
Pela primeira vez, duas marcas premiadas de azeite brasileiro vão lançar rótulos feitos na Europa. Uma é a Potenza, da Fazenda Serra dos Tapes, em Canguçu, Rio Grande do Sul. E a outra, a Sabiá, com plantações e fábricas na porção paulista da Mantiqueira e na serra gaúcha do Sudeste.
A Serra dos Tapes escolheu Jaén, na Andaluzia, a maior região produtora de azeite do mundo, e investiu na picual, a azeitona símbolo da localidade espanhola. Já a Sabiá foi para a Itália e trouxe uma variedade inédita no Brasil — a itrana, cultivada em Salerno, no sudoeste italiano.
Essa primeira safra de azeites com rótulos brasileiros e sotaque europeu chegará por aqui na semana seguinte ao Natal e em janeiro em garrafas de 250 mililitros. O Potenza Olival Jaén, a R$ 120, e o Sabiá Fatto in Italia, a R$ 129.
Até um expert em azeite, como o acadêmico Sandro Marques, autor de Extrafresco: O Guia de Azeites do Brasil, nunca tinha ouvido falar da itrana. Ao prová-la, achou que “surpreendia pela personalidade, equilíbrio e versatilidade”. A variedade chegou ao casal Bia Pereira e Bob Costa, proprietários da Sabiá, depois de três anos consecutivos de cursos de degustação de azeites italianos.
E o que os levou a produzir no exterior foi a necessidade de atender à demanda pelos produtos da marca.
“Em 2024, tivemos 15 mil litros de azeite e nossa produção se esgotou em setembro. Como a próxima safra é só em março de 2025, não quisemos deixar nossos clientes sem um produto com as características da nossa marca”, conta Bia, em entrevista ao NeoFeed.
“Por isso, decidimos ir até a Itália, escolher uma variedade diferente e produzir o Sabiá Fatto in Italia. Não pretendemos ter lucro, a ideia é apenas não perder dinheiro”, complementa.
Bia e Bob escolheram a província de Salerno, depois de dois anos de contato com o olivicultor Nicolangelo Marsicani, conhecido como o “poeta do azeite”, dono do lagar Frantoio Nicolangelo Marsicani, em Morigerati.
O lote especial teve extração de 500 litros, o que rendeu 2 mil garrafas de 250 mililitros. Todo o processo foi supervisionado por Emanuel De Costa, mestre de lagar da Sabiá.
“Nós ficamos fascinados pelo conhecimento de Marsicani. Ele sabe como usar os equipamentos finos de cada máquina para conseguir um azeite de qualidade”, lembra Bia. “Ele domina a tecnologia e diz: ‘Aqui vamos pegar mais aroma; neste ponto está um pouco amargo, vamos buscar um equilíbrio maior’. Uma coisa muito precisa, muito detalhista.”
Como ela lembra, nesta época, o único azeite fresco é o europeu, já que estamos na entressafra e nossos vizinhos na América Latina, como a Argentina e o Chile, fazem a colheita apenas em maio, depois do Brasil.
“Trazer um azeite especial, de uma variedade que ainda não tem no Brasil e é muito apreciada na Europa, foi nossa opção e é um privilégio poder oferecer isso ao consumidor do Sabiá. Como já temos uma parceria com o Nicolangelo Marsicani, podemos repetir esta operação todo ano”, diz Bia.
Tanto a Sabiá como a Fazenda Serra dos Tapes produzem azeites frescos, como são chamados os produtos de alta qualidade feitos com azeitonas ainda verdes, de colheita precoce e, por isso, conhecidos como “tempranos”. O azeite comum e, portanto, mais barato, vem de frutos maduros, que rendem uma quantidade maior de suco na extração.
Apesar da similaridade, a criação do Potenza Olival Jaén teve um propósito diferente e não está relacionado com a falta de produto. Claudia Santos, proprietária, mestre de lagar e somellière da Serra dos Tapes, fez sua especialização na Espanha e acabou sendo convidada pelo Almazara Cruz de Esteban, tradicional indústria de azeites premium da Andaluzia, para produzir na região.
Ela não teve dúvida e investiu € 120 mil euros no total. Com isso, comprou 300 mil quilos de azeitonas picual, o que deve render 20 mil litros de azeite — ou 80 mil garrafas de 250 mililitros. O faturamento estimado para o rótulo especial é de R$ 2,5 milhões.
O que norteou a parceria, segundo Claudia, foi a troca de experiência. “Aqui e na Espanha trabalhamos com protocolos diferentes na linha de produção. Lá não tem mulheres dentro do lagar, na produção. A mulher está na área de qualidade, na loja, no escritório”, conta Claudia, ao NeoFeed. “Eles acharam então que seria um diferencial ter uma mulher fazendo azeite com eles. E também fizeram esse movimento para incentivar a mulher espanhola a entrar na ‘almazara’, como chamam.”
Ao comentar o significado do projeto, a mestre de lagar diz: “Produzir um azeite na meca mundial do azeite de oliva, com os meus protocolos, minhas técnicas e minhas crenças foi um aprendizado e motivo de orgulho.”