Um velho dito reza que, quando a maré baixa, dá para ver quem está nadando nu. Nas ondas da enchente perene do Rio Grande do Sul, agora, surfam oportunistas fantasiados de verde, como se não houvesse amanhã.
Nem é o caso de perder tempo com a crueldade bolsonarista, que aproveita a tragédia para propagar informações fraudulentas negacionistas sobre aquecimento global. Não vale a pena gastar tinta com quem se iguala a essa corja negando o óbvio e sabotando esforços de salvamento pelo poder público.
O governo federal reagiu ao desastre tomando medidas certas quase sempre no tempo devido. Errou aqui e ali, de modo mais crasso quando Lula nomeou um pré-candidato ao governo gaúcho para coordenar pasta extraordinária de reconstrução do estado devastado.
Seus acertos, entretanto, só lhe dão ares de estadista por contraste com a perversidade de Bolsonaro e sua matilha. Bajuladores de plantão pintam-no como um santo, quando a folha corrida ambiental do líder petista não se presta à hagiografia.
Andaram endeusando até Dilma Rousseff, por destinar ao Rio Grande do Sul US$ 1,1 bilhão do banco que preside. Como se ela e Lula não tivessem se lambuzado com o óleo da Petrobras, combustível fóssil na origem do aquecimento global –além de defenestrar a ministra que derrubou as taxas de desmatamento.
Verdade que Marina Silva está de volta à Esplanada, mas o gesto de Lula não garante que sua contrição tenha profundidade maior que a de um cálculo político sagaz. Ele já forçou a demissão da figura icônica em 2008, e talvez volte a fazê-lo.
Lula enfiou goela abaixo de Marina as hidrelétricas do rio Madeira, Santo Antônio e Jirau, meninas dos olhos de Dilma, que deixara a pasta de Minas e Energia para tornar-se mandachuva da Casa Civil. Depois, tirou a acreana da coordenação do Plano Amazônia Sustentável para entregá-la a Roberto Mangabeira Unger –a gota d’água.
Já no governo Dilma, Mangabeira foi pivô de outra guinada antiambiental petista. Ele reassumira como ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, no lugar de Marcelo Neri, e abortou o estudo Brasil 2040, demitindo aos poucos toda a equipe.
Eram vários os estudos chefiados pelo economista Sérgio Margulis. A proposta previa regionalizar projeções do Inpe para a mudança climática no Brasil e, a partir delas, formatar um embrião de plano nacional de adaptação a eventos extremos clima –da qual as inundações gaúchas dão hoje exemplo lúgubre.
Uma década atrás, os modelos já apontavam intensificação de chuvas no Sul do país. O Brasil 2040 traçava, ainda, cenários desconfortáveis para setores influentes no Planalto, empreiteiras e agronegócio, como riscos pluviométricos para a usina de Belo Monte –outra ideia fixa de Dilma– e certas áreas de plantio de soja.
Equipe desbaratada e estudos enterrados, o Brasil perdeu uma década em que poderia ter deslanchado ambiciosos planos de adaptação climática. O Rio Grande do Sul, por exemplo, não dispõe nem mesmo de sistemas de monitoramento em tempo real do nível de afluentes dos rios que ora inundam áreas flageladas.
Com a discussão pública sobre o desmantelamento do Brasil 2040, Dilma veio a público para defender sua gestão e negar que o estudo tenha sido engavetado. Diz agora que o trabalho deu subsídios para o Plano Nacional de Adaptação para Mudança Climática, de maio de 2016, e o Plano Plurianual.
Uma defesa crível implicaria indicar em que medidas concretas tais subsídios redundaram. Ninguém viu. Com um pouco mais de honestidade, reconheceria e explicaria a demissão da equipe do Brasil 2040 antes do término do projeto.
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