O centro cirúrgico é considerado uma das áreas mais complexas de um hospital, onde são realizados procedimentos invasivos, e que demanda uma infraestrutura adequada para garantir a segurança do paciente e da equipe médica. Mas no Hospital Federal dos Servidores do Estado, localizado no Centro do Rio de Janeiro e referência em cirurgias de grande porte, o cenário é bem diferente.
Funcionários da unidade ouvidos pela Folha relataram episódios recentes de insalubridade na unidade. Uma servidora, que prefere não se identificar, disse que uma cirurgia realizada em fevereiro aconteceu mesmo com a sala inundada.
A água, segundo ela, teria saído do ralo de um lavabo do andar do centro cirúrgico. O líquido começou a minar do chão e invadiu os corredores e uma sala. A funcionária conta que foram colocados panos na porta para tentar conter a água de esgoto e a cirurgia ocorreu. Equipes de manutenção apareceram horas depois, após muita insistência dos funcionários.
Ainda em fevereiro, uma água de origem desconhecida também invadiu o andar dedicado a cirurgias vasculares. Outra funcionária disse acreditar que tratava-se de vazamento de esgoto, por conta do mau cheiro.
Os relatos sobre a infraestrutura do hospital também dão conta de áreas com fios expostos, vidros de janelas quebrados, ar-condicionado sem funcionar, além de salas do centro cirúrgico fechadas por falta de material.
O Hospital dos Servidores é um dos seis vinculados ao Ministério da Saúde e disponibiliza tratamento em mais de 45 serviços especializados, como maternidade de alto risco, oncopediatria (tratamento de câncer infantil), neurocirurgia e cuidado de doenças infectocontagiosas.
Questionado sobre o vazamento de água no hospital, o Ministério da Saúde afirmou em nota que “o hospital esclarece que houve um rompimento de tubulação, que foi solucionado rapidamente. Não houve qualquer prejuízo ou impacto à assistência aos pacientes da unidade”.
A rede federal do Rio compreende ainda o Hospital Federal do Andaraí, o de Bonsucesso, o Cardoso Fontes, o de Ipanema e o da Lagoa. Um relatório feito pela DPU (Defensoria Pública da União), que revela um cenário de colapso nessas unidades, foi entregue ao Ministério da Saúde em dezembro passado.
O documento evidencia o abandono dos hospitais, com relatos de sucateamento, materiais vencidos e demora no atendimento de pacientes, e cobra da União ações para solucionar os problemas.
“Verificamos que mais de 15 mil pessoas aguardavam primeira consulta para adultos nas especialidades ortopédicas relativas a joelho, coluna vertebral, ombro e cotovelo, ao passo em que as filas cirúrgicas internas das unidades, nestas mesmas especialidades, ultrapassava 9.000 pacientes, elevando sobremaneira o tempo médio de espera, o que não se pode admitir”, disse a defensora regional de Direitos Humanos da DPU no Rio de Janeiro, Shelley Duarte Maia.
Em uma decisão deste mês, o Tribunal Regional Federal da 2ª região acolheu uma ação feita pela DPU e pela Defensoria do Estado, e determinou que a União, o estado e o município do Rio de Janeiro apresentem um plano de ação para resolução de deficiências estruturais e garantia de acesso da população a consultas e cirurgias ortopédicas em diversas especialidades.
Uma reportagem do programa Fantástico, da TV Globo, no último domingo (17), evidenciou a situação precária das unidades de referência no atendimento de alta complexidade.
No dia seguinte, com a repercussão, o Ministério da Saúde decidiu exonerar o diretor do DGH (Departamento de Gestão Hospitalar), Alexandre Telles, sob a justificativa de “necessidade de transformação na gestão” do departamento criado para melhorar a governança e o diálogo entre servidores, sindicatos e gestores.
No lugar de Telles, assume Maria Aparecida Braga, atual superintendente do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, que vai acumular as duas funções.
Na segunda (18), a ministra Nísia Trindade anunciou uma intervenção nas unidades da cidade. Com isso, o Ministério da Saúde passa a centralizar todos os processos de aquisição de medicamentos e insumos e de contratação de obras através do Comitê Gestor.
Segundo a pasta, o órgão vai atuar por pelo menos 30 dias junto às direções de cada hospital para recuperar e reestruturar as unidades depois de “anos de precarização”.
A medida foi tomada para aumentar o poder de negociação do ministério e garantir maior eficiência e controle na distribuição dos insumos, o que significa evitar falhas no abastecimento e desperdícios.
Além de Alexandre Telles, o Ministério da Saúde também exonerou o secretário responsável pela atenção especializada hospitalar na pasta, Helvécio Magalhães. Ele teve seu nome envolvido na indicação de uma representante de uma empresa de construção civil para reuniões e eventual prestação de serviço nos hospitais.
Procurado, o Ministério da Saúde enviou a nota abaixo:
“Desde que assumiu, a atual gestão do Ministério da Saúde trabalha na recuperação e reestruturação dos Hospitais Federais do Rio de Janeiro após anos de precarização. Para reforçar e intensificar as ações que já acontecem desde o início do ano passado, garantir a eficiência e melhoria da gestão dos hospitais e, principalmente, assistência de qualidade para a população, o Ministério tomou as seguintes providências:
– Criação do Comitê Gestor com o objetivo de analisar, avaliar e praticar atos de gestão relativos aos Hospitais Federais do Rio de Janeiro. O Comitê irá coordenar, por 30 dias (que podem ser prorrogados), as ações para o funcionamento adequado das unidades e o atendimento de qualidade para a população. O grupo irá interceder junto às direções dos Hospitais Federais para colocar em prática as ações necessárias, promover o diálogo junto aos servidores, sindicatos, gestores e propor melhorias na governança. O Comitê é dirigido pela Secretaria de Atenção Especializada à Saúde (SAES) e terá a composição de representantes do Departamento de Gestão Hospitalar (DGH), além de assessorias, coordenações e secretarias do Ministério da Saúde. As ações começaram na última segunda-feira (18)
– A Pasta centralizou os processos de aquisição dos medicamentos e insumos e de contratação de obras de todos os Hospitais Federais. Essa mudança, publicada na Portaria GM/MS nº 3.208 no dia 23 de fevereiro de 2024, atende às orientações do Tribunal de Contas da União (TCU) e à legislação brasileira. Esse modelo, que já foi utilizado entre 2011 e 2015, aumenta o poder de negociação ao Ministério e garante uma maior eficiência e controle na distribuição dos insumos, evitando falhas no abastecimento ou desperdícios e perdas na sua utilização. A medida garante que o DGH, do Ministério da Saúde, possa conduzir a gestão dos Hospitais Federais, unindo forças com servidores com maior harmonia institucional.
Essas iniciativas se somam a todas as ações já em andamento desde o início de 2023, como:
– Reabertura de mais de 300 leitos que estavam fechados pela desassistência e abandono nos últimos anos
– Contratação de 294 profissionais, contemplando médicos, farmacêuticos, fisioterapeutas e assistentes sociais. Um novo edital com cerca de 500 vagas temporárias para vários setores está aberto
– Inauguração do Hospital Dia do Hospital Federal do Andaraí (HFA), em setembro de 2023, para realização de pequenos procedimentos cirúrgicos, sem necessidade de internação do paciente
– Novo setor de oncologia, sala de radiografia digital, tomógrafo e cinco aparelhos de raio-x portáteis já em funcionamento no Hospital do Andaraí. Construção da Clínica de Radioterapia do hospital, que será inaugurada neste ano.
O Ministério da Saúde reforça seu compromisso em estabelecer todas as ações necessárias e empenhar todos os esforços para a reconstrução e fortalecimento dos Hospitais Federais, para que toda a população do Rio de Janeiro tenha acesso à saúde pública de qualidade”.