Mesmo o consumo leve de álcool foi associado a um aumento nas mortes por câncer entre adultos mais velhos na Grã-Bretanha, relatam pesquisadores em um grande estudo publicado na segunda-feira (12). Mas o risco foi acentuado principalmente naqueles que tinham problemas de saúde existentes ou que viviam em áreas de baixa renda.
O estudo, que acompanhou 135.103 adultos com 60 anos ou mais por 12 anos, também desmente a crença de longa data de que o consumo leve ou moderado de álcool é bom para o coração.
Os pesquisadores não encontraram redução nas mortes por doenças cardíacas entre os bebedores de quantidades leves ou moderadas, independentemente da saúde ou status socioeconômico, quando comparados com bebedores ocasionais.
O estudo definiu consumo leve como uma ingestão média de álcool de até 20 gramas por dia para homens e até 10 gramas diários para mulheres. (Nos Estados Unidos, uma bebida padrão contém 14 gramas de álcool.)
“Não encontramos evidências de uma associação benéfica entre o consumo baixo de álcool e a mortalidade”, diz Rosario Ortolá, professora assistente de medicina preventiva e saúde pública na Universidad Autónoma de Madrid e autora principal do artigo, que foi publicado na JAMA Network Open.
Por outro lado, ela acrescenta, o álcool provavelmente aumenta o risco de câncer “desde a primeira gota”.
As descobertas se somam a um crescente corpo de evidências que está mudando o paradigma na pesquisa sobre álcool. Cientistas estão recorrendo a novas metodologias para analisar os riscos e benefícios do consumo de álcool na tentativa de corrigir o que alguns acreditam ser falhas graves em pesquisas anteriores, que pareciam mostrar benefícios do consumo.
Grande parte dessa nova pesquisa compara as taxas de doenças cardíacas e morte em bebedores moderados e ocasionais, em vez de abstêmios. Os abstêmios como grupo incluem muitos indivíduos que pararam de beber porque já estavam gravemente doentes, e confiar nesse grupo para comparações pode ter feito com que os bebedores de quantidades leves parecessem mais saudáveis falsamente.
O novo estudo surge em meio a uma luta em curso sobre a orientação oficial dos EUA sobre o consumo de álcool. Dois grupos científicos estão preparando relatórios sobre a relação entre álcool e saúde antes de uma atualização das Diretrizes Dietéticas dos EUA.
Um grupo é um subcomitê intergovernamental que inclui representantes de numerosas agências de saúde. Ele lançou um estudo sobre consumo de álcool e saúde em abril de 2022. O outro grupo, financiado pelo Congresso no mesmo ano para fazer uma revisão muito semelhante, foi convocado pela Nasem [National Academies of Science, Engineering and Medicine ou, em tradução livre, Academia Nacional de Ciências, Engenharia e Medicina dos Estados Unidos].
Inicialmente, um dos dois especialistas em álcool que a Nasem nomeou para seu comitê foi Kenneth Mukamal, pesquisador do centro médico Beth Israel Deaconess, que é um afiliado de ensino da Escola de Medicina de Harvard.
Seu ensaio sobre consumo moderado de álcool, que custaria US$100 milhões, foi interrompido em 2018 após revelações de que ele havia solicitado financiamento diretamente da indústria do álcool enquanto sugeria que o estudo provaria os benefícios do consumo.
A Nasem retirou as duas nomeações após o The New York Times divulgá-las, mas substituiu Mukamal por outro cientista de Harvard com laços com a indústria do álcool.
As diretrizes dietéticas atuais dos EUA afirmam que “beber menos é melhor para a saúde do que beber mais” e que adultos com 21 anos ou mais devem, nos dias em que consomem álcool, limitar-se a uma bebida por dia para mulheres e duas para homens.
No ano passado, o Centro Canadense de Uso e Abuso de Substâncias emitiu uma nova orientação afirmando que nenhuma quantidade ou tipo de álcool é bom para a saúde e que “mesmo uma pequena quantidade de álcool pode ser prejudicial à saúde”.
Pessoas que consomem de uma a duas bebidas por semana “provavelmente evitarão consequências relacionadas ao álcool”, disse o centro. Mas o risco de câncer aumenta com três a cinco bebidas semanais, e o risco de doenças cardíacas e derrames aumenta com sete ou mais bebidas semanais, de acordo com as diretrizes canadenses.
A Organização Mundial da Saúde diz que mesmo níveis baixos de consumo de álcool “podem trazer riscos à saúde”, mas acrescenta que “a maioria dos danos relacionados ao álcool vem do consumo pesado episódico ou contínuo”.
O novo estudo descobriu que, embora adultos mais velhos que bebiam quantidades leves enfrentassem riscos mais altos de morte se tivessem fatores de risco relacionados à saúde ou socioeconômicos, beber principalmente vinho e apenas junto às refeições moderou o risco, especialmente de morte por câncer.
As razões não eram totalmente claras, diz Ortolá. Mas a redução pode ser devido à absorção mais lenta de álcool, ou pode refletir outras escolhas saudáveis feitas por essas pessoas.
Também não ficou claro por que indivíduos com fatores de risco de saúde e socioeconômicos podem ser mais suscetíveis aos resultados prejudiciais associados ao álcool, já que este foi um dos primeiros estudos a examinar a questão.
É possível que essas pessoas tenham uma tolerância reduzida ao álcool, sugerem os autores; elas também podem estar tomando medicamentos que interagem mal com o álcool.
No geral, o consumo moderado de álcool —definido como entre 20 e 40 gramas de álcool diariamente para homens e entre 10 e 20 gramas para mulheres— foi associado a um maior risco de morte por todas as causas e um maior risco de morrer de câncer.
O consumo mais pesado —acima de 40 gramas por dia para homens e acima de 20 gramas por dia para mulheres— foi associado a maiores mortes por todas as causas, bem como câncer e doenças cardiovasculares.