Há um aumento de casos de pneumonia em São Paulo, principalmente em crianças. A preocupação dos médicos é que a alta está ligada a uma forma silenciosa da doença, ou seja, com sintomas mais brandos em relação à pneumonia clássica. Com isso, os pais demoram para buscar atendimento e o quadro pode se agravar.
De acordo com a Secretaria Municipal da Saúde, até junho deste ano, o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus —sob gestão do Instituto de Responsabilidade Social Sírio-Libanês—, na Bela Vista, região central de São Paulo, realizou 675 atendimentos por pneumonia no pronto-socorro, 36,3% maior que 2023 (495).
No Menino Jesus, em 2024, também é possível observar um aumento de casos de pneumonia ao longo dos meses —26 em janeiro, 42 em fevereiro, 129 em março e 164 em abril. Em maio, houve uma queda para 147; em junho voltou a subir e chegou a 167. No mesmo período, 129 pacientes precisaram de hospitalização, contra 124 no ano passado.
Especialistas ouvidos pela reportagem afirmam que o principal agente causador da pneumonia silenciosa é a bactéria Mycoplasma pneumoniae, responsável pelos surtos na China, nos Estados Unidos, na Coreia do Sul, Holanda, Dinamarca e Irlanda no final do ano passado. Em dezembro último, a mesma bactéria foi identificada em cinco alunos de uma escola em Santo André, no ABC.
“Neste ano, temos notado aqui no pronto-socorro um aumento significativo do número de crianças que chegam para uma consulta e têm pneumonia por Mycoplasma, que tem tido uma frequência bem maior do que em anos anteriores. É uma bactéria que tem aparecido mais em adolescentes. Nós atendemos aqui pessoas zero a 18 anos. Tenho conhecimento que na cidade há muitos casos da pneumonia pela Mycoplasma em adultos e idosos também”, relata Antônio Carlos Madeira de Arruda, superintendente médico do Hospital Municipal Infantil Menino Jesus.
Além de Mycoplasma, outros agentes causadores, como vírus e bactérias, também causam pneumonia e estão coexistindo com o patógeno na cidade de São Paulo, diz Madeira.
No Sabará Hospital Infantil, localizado na Consolação (centro), os atendimentos na urgência por pneumonia aumentaram 84%, se comparados os primeiros semestres de 2023 e 2024. As internações subiram 42,1% no mesmo período. Maio foi o mês com os números mais altos —785 passaram pela urgência e 137 foram hospitalizados.
O médico Luiz Vicente Ribeiro da Silva Filho, coordenador da Comissão Científica de Pneumopediatria da SBPT (Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia), também observou a alta de casos de pneumonia pela Mycoplasma na cidade de São Paulo, segundo ele, desde o final de 2023.
“Essa bactéria causa pneumonia com um aspecto um pouco diferente da causada pelo pneumococo [bactéria]. As infecções por Mycoplasma não afetam tanto o estado geral das crianças. Essa é a razão do nome pneumonia silenciosa. São infecções em que geralmente a criança tem pouca manifestação clínica do ponto de vista de mal-estar geral”, explica Silva Filho.
“O que acontece é que a Mycoplasma, de acordo com a literatura médica, causa surtos epidêmicos a cada cinco ou sete anos, e houve um relato já no final do ano passado de um aumento de casos na China. O aumento do número de casos de pneumonia desde o final do ano passado para cá deve ser acometido pela Mycoplasma aqui na cidade de São Paulo, de forma inequívoca. E isso também se deve a vários fatores, até porque houve uma melhoria nas técnicas de diagnóstico”, explica o pneumologista pediátrico.
Quadro pode ser agravado por demora
Os sintomas do quadro provocado pela Mycoplasma pneumoniae são semelhantes aos da gripe, causada pelo vírus influenza: coriza, febre, dor de garganta, além de tosse seca. Madeira chama atenção para a tosse prolongada, que pode estar presente mesmo nas situações em que o paciente já mostrou boa evolução do quadro.
A transmissão se dá pelas vias aéreas, através de gotículas no ar ao falar, espirrar ou tossir, mas ela depende de um contato próximo e por mais tempo em lugares fechados, em relação aos outros vírus e algumas bactérias. Os casos graves são raros, mas estes podem ser agravados pela demora na procura por atendimento médico.
“Algumas das evoluções ruins das pneumonias por Mycoplasma incluem necessidade de hospitalizações e complicações. Isso não significa que todos os pacientes com tosse devem ser radiografados”, afirma Silva Filho. “Os sinais de alerta para os pais são tosse persistente por duas semanas, dificuldade para respirar, falta de ar, respiração ofegante e uma febre que persiste por mais de quatro dias.”
Procurada, a SES (Secretaria de Estado da Saúde) de São Paulo diz que só tem os dados de janeiro a abril, já que a infecção não tem notificação compulsória. Em 2024, foram 8.144 internações e 10.528 atendimentos ambulatoriais por pneumonia de pacientes menores de 19 anos; já em 2023, foram registradas 12.387 hospitalizações e 10.940 atendimentos.
Na mesma faixa etária, em 2024, no Hospital Infantil Cândido Fontoura, localizado na Água Rasa (leste), foram contabilizadas 158 internações, ante 163 no ano passado.
O Hospital Infantil Darcy Vargas, no Morumbi (sul) totalizou 61 internações por pneumonia neste ano e 79 em 2023.
Questionada sobre a prevalência de Mycoplasma pneumoniae, a SES não respondeu até a publicação deste texto.