O desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) do País no segundo trimestre deste ano trouxe a sensação de um filme já visto que tem se repetido com frequência: crescimento de 1,4% no segundo trimestre em relação ao primeiro (o índice mais alto desde 2020) e avanço de 3,3% do PIB na comparação com o mesmo trimestre de 2023.
Mais do que repetir um movimento aparentemente contínuo – é a 14ª vez seguida que o desempenho do PIB em um trimestre avança na comparação com o mesmo período do ano anterior -, o crescimento forte da economia brasileira no primeiro semestre de 2024 já está levando agentes do mercado e o próprio governo a revisar para cima a previsão do PIB para 2024, de pouco menos de 2,5% para 2,8% ou 3%, dependendo da fonte.
O crescimento da indústria, de 3,9% em relação ao segundo trimestre de 2023, e do setor de serviços (3,5% na mesma base de comparação), ambos acima do esperado, puxaram o avanço do PIB.
Esse otimismo latente, porém, ajuda a colocar em primeiro plano uma contradição cada vez mais explícita da economia brasileira: os números animadores do PIB dentro de um quadro fiscal péssimo do governo federal, com déficit crescente e taxa de juros na casa de dois dígitos, com possível aumento a partir de 2025.
Para responder a essa contradição, especialistas ouvidos pelo NeoFeed alinham os fatores que levaram a essa série histórica de crescimento do PIB – que teve início em 2022, seguiu em 2023 e manteve-se intacta no primeiro semestre de 2024 -, a tendência no curto e médio prazo e até que ponto uma política fiscal expansionista do governo vai trombar com outros indicadores, como inflação e juros, afetando o PIB de 2025 e 2026.
Assim, a cada anúncio de PIB em expansão, cresce a tendência de o País ter de escolher entre ter PIB forte ou inflação sob controle, dentro da meta atual de 3%. Esse pano de fundo permeia o debate sobre qual política fiscal e monetária o Brasil deve seguir.
“O PIB indo bem fala muito sobre o passado, pois o Brasil fez reformas estruturais importantes em 2016 e 2021 e o setor de exportação avançou muito, dando sustentação à economia, que vem crescendo na base anual de 3% há praticamente três anos”, afirma Roberto Padovani, economista-chefe do Banco BV.
Segundo ele, o aumento do gasto público – uma marca do atual governo – estimula a economia, o que explica o bom desempenho do PIB. Padovani cita ainda a redução da taxa Selic, a partir do segundo semestre do ano passado, como um fator relevante para impulsionar o mercado de crédito.
“A diferença é que a crise fiscal que o estímulo do governo à economia gera avança lentamente, daí o PIB atual refletir o cenário de curto prazo”, acrescenta Padovani.
Para Luis Otavio Leal, economista-chefe da gestora G5 Partners, o descontrole das contas públicas é um dos motores do crescimento do PIB e não um dos problemas que possam atrapalhar esse crescimento. Assim, a política fiscal expansionista do governo, com déficit elevado, estimula o aumento da renda, impulsiona o mercado de trabalho e, no final, tudo isso dá sustentação ao PIB.
Leal, porém, destaca, alguns fatores que impactaram mais o ótimo índice do segundo trimestre. Além do efeito do corte de juros pelo BC a partir do ano passado, ele cita a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul.
“O que era para ser problema virou solução, pois PIB não é estoque fixo, é fluxo, a destruição não conta para o PIB, o que vale é o aumento subsequente a essa tragédia”, afirma Leal, acrescentando que a interrupção da produção gaúcha e a retomada em cima de uma base baixa impulsionou os dados do segundo trimestre para cima.
Problemas à frente
As previsões à frente, no entanto, são mais pessimistas. Para Padovani, do BV, a possibilidade do PIB manter um crescimento sustentável até 2025 ou mesmo 2026, ainda sob o efeito das reformas e o crescimento de exportações, é possível.
“No curto prazo, porém, o PIB mais forte prejudica a convergência da inflação para a meta, o que pode reforçar o ciclo de aperto monetário, com alta de juros”, diz ele.
“A trajetória de alta da dívida pública também pode atrapalhar, pois gera impacto na capacidade de redução de juros, e isso certamente deve limitar o espaço para consumo e investimento”, acrescenta Padovani, citando ainda a volatilidade global, que pode crescer dependendo do resultado da eleição nos Estados Unidos, como um fator de impacto no segundo semestre.
Leal alinha alguns fatores para prever um crescimento mais baixo do segundo semestre em relação ao primeiro. Ele cita um impacto menor do aumento de renda no segundo semestre, que não vai ter reajuste do salário-mínimo acima da inflação nem pagamento de precatórios – o governo injetou R$ 140 bilhões nesta rubrica, incluindo um pedaço que ia ser pago no segundo semestre.
A grande questão é como conciliar um PIB forte e inflação solta. “Crescimento do PIB beirando 3% ao ano, com taxa de desemprego baixíssima, de 6,8%, não é compatível com meta de inflação de 3%, alguma coisa está errada nessa equação”, adverte Leal.
Segundo ele, inflação na meta também não combina com uma política de valorização do salário-minimo, que é pro-cíclica. “Como o salário-mínimo é corrigido pelo INPC de novembro (acumulado nos 12 meses) mais a taxa de crescimento do PIB, vamos entrar no ano que vem com o salário-mínimo crescendo próximo de 7% ao ano” diz.
O problema, prossegue, é que esse salário-minimo corrige o pagamento de benefícios do INSS, que atende 44 milhões de pessoas – quase 25% de toda a população em idade ativa. Essa massa de beneficiários recebendo reajuste de 7% ao ano torna impossível esfriar o setor de serviços e trazer a inflação para baixo.
“Ficou claro, desde o início governo Lula, que toda vez que o BC toma uma medida para conter crescimento, o governo anuncia outra para aumentar o consumo”, afirma Leal. “Ou o País aceita mais inflação ou o PIB não vai crescer 3%.”