A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) recebeu, nesta sexta-feira (9), o pedido para autorização para início de testes em humanos da vacina contra gripe aviária desenvolvida pelo Instituto Butantan.
O ensaio clínico de fase 1 e 2 da vacina influenza monovalente tipo A (H5N8) tem como objetivo avaliar a segurança e a imunogenicidade (indução de anticorpos) da vacina. O instituto já realizou ensaios pré-clínicos (em laboratório) do imunizante e já possui um lote produzido para o avanço da pesquisa clínica.
“Ter uma vacina pronta, com uma plataforma já testada, que mostra que produz anticorpos [nos participantes], é o nosso objetivo. Não é para já comercializar, mas para propor um estoque estratégico para, caso o Ministério da Saúde precise acionar, o Butantan estará pronto para fornecer”, afirma Esper Kallás, Diretor do Instituto.
O instituto já havia anunciado que estava desenvolvendo uma vacina contra a gripe aviária em março de 2023, mas contra uma cepa diferente do vírus (H5N1), que está atualmente em circulação na Europa, nos Estados Unidos e na Austrália e já provocou casos em humanos. A atual fórmula contém o vírus H5N8 inativado (isto é, incapaz de infectar). Ela também difere da cepa H5N2 que, em junho, esteve relacionada à morte de uma pessoa no México.
O instituto optou por produzir uma vacina a partir da variante H5N8 por ser um vírus de alta patogenicidade e que pode causar graves problemas respiratórios, inclusive óbitos, em humanos. A taxa de letalidade por influenza aviária em humanos é de 53%, ou seja, pode matar mais da metade dos infectados, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).
De acordo com Gustavo Mendes, diretor de Assuntos Regulatórios, Qualidade e Ensaios Clínicos do instituto, o pedido de autorização para a Anvisa para a condução dos estudos clínico é para se preparar para uma possível situação de necessidade.
“Não só estamos trabalhando nesta vacina candidata, como também estamos desenvolvendo uma rota tecnológica que pode ser trilhada, caso o vírus mude”, disse Kallás.
O vírus influenza é dividido em diferentes linhagens (como A e B) e subtipos, onde cada variante carrega uma versão diferente de hemaglutininas (HA ou H dos tipos de influenza) e de neuraminidase (NA ou a letra “N” das formas). A hemaglutinina é o alvo do vírus contra o qual as vacinas normalmente procuram induzir resposta imune. Existem pelo menos 16 subtipos de HA e 9 de NA conhecidos como de origem aviária, que dão origem aos subtipos da influenza A, como H5N1, H9N2, H3N8, entre outros.
A vacina contra a gripe atualmente ofertada na rede pública é formada por uma combinação de duas cepas do vírus A e uma do vírus B, enquanto na privada ela é tetravalente (duas cepas de cada tipo).
Anualmente, a OMS divulga a lista das cepas do vírus influenza circulantes para a produção de imunizantes, já que a doença, sazonal, pode mudar a cada nova estação. Os estudos com vacinas são uma forma dos países manterem-se prevenidos para uma possível epidemia da gripe aviária ou de outra cepa que possa vir a infectar seres humanos.
Segundo a entidade, os vírus de alta patogenicidade (HPAI, na sigla em inglês) podem provocar lesões graves e têm alta mortalidade nas aves, que são hospedeiros naturais do vírus, mas o salto para humanos é esporádico, e ocorre com o contato direto com fezes contaminadas ou com um animal infectado.
Recentemente, casos de transmissão da gripe aviária entre mamíferos acenderam um alerta para o potencial epidemiológico da doença. Desde 2022, o vírus da gripe aviária (de diferentes cepas) ocorre na América do Sul, inclusive no Brasil, levando à morte de aves e alguns mamíferos aquáticos, na Austrália, Europa, parte da Ásia e nos Estados Unidos.
Não há casos registrados da doença em humanos no Brasil, mas a circulação do vírus chegou a afetar o setor granjeiro com a preocupação de uma epidemia entre aves domésticas. Desde maio de 2023, o Ministério da Agricultura e Pecuária decretou emergência zoossanitária por causa da influenza aviária no país.
PASSO A PASSO PARA SE OBTER UMA VACINA
Processo pode demorar mais de uma década
Pesquisa pré-clínica
Pesquisa feita antes dos testes em humanos, em animais ou células em laboratório. Busca entender como o patógeno infecta o hospedeiro e possíveis antígenos. Pode demorar vários anos até esse corpo de conhecimento ser sólido o suficiente
Pesquisa clínica – Fase 1
O teste é feito com dezenas de seres humanos saudáveis. A ideia é ver se o fármaco é seguro e não causa efeitos colaterais. Essa fase de pesquisa pode demorar alguns meses. Muitos candidatos falham nesta etapa e também na etapa seguinte
Pesquisa clínica – Fase 2
Com algumas centenas de voluntários deseja-se saber se o fármaco, além de seguro, tem chances de funcionar. No caso de uma vacina, a ideia é que sejam gerados anticorpos contra o patógeno (ainda resta saber se eles de fato imunizam)
Pesquisa clínica – Fase 3
Com base nos resultados de segurança e de possível eficácia, milhares de pessoas são vacinadas e outras milhares recebem placebo (uma injeção que não contém o imunizante propriamente dito) para quantificar o potencial de imunização do candidato a vacina
Construção de fábricas
Via de regra a construção da fábrica pode levar anos e só acontece após a aprovação da vacina, dado que ela pode se mostrar insegura ou ineficaz em alguma das etapas de pesquisa clínica, e a obra se tornar um investimento perdido. Esta etapa já está concluída no caso do Instituto Butantan, que produz anualmente mais de 100 milhões de doses da vacina da gripe para o SUS
Produção em larga escala
Produzir uma vacina requer equipamentos específicos e técnicas também específicas. Enquanto algumas vacinas são produzidas após a infecção de ovos de galinha com vírus, outras dependem da produção de antígenos por microrganismos, por exemplo
Distribuição
Além de garantir a quantidade necessária para imunizar potencialmente toda a população, é preciso ter meios para que ela consiga chegar aos diversos países
Fontes: Diego Moura Tanajura (Universidade Federal de Sergipe), NIH, Universidade Harvard, Universidade de Oxford e Instituto Butantan