A China não esperou nem 48 horas para reagir à vitória de Donald Trump na eleição presidencial dos Estados Unidos.
O Congresso Nacional do Povo – o principal órgão legislativo do país – aprovou nesta sexta-feira, 8 de novembro, um pacote de 10 trilhões de yuans (US$ 1,4 trilhão), boa parte voltada para que os governos locais, muitos deles à beira da insolvência, possam rolar suas dívidas.
A expectativa de que o pacote contemplasse medidas de estímulo ao consumo, o que não ocorreu, frustrou os investidores e o mercado financeiro chinês, cujas ações vinham se recuperando nas últimas semanas à espera de incentivos fiscais para tirar a economia chinesa da letargia que vem demonstrando desde o fim da pandemia.
Em setembro, o governo já havia baixado um pacote de medidas avaliadas em US$ 250 bilhões para estimular a economia, mas consideradas insuficientes. Elas contemplavam corte de taxa de juros, impulso ao crédito e redução do pagamento de hipotecas para segundas habitações.
A decepção com o novo pacote teve repercussão internacional. As commodities, incluindo o petróleo Brent, referência internacional do petróleo, e o minério de ferro, caíram ao longo do dia, sugerindo expectativas de crescimento mais baixas para a segunda maior economia do mundo.
As ações cotadas nos EUA de duas das maiores empresas da China, Alibaba e JD.com, foram negociadas em baixa na sessão pré-mercado em Nova York – as medidas foram anunciadas depois do fechamento das bolsas asiáticas. Os futuros do índice Hang Seng de Hong Kong, porém, caíram 2,3%.
O teor do pacote reforçou a percepção de que o governo chinês deve esperar a posse Trump na Casa Branca, em janeiro de 2025, e eventuais medidas do novo governo contra o país asiático, para retomar um pacote fiscal mais amplo para estimular o consumo interno.
Ao participar de uma rara coletiva de imprensa após o anúncio das medidas, no Grande Salão do Povo, em Pequim, o ministro das Finanças, Lan Fo’an, disse que o pacote autoriza os governos locais a emitir títulos durante três a cinco anos para reestruturar a maior parte de um valor estimado de 14 trilhões de yuans (US$ 1,9 trilhão) em dívidas “ocultas” ou “implícitas”.
Essas dívidas são majoritariamente detidas por milhares de veículos financeiros fora do balanço, que os governos locais utilizaram para investir em infraestrutura e no setor imobiliário. Muitas dessas apostas fracassaram quando o mercado imobiliário da China entrou numa profunda desaceleração, há três anos, afundando as finanças de boa parte dos governos locais e minando a economia em geral.
Muitos economistas privados estimam que essas dívidas “ocultas” sejam muito maior, entre US$ 7 trilhões e US$ 11 trilhões. Eles também estimaram que até US$ 800 bilhões dessa dívida correm alto risco de inadimplência.
“Impacto imperceptível”
Em nota a clientes, Raymond Yeung e Zhaopeng Xing, economistas da consultoria ANZ, advertiram que os swaps de dívida não pagam as dívidas arriscadas dos governos locais e, em vez disso, simplesmente empurram suas datas de vencimento para o futuro. “O impacto econômico dessas trocas de dívida será indireto e imperceptível”, escreveram os economistas da ANZ.
Analistas e agentes financeiros esperavam medidas de estímulo que incluiriam o equivalente a cerca de US$ 140 bilhões em títulos especiais do Tesouro para recapitalizar os bancos chineses e outros US$ 140 bilhões para deter a espiral descendente no mercado imobiliário – que poderiam ser usados para ajudar os governos locais a comprar casas não vendidas e terrenos ociosos de incorporadoras.
A coletiva de imprensa de sexta-feira sugeriu ação em ambas as frentes, mas não ofereceu números concretos – um movimento que foi visto como uma opção do governo chinês em aguardar a posse de Trump na Casa Branca e suas primeiras medidas, caso as tensões comerciais com os EUA se intensifiquem.
Durante a campanha presidencial americana, Trump prometeu impor tarifas de importação de 60% aos produtos chineses, um aumento acentuado nas taxas atuais, em torno de 12,5% (50% para veículos elétricos).
Economistas do UBS estimam que as tarifas de 60% podem reduzir até 2,5 pontos percentuais do crescimento chinês nos 12 meses após a entrada em vigor (a meta anual de avanço do PIB é de 5%). Se, em vez disso, o país asiático aumentar os gastos do governo, cortar as taxas de juros e deixar a moeda enfraquecer em até 10%, esse impacto pode ser reduzido para cerca de 1,5 ponto percentual.
A maioria dos economistas, porém, não espera que Trump cumpra seu aviso, optando por uma faixa mais moderada entre 20% e 22% de taxa de importação. De qualquer forma, um aumento de tarifas pelos EUA jogaria por terra a atual política econômica do país asiático em apostar nas exportações para manter o crescimento do PIB em 5%.
“Sob o próximo modelo de crescimento, a demanda doméstica, especialmente o consumo, pode se tornar o principal impulsionador novamente, como foi durante a década de 2010”, disse Larry Hu, economista-chefe para a China do banco de investimento australiano Macquarie. “Se isso acontecer, o governo chinês não terá escolha a não ser aumentar o estímulo, especialmente na habitação.”