos e custos adicionais.
A Abradee adverte que o regramento sobre a limitação de distribuição de dividendos aos acionistas, por exemplo, pode afrontar as bases legais que sustentam o fluxo de investimentos na economia e afastar investimentos. Já os eventos climáticos extremos interferem diretamente na operação de distribuição de energia, “e seus efeitos, muitas vezes, são imprevisíveis e estão fora do controle das distribuidoras”.
As distribuidoras também demonstraram contrariedade com a criação da figura do “posteiro”, destinado à gestão de postes e fios. Trata-se de uma determinação para que as distribuidoras (que hoje cuidam do uso combinado dos postes carregados com fio elétricos e de empresas telecom) contratem uma empresa terceira para gerenciar os postes.
Para a Abradee, a cessão dessa infraestrutura não deveria ter um caráter compulsório.
Sales, do Instituto Acende Brasil, observa que a introdução de um terceiro elo nessa cadeia de serviço deve gerar custo e risco adicional para as distribuidoras. “O terceirizado pode não fazer um bom serviço na parte elétrica e o ativo continua sendo da distribuidora”, diz.
Um especialista do setor elétrico que não quis se identificar diz que o principal efeito das decreto foi ampliar o controle do governo federal sobre as distribuidoras: “O decreto não pegou as distribuidoras de surpresa, mas veio mais rígido do que elas esperavam.”
A fonte observa que, indiretamente, as novas medidas demonstraram a intenção do governo de começar a preparar a ampliação do mercado livre de energia para o público consumidor que hoje está no mercado regulado, sob jurisdição das distribuidoras.
Ele cita a previsão para que as distribuidoras digitalizem os equipamentos de rede e a obrigatoriedade de garantir a proteção dos dados dos consumidores, com sua utilização com prévio consentimento e com foco exclusivo em benefício da concorrência.
Outra determinação neste sentido que chamou a atenção foi a separação da atividade fio (ligado aos serviços das distribuidoras) ao da atividade energia.
Essa reclamação era feita pelos setores de comercialização de energia, que acusam as distribuidoras de oferecer aos clientes do mercado regulado sob sua jurisdição acesso à Geração Distribuída (serviço alternativo de energia elétrica, por meio de energia solar) usando sua base de dados.
O decreto exige “separação tarifária e contábil das atividades de comercialização regulada de energia e de prestação do serviço público de distribuição de energia elétrica”. De acordo com o especialista, outro segmentos do setor acusam as distribuidoras de repassar dados pessoais de seus clientes para sua empresa comercializadora, que tem CNPJ diferente, oferecer serviço de GD.
“Já existe um projeto de lei em tramitação no Congresso que impede uma concessionária de oferecer serviço de GD compartilhada, mesmo com outro CNPJ, em sua área de concessão, o decreto apenas antecipa essa restrição e protege os dados do cliente, de acordo com LGPD”, diz a fonte.