Genética não é único fator do desenvolvimento infantil – 29/08/2024 – Equilíbrio e Saúde


Embora a genética tenha um papel importante no desenvolvimento neurológico na infância, os genes sozinhos não são os únicos fatores que atuam neste processo nos primeiros anos de vida de uma criança.

As exposições ambientais, como tipo e quantidade de nutrientes, a exposição a drogas, o estresse e fatores durante a gestação podem também afetar o neurodesenvolvimento infantil.

É isso que os resultados preliminares da pesquisa do Projeto Germina, liderado pelo médico e professor do Instituto de Psiquiatria da USP (Universidade de São Paulo), Guilherme Polancyzk, indicam. O grupo de pesquisa está acompanhando 555 díades (pares mães-bebês) a partir do nascimento até os primeiros três anos de idade para avaliar como os fatores de risco, positivos ou não, podem ter um papel na formação do indivíduo, inclusive com efeitos futuros.

“A gente avalia o cérebro através do eletroencefalograma, a interação da mãe com o bebê por meio de filmes e padrões de comportamento, a sincronia entre eles para avaliar a previsibilidade do comportamento, entre outros medidas, como habilidades cognitivas, motoras e de linguagem”, explica.

Os bebês são avaliados também segundo sua microbiota e têm o genoma sequenciado. “Até o momento, nossos participantes estão entre o 20º e o 30º mês de vida [pouco menos de dois anos até dois anos e meio], então a pesquisa ainda está em andamento.”

A análise da microbiota, por exemplo, já se mostrou um possível preditor do desenvolvimento do transtorno do espectro autista, segundo uma pesquisa divulgada em julho. Polancyzk e equipe também esperam conseguir detectar esses primeiros sinais, mas o médico reforça que existe uma combinação de fatores. “Por isso, vamos ter técnicas analíticas para entender qual é aquele fator mais importante, se é o genético, se é o da alimentação, a microbiota, e qual a influência de cada um deles sobre o desenvolvimento.”

Este será o mais completo conjunto de dados de bebês na fase mais crítica do seu desenvolvimento. É neste período que o cérebro começa a se desenvolver e que surgem os primeiros sinais da fala e do movimento na criança. “Os genes são muito importantes para determinar como os processos de desenvolvimento cerebral ocorrem, mas eles dependem do estímulo, de uma interação muito clara com o ambiente”, diz.

Por essa razão, a análise também irá se voltar para identificar condições específicas que afetam o neurodesenvolvimento, como autismo, transtornos mentais ou desvios do comportamento, buscando ainda soluções focadas para como reduzir cada um dos estressores, como a pobreza e vulnerabilidade social da mãe, considerados os fatores mais importantes relacionados ao desenvolvimento infantil.

“Uma árvore depois de grande é muito difícil mudar a direção depois de crescida. A primeira infância é a mesma coisa, é importante agir neste momento; uma vez que as relações já foram estabelecidas é muito difícil mudar de forma significativa a trajetória de vida”, afirma.

Aí entram políticas públicas voltadas para a primeira infância, uma vez que são elas que são capazes de reduzir as desigualdades e garantir um desenvolvimento pleno para todas as crianças, lembra Marina Fragata, diretora de políticas públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal.

“O desenvolvimento infantil não ocorre exclusivamente por determinação genética, uma vez que as experiências que a criança tem dentro do seu ambiente de cuidados, de socialização e de crescimento são importantes para que esse neurodesenvolvimento aconteça de forma plena, isto é, aquilo que ajuda a criança a se desenvolver em seu potencial total”, diz.



O desenvolvimento infantil não ocorre exclusivamente por determinação genética, uma vez que as experiências que a criança tem dentro do seu ambiente de cuidados, de socialização e de crescimento são importantes para que esse neurodesenvolvimento aconteça de forma plena, isto é, aquilo que ajuda a criança a se desenvolver em seu potencial total

Os estudos até agora mostram que as populações de maior vulnerabilidade social são também aquelas com os piores índices de desenvolvimento, uma vez que a perpetuação dessas desigualdades afeta de maneira mais crítica essas crianças. Por isso, Fragata defende que as políticas públicas devem perpassar também um entendimento da própria sociedade da importância do período para o desenvolvimento infantil.

“É preciso proteger as crianças dos fatores de risco, de situações adversas que podem ocorrer, principalmente nos primeiros mil dias de vida. E que situações são essas? Violência, exposição à pobreza extrema, insegurança alimentar, condições de saúde mental dos seus cuidadores. Isto tudo gera barreiras para o desenvolvimento infantil”, afirma.

A partir da construção do conhecimento do Projeto Germina, espera-se que novas políticas voltadas para a primeira infância sejam desenvolvidas no país. “Uma população se desenvolvendo em situações de risco muito grande tem uma prevalência maior de criminalidade, um menor potencial para o desenvolvimento acadêmico e uma perda de todo o potencial produtivo futuro”, diz Polancyzk.

Outro ponto citado e que requer atenção especial hoje em dia é a exposição precoce às telas, já que elas podem prejudicar o neurodesenvolvimento infantil. Segundo Polancyzk, o uso precoce de telas pode afetar o desenvolvimento da linguagem e a própria capacidade cognitiva.

“É difícil, porque hoje em dia todas as crianças estão usando, né? Mas o que a gente já tem de dados é que a exposição a telas nos primeiros anos tem um impacto negativo sobre o desenvolvimento de linguagem, ao contrário do que a gente pensava, que iria deixar as crianças mais inteligentes”, diz.

A série Primeira Infância é uma parceria da Folha com a ONG Todos Pela Educação e a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal



Fonte: Folha de São Paulo

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