Com um mandato de reestruturação nas mãos, uma das primeiras medidas de Marcelo Pimentel quando assumiu o comando do GPA, em abril de 2022, foi interromper mais de 300 projetos e focar no que era essencial para o grupo de varejo alimentar, dono do Pão de Açúcar e avaliado em R$ 1,47 bilhão.
Uma das frentes que ganharam espaço nessa prateleira foi o Minuto Pão de Açúcar. Enquanto boa parte do varejo olhava para o formato de atacarejo, a rede de proximidade foi eleita como o foco de expansão em lojas físicas e, ao mesmo tempo, como o posto avançado para as entregas do e-commerce do grupo.
Entre outros ganhos, essa estratégia fez com que a empresa saltasse de um índice de 45% para 80% as entregas feitas no mesmo dia na casa dos consumidores. E, num roteiro mais amplo, é um dos indicadores que mostram o trajeto percorrido pelo GPA em pouco mais de dois anos.
“Estamos na reta final da nossa reestruturação. O turnaround operacional já foi feito. Agora, temos que terminar o trabalho de estrutura de capital”, diz Marcelo Pimentel, CEO do GPA, ao NeoFeed. “E a última milha, para mim, é dar lucro. Nossa ambição é tornar a empresa lucrativa o mais rápido possível.”
No que diz respeito à estrutura de capital e à redução da alavancagem, o executivo diz que ainda há espaço para novas vendas de ativos não core. Mas não na magnitude do que foi feito desde a sua chegada à operação.
De lá para cá, o GPA “arrecadou” quase R$ 2 bilhões com um pacote que incluiu a venda da sua sede administrativa e da sua rede de postos de combustível. Nesse carrinho, o grupo também se desfez de suas fatias na Cnova e na rede de supermercados colombiana Éxito.
“Trouxemos uma receita adicional com a venda de ativos e participações que foi toda endereçada para a redução da dívida”, afirma Pimentel. “O fato é que esse paciente já saiu do hospital e estamos numa recuperação muito mais saudável.”
O GPA fechou o segundo trimestre com uma margem bruta recorde de 28,2% e um avanço de 34,8% no Ebitda ajustado, para R$ 396 milhões. Na última linha do balanço teve, porém, um prejuízo líquido de R$ 332 milhões, contra R$ 425 milhões, um ano antes.
Mais recentemente, outro fator também inspirou cuidados. No fim de setembro, o Assaí informou que foi notificado pela Receita Federal sobre o arrolamento de bens no valor de R$ 1,25 bilhão, em função de contingências tributárias relacionadas ao GPA, anteriores à cisão dos dois grupos, em 2020.
No fato relevante, o Assaí ressaltou que vem monitorando o tema de forma próxima ao GPA e que o grupo, conforme os termos da cisão, deverá indenizar a empresa por qualquer prejuízo decorrente. Na visão de Pimentel, o caso não traz, porém, reflexos no turnaround da varejista.
“Todos esses passivos estavam devidamente demonstrados no nosso balanço e nas nossas interações com o mercado. Então, em termos de reação do nosso lado, teve pouca surpresa”, diz Pimentel. “Não há nenhum complicador. Vida que segue. A cada dia que passa, o GPA tem menos riscos.”
Nesta entrevista, Pimentel dá mais detalhes do que o GPA está fazendo para virar a chave em direção à rentabilidade e fala ainda de expansão, da bandeira Extra, de inteligência artificial, de hiper personalização e do braço de retail media, uma das apostas mais recentes do grupo. Confira:
Como você vê o GPA após pouco mais de dois anos da sua gestão? Quais são as perspectivas do grupo?
Eu diria que estamos na reta final da nossa reestruturação. O turnaround operacional já foi completo. Agora, temos que terminar o trabalho de estrutura de capital. E a última milha da reestruturação, para mim, é dar lucro. No próximo triênio, a partir de 2025, nossa ambição é tornar a empresa lucrativa o mais rápido possível.
O que falta ser feito em termos de estrutura de capital?
Trouxemos uma receita adicional próxima de R$ 2 bilhões com a venda de ativos e participações que foi toda endereçada para a redução da dívida. E o próximo passo, que é uma consequência disso, é o custo da dívida, que vem reduzindo drasticamente. O segundo é seguir avançando com o operacional para que as margens e o controle de despesa tornem a empresa autossustentável. O fato é que esse paciente já saiu do hospital e estamos numa recuperação muito mais saudável.
Existem outras frentes para seguir avançando nesses indicadores e em direção à lucratividade?
Outro tema que estamos endereçando tem a ver com a saída do Extra como hipermercado, o que envolve todo o passivo trabalhista decorrente desse movimento. Muitas pessoas foram desligadas e isso tende a melhorar a cada ano, já que o prazo para entrar com processos foi expirado.
Qual é o tamanho desse passivo?
Hoje, está na faixa de R$ 400, R$ 500 milhões. Tudo já contabilizado e provisionado. E nós começamos um land down disso, o que também vai liberar um caixa importante.
“No próximo triênio, a partir de 2025, nossa ambição é tornar a empresa lucrativa o mais rápido possível”
Há outras medidas em curso?
Em 2023, contratamos a Falconi para construir um orçamento base zero. Na primeira rodada, já encontramos cerca de R$ 240 milhões de redução de despesas. Renovamos a parceria e, em 2024, estamos próximos de R$ 250 milhões e vamos fazer novamente esse trabalho para 2025. Então, tem sido uma visão constante de entrar em absolutamente todos os contratos, todas as áreas e questionar absolutamente tudo.
E quanto à venda de ativos? Há margem para mais desinvestimentos?
Ainda temos alguns imóveis e outros pontos que podem nos ajudar a acelerar essa desalavancagem. Será algo muito menor agora, nada comparado ao que foi feito nos últimos dois anos. Mas vamos tirar proveito de qualquer oportunidade que tivermos.
Recentemente, veio à tona o caso do arrolamento de bens do Assaí por conta de contingências tributárias do GPA, anteriores à cisão das duas operações. De que maneira isso pode impactar o GPA?
O contrato feito na cisão tem sido 100% cumprido e não há qualquer sinal de incapacidade de cumprimento desse contrato. Esse é o primeiro ponto. Segundo, não tem nenhuma surpresa com relação ao GPA, porque todos esses passivos estavam devidamente demonstrados no nosso balanço e nas nossas interações com o mercado. Então, em termos de reação do nosso lado, teve pouca surpresa. Não há nenhum complicador. Vida que segue. A cada dia que passa, o GPA tem menos riscos. Eu tinha um risco muito maior dois anos atrás.
Alguns analistas reconhecem os avanços do GPA, mas questionam o fôlego para dar sequência a esse turnaround. Como você enxerga essas avaliações?
A melhor forma de responder é com números. Pegamos a operação com margem bruta de 23% e já estamos acima de 27%. Tínhamos margem Ebitda de 1,5%, que, no último trimestre, foi de 8,8%. Reduzimos 12 dias de estoque, 50% a ruptura e melhoramos a disponibilidade de produto em prateleira. Avançamos com a penetração de perecíveis e já ultrapassamos 50% e reduzimos a alavancagem que estava acima de 10 vezes para menos de 3 vezes. Agora, qual é a missão? O foco principal é resgatar a marca Pão de Açúcar, seja ela na proximidade, no supermercado ou no online. Esse é o primeiro ponto. É daqui que tem surgido toda essa renovação do resultado.
Nesse sentido, com a estrutura de capital reforçada, há alguma possibilidade de revisar para cima a projeção de expansão de lojas?
Tirando um player específico de proximidade, o GPA foi quem mais abriu lojas no varejo alimentar nos últimos dois anos. Foram 110 lojas, sua maioria, do Minuto Pão de Açúcar. Estamos abrindo, em média, 50, 60 lojas por ano e não temos planos de pisar no freio. Ao contrário, vamos seguir acelerando.
Qual será a prioridade nessa próxima onda em termos de geografias e formatos?
Vamos seguir totalmente concentrados em São Paulo. É o nosso quintal e não vamos sair daqui enquanto realmente não adensarmos a cidade. E a nossa visão é continuar expandindo o Minuto, que bebe da marca Pão de Açúcar. E é onde eu ganho escala, pois preciso de muitas lojas próximas para reduzir meu custo logístico. Vemos muito espaço em bairros afluentes e altamente verticalizados. E isso tem sido uma grata surpresa, pois, historicamente, uma loja leva, em média, três anos para chegar à sua maturação. E o que temos visto no Minuto é que ela tem maturado nos primeiros 12 meses.
E quanto à bandeira Extra? Quais são os planos?
Estamos fazendo no Extra o mesmo trabalho de revisão de sortimento que fizemos no Pão de Açúcar. E não vamos em hipótese alguma entrar numa briga direta com o atacarejo. Evitamos cair nessa armadilha. Não somos e não vamos ser atacarejo. O foco para o Extra é ser um supermercado de bairro, local, muito forte em perecíveis. E diferentemente do Pão de Açúcar, em que a experiência completa é muito relevante, aqui, a comodidade e uma boa precificação vai ser muito mais importante.
Quantas lojas o Extra tem hoje e em que estágio está essa remodelagem da bandeira?
Temos algo próximo de 150 lojas e a remodelagem já foi feita em praticamente todas elas. O que estamos fazendo agora é uma revisão nas fachadas, pois era um ativo que estava muito depreciado. Mas, nesse ano, o Extra já dobra o Ebitda e vai seguir entregando resultado.
“Não vamos em hipótese alguma entrar numa briga direta com o atacarejo. Nós evitamos cair nessa armadilha”
E quanto ao digital? Como essa operação tem evoluído?
Fechamos o James, que era uma operação deficitária, cara e que atendia poucos clientes, e também o centro de distribuição do canal, que era um problema, pois só conseguia vender produtos não perecíveis. Hoje, não tem absolutamente nada do e-commerce que saia de um CD. Tudo sai de uma loja e isso mudou completamente o cenário. Fazemos praticamente 80% das entregas no mesmo dia e reduzimos nosso custo logístico. E 37% de toda a nossa venda é de perecíveis. O resultado é que saímos de uma operação que beirava o deficitário para algo muito próximo ao duplo dígito de rentabilidade.
E em termos de tecnologia? Qual tem sido o foco dos investimentos?
Começamos a usar inteligência artificial para fazer a segmentação dos clientes do Pão de Açúcar Mais, nosso programa de fidelidade, e oferecer o que tem, de fato, correlação com o que eles querem. Isso tem dado um uplift de venda muito importante e está totalmente ligado ao lançamento, em meados de 2023, da nossa área de retail media.
O que já foi feito e quais são os planos para esse braço?
O primeiro passo foi tirar valor de cada metro quadrado onde conseguíssemos trazer exposição. Agora, iniciamos um segundo caminho que é olhar para a inteligência de dados e para um dos nossos maiores ativos, que é a base do Pão de Açúcar Mais, com mais de 20 milhões de clientes cadastrados e mais de 3 milhões ativos. Nós tratávamos todos eles de forma única. Agora, contratamos uma ferramenta chamada Customer Data Platform, da Adobe, e estamos começando a olhá-los individualmente.
Você pode dar exemplos de como estão fazendo isso na prática?
O brasileiro, por natureza, chega no fim de semana e quer fazer o seu churrasco. Geralmente, eu oferecia para esse consumidor o carvão e a cerveja. Era o vínculo óbvio. E, com a ferramenta, começamos a estudar o que não era óbvio. E uma das coisas que percebemos foi que esse consumidor também comprava cápsula de café. Então, fizemos um teste com um parceiro da indústria e as vendas de cápsulas desse fornecedor cresceram 700%, o que nos deu o insight para pensar em dois vieses. Um, de oferecer o que é de fato relevante para o cliente e, o segundo, de monetizar essa informação com a indústria. Porque, em vez dele dar um tiro de canhão, é um investimento muito mais assertivo.
Muitos varejistas estão investindo em retail media. Qual espaço o GPA pode ocupar nessa área?
Estamos avançando nesses projetos e, no primeiro semestre, já vendemos mais do que em todo o ano passado e a beleza da área é que ela tem uma margem desproporcionalmente alta comparada ao varejo alimentar. O potencial é enorme, mas vai ser enorme para alguns players. E o GPA tem o privilégio de ser um deles, pelo público que atende, que tem uma receita discricionária maior e está disposto a ativar essas ações caso seja provocado.
E quais são os próximos passos nessa unidade?
Ainda vamos avançar no que estamos chamando de hiper personalização, que é realmente conhecer o consumidor, seu comportamento de compra e o da sua família. Até chegar no ponto de ter uma interação que torne quase inviável a necessidade desse cliente ir para outro lugar. Mas ainda é embrionário. Hoje, o que temos é um hiper cluster de comportamentos de compra muito semelhantes. Mas ainda não falamos com o CPF. E não é algo imediato. Devemos materializar isso no segundo semestre de 2025. Mas é para onde queremos ir. Conseguir personalizar essa conversa por meio da inteligência artificial.