A arrecadação total das receitas federais por parte do governo atingiu, em março, o melhor desempenho desde 2000 – tanto para o mês de março quanto para o trimestre. Os R$ 190,6 bilhões arrecadados no mês passado representam um acréscimo real, descontada a inflação, de 7,22% em relação a março de 2023.
O acréscimo observado no período pode ser explicado pelo retorno da tributação do PIS/Cofins sobre combustíveis e pela tributação dos fundos exclusivos (que rendeu R$ 3,38 bilhões aos cofres públicos). No acumulado do ano, a Receita Federal arrecadou R$ 657,7 bilhões, alta real de 8,36%.
O governo, porém, não teve tempo de comemorar as boas notícias embutidas no anúncio, nesta terça-feira, 23 de abril, feito pela Receita Federal. A equipe econômica, liderada pelo ministro Fernando Haddad, e os articuladores políticos do Planalto estavam mais preocupados em buscar novas fontes de receitas e evitar, no Congresso Nacional, a aprovação de novas despesas que aumentariam ainda mais o déficit fiscal.
O cenário do dia reflete com precisão a contradição que marca a política econômica do atual governo. Por um lado, uma sucessão de boas notícias – inflação e desemprego em queda, economia crescendo acima das expectativas, juros caindo e, agora, arrecadação batendo recorde.
Os ganhos, porém, são neutralizados pela incapacidade do governo federal de controlar os gastos e de aumentar as receitas. O resultado disso é o desequilíbrio fiscal, o que levou a equipe econômica a decidir, na semana passada, a abandonar uma das regras de ouro do arcabouço fiscal, empurrando para 2025 a meta de zerar o déficit primário prevista para dezembro.
Economistas ouvidos pelo NeoFeed advertem que essa contradição entre ganhos macroeconômicos e déficit fiscal vem ocorrendo desde o ano passado. A diferença é que o período de boa vontade que marca todo início do governo se esgotou na virada do ano. Para completar, como 2024 é ano eleitoral, os choques entre Executivo e o Legislativo tendem a tornar ainda mais difícil o governo obter equilíbrio fiscal.
“Claro que no primeiro trimestre parte desta recuperação ocorreu pelos impostos “não recorrentes”, pelas medidas do governo, mas não há dúvida que a maior oferta de crédito, o mercado de trabalho aquecido e o juro em queda vêm dando sua contribuição”, diz Julio Hegedus Netto, economista-chefe da corretora Mirae Asset.
Ele tem dúvidas, no entanto, se estes ganhos são suficientes para assegurar as metas fiscais do governo para o ano. “O governo obteve resultados importantes, mas é preciso considerar que as despesas vêm crescendo em ritmo forte, acima de 10%.”
Arrecadação limitada
A maior dificuldade da equipe econômica está justamente em equalizar o crescimento de despesas com a arrecadação limitada. Para Alex Agostini, economista-chefe da agência de risco Austin Rating, uma série de fatores permite dizer que a conta não vai fechar. Ele cita como exemplo o orçamento engessado, com mais de 90% do total comprometido com despesas obrigatórias.
“As alternativas são, por exemplo, aumento da arrecadação via carga tributária, mas isso o governo já vem fazendo”, afirma, citando a tributação das apostas eletrônicas, as contas em dólares, os fundos exclusivos e offshore, as subvenções do ICMS e a mudança do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).
“Tudo isso, em tese, ajudaria a equipe econômica a equilibrar os pratos, mas tem ainda a ala política do PT, incluindo o presidente Lula, abrindo a torneira para mais gastos e o dinheiro indo pro ralo, em busca do apoio visando às eleições”, acrescenta. “É um tiro no pé do governo, vimos esse filme em 2014. E que aconteceu em 20215 e 2016? Uma crise econômica gigantesca.”
A rigor, o cenário político está comprometendo, um a um, os ganhos econômicos. E o vilão do governo deixou de ser o Banco Central (com sua política monetária restritiva no ano passado para conter a inflação), passando a ser o Congresso Nacional, controlado pelo Centrão.
O campo de batalha está armado e nada favorável ao governo, que se prepara para desarmar as chamadas pautas-bomba que devem ser votadas nas próximas semanas, com perspectiva de diminuir ainda mais as receitas.
Uma delas é o projeto de lei que trata do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) — ajuda ao setor de eventos após a pandemia.
O governo chegou a enviar ao Congresso uma medida provisória (MP) acabando com o programa, mas os parlamentares derrubaram a MP e deveriam votar ainda nesta terça-feira, 23 de abril, um substitutivo que fixa o limite de R$ 15 bilhões para o custo fiscal do benefício até 2026.
Outras duas propostas ameaçam drenar a arrecadação do governo. A chamada proposta de emenda à Constituição (PEC) do Quinquênio, por exemplo, prevê um bônus de valorização por tempo de exercício para membros do Judiciário e do Ministério Público, com impacto no Orçamento da União que pode chegar a cerca de R$ 40 bilhões.
Além disso, o governo ainda trabalha para chegar a um acordo com os líderes parlamentares quanto aos R$ 5,6 bilhões vetados em emendas de comissões do Congresso. A esperança é que “apenas” R$ 3,6 bilhões sejam liberados.
Com esse quadro sombrio como pano de fundo, Hegedus Netto, da Mirae Asset, traça um cenário objetivo para o governo alcançar o equilíbrio fiscal, difícil de ocorrer. “Para alcançar a meta de déficit zero, seria necessário um crescimento de 13,5% na arrecadação, mas a projeção atual é de apenas 8,8%, com tendência de queda”, diz, lembrando que, para 2025, estima-se que serão necessários mais de R$ 50 bilhões em receitas extras.
Segundo ele, o ideal seria um freio de arrumação, um ajuste pelas despesas. “Mas este governo, por razões políticas ou eleitorais, não parece muito disposto a isso”, emenda.
Ou seja, as opções da equipe econômica estão ficando cada vez mais limitadas. O economista Alex Agostini, da Austin Rating, concorda que a possibilidade de reduzir despesas é uma hipótese pouco provável.
“Depende de uma parte da reforma administrativa, que o Congresso não deve mexer agora”, diz o economista, acrescentando que outra parte poderia vir da redução de ministérios e cargos comissionados, algo também improvável em ano de eleição.
Agostini até cita uma terceira opção – venda de ativos, como fez o governo anterior -, mas reconhece que ela jamais será implementada.
“Na verdade, teríamos de ter, na contramão do mundo, um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) absurdo, o que é difícil acontecer”, adverte.