O plano da Decolar de crescer com lojas físicas tomou corpo no ano passado. Há pouco mais de um ano, a maior empresa de viagens online da América Latina, liderada por Damián Scokin, não conseguiu avançar na sua investida sobre a concorrente CVC. A aquisição não deu certo, mas deu vazão ao projeto de crescimento orgânico.
Em novembro do ano passado, a Decolar inaugurou sua primeira unidade no shopping Anália Franco, na zona leste de São Paulo. De lá para cá, a empresa chegou a 12 lojas, sendo 9 no estado de São Paulo, duas em Minas Gerais e uma no Rio de Janeiro.
Até o fim de 2024, o plano é passar de 30 unidades, embora a empresa não revele as novas praças. No ano passado, a expectativa era estar também no Paraná e na Argentina com lojas físicas.
“Queremos mais que triplicar de tamanho ainda este ano”, diz Scokin, CEO global da Decolar, ao NeoFeed. “As lojas têm o propósito de oferecer outros tipos de serviço mas, sobretudo, acelerar a migração deles para o online, que é o core do negócio”
A expansão orgânica é um dos exemplos que mostram como a Decolar conseguiu capturar o crescimento do mercado de turismo no pós-pandemia. No Brasil, a agência de viagens online soube aproveitar o momento de crise e instabilidade vivido pelas concorrentes. Suas ações, em 12 meses, acumulam alta de 99,7%.
Ao longo dos anos de 2022 e 2023, o Hurb (Hotel Urbano) e a 123milhas, empresas que ficaram conhecidas por vender pacotes turísticos com preços abaixo dos praticados pelo mercado, começaram a ter dificuldades operacionais e financeiras.
A primeira a entrar com pedido de recuperação judicial foi a Hurb, que tinha como característica a venda de viagens para prazos longos (em média de dois anos), em 2022. No ano passado, a empresa viveu um outro momento de crise ao não ser aceita por hotéis e pousadas no segundo semestre do ano passado, o que causou uma série de reclamações.
A 123milhas vive uma montanha russa com sua recuperação judicial, que chegou a ser suspensa, mas o Tribunal de Justiça de Minas Gerais ordenou em março a retomada da RJ. Segundo o UOL, a empresa operou no vermelho entre 2020 e 2022. No ano passado, a companhia anunciou a suspensão de pacotes e emissão de passagens de sua linha promocional.
A avaliação sobre 123milhas e Hurb é controversa. Dois players sumiram do mercado do dia para a noite e deveriam ter aberto oportunidades para as demais companhias. Mas essas duas empresas criaram uma demanda artificial que não necessariamente se refletiu no aumento de receita no bottom line para os concorrentes. No setor, o fenômeno é chamado de “cliente fantasma”.
“Com a saída de jogadores um tanto irracionais, o mercado ficou muito mais lógico. Mas são clientes que em um mercado de preços racionais não existem”, afirma Scokin. “No entanto, há uma porção importante de clientes que a Decolar conseguiu capturar.”
A CVC não tem qualquer tipo de problema com a Justiça, mas vive uma fase de reestruturação de seu negócio. Em novembro do ano passado, a operadora e agência de viagens concluiu seu aumento de capital e captou R$ 226,2 milhões. Com isso, Guilherme Paulus, o fundador do empresa, voltou a ser o acionista de referência.
Agora, a gestão da CVC, que está sob a liderança de Fabio Godinho, se concentra em recuperar a rentabilidade e a geração de caixa da companhia. No primeiro trimestre deste ano, a receita líquida aumentou 7,4%, para R$ 317,4 milhões, na comparação anual. E o consumo de caixa melhorou: passou de R$ 273,9 milhões para R$ 56,5 milhões em 12 meses.
“Geração de caixa, capital de giro e crescimento são os três pilares de agências e operadoras de turismo. É possível se concentrar em dois deles, mas em três é impossível”, diz João Pedro Soares, analista do Citi.
No primeiro trimestre deste ano, o Ebitda ajustado da Decolar aumentou 126%, na comparação com o mesmo período de 2023, para US$ 39 milhões. As reservas brutas aumentaram 12%, para US$ 1,3 bilhão, em razão da forte procura nos mercados brasileiro e mexicano.
E a posição de caixa caiu US$ 14,9 milhões, para US$ 213 milhões, em razão de decisões como a redução de despesas com factoring, pagamento de dividendos aos acionistas e tendências sazonais do negócio.
Na bolsa de valores, o desempenho das ações mostra como os investidores entendem o momento das companhias. Na Bolsa de Nova York – onde fez o closing bell em 3 de abril em comemoração aos 25 anos da empresa -, o papel da Decolar dobrou seu preço em 12 meses (na bolsa de Buenos Aires, a ação está em alta de 425%). A ação da CVC cai 54% no mesmo período na B3.
O Brasil segue sendo o maior na operação da Decolar. No fim do primeiro trimestre, o País era responsável por 45% das reservas brutas. Em seguida vinha o México, com 21%. A diversificação geográfica é considerado um diferencial da companhia sobre as concorrentes.
“Brasil e México estão em níveis similares de crescimento”, diz Scokin. “A nossa expectativa é que os juros possam baixar ainda mais no Brasil no segundo semestre. Mas com o juro mais caro, o setor de turismo com um todo perde atratividade para o consumidor.”
Embora o momento turbulento enfrentado pelos concorrentes explique a forte ascensão da Decolar, há méritos na lição de casa cumprida no pós-pandemia. Nesse período, a empresa deixou de ser uma OTA (agência de viagem online) pura para entregar uma assistência maior para o cliente.
Com isso, a companhia capturou e ganhou tráfego orgânico nas pesquisas por passagens e destinos mais baratos – sem precisar gastar com custo de aquisição de clientes (CAC). Além disso, passou a criar destinos, algo importante para as companhias aéreas para utilização da capacidade.
Nesse interesse recíproco, os pacotes vêm aumentando o peso nos resultados da Decolar. No último trimestre, 36% das reservas brutas tinham a combinação de transporte mais estadia.
O diferencial tem sido o uso de inteligência artificial na análise e cruzamento de dados. Chamada de Sofia, a assistente de viagens com IA tem refinado e aumentado sua capacidade. Recentemente, a pesquisa de hotéis, ofertas e demais serviços de viagens começaram a entregar resultados.
“A Sofia é uma nova forma de comprar turismo. De um lado temos a frente de inovação, IA e tecnologia e de outro os pacotes, que crescem a taxas enormes e representam mais de 30% dos nossos bookings pelos produtos muito competitivos”, diz o CEO da Decolar
Nas contas da empresa, o cliente pode economizar até 35% em relação à compra dos produtos separadamente, o que reduz a taxa de cancelamentos e aumenta o tíquete médio das vendas. “A Decolar tem um business de tecnologia, com bom ciclo de caixa”, diz Soares, do Citi.
Em seu relatório publicado no fim de abril sobre a Decolar, Soares havia aumentado o preço-alvo da ação de US$ 11,50 para US$ 14,50 (um upside de pouco mais de 26% que já se reflete no preço atual de tela) em razão do bem-sucedido plano executado no ano passado e o ambicioso guidance para o ano de 2024.
O analista, porém, reduziu a recomendação do papel de compra para neutro, uma posição que ele manteve no relatório distribuído aos clientes em 16 de maio. Nele, Soares explica que há riscos para a companhia com a deterioração do ambiente macroeconômico no Brasil e na Argentina e a volatilidade cambial das moedas dos países latino americanos com o dólar.
Com valor de mercado de US$ 1 bilhão, a ação da Decolar está sendo negociada a US$ 14,22. O preço-alvo médio dos analistas que cobrem a empresa é de US$ 15,10, uma valorização de 6,2%. Para os especialistas do InvestingPro, o preço-justo da Decolar é de US$ 16,61, um upside de 16,8%.
“Tanto a Decolar como a CVC são ativos muito voláteis de um setor muito crítico e sensível. Historicamente, o setor de viagens de turismo é bastante instável, o que, de forma recorrente, faz empresas que têm uma certa representatividade perderem brutalmente seu valor”, diz Bruno Corano, da Corano Capital, gestora de fundos hedge, ações e private equity.