Mais de dois meses após reportagem revelar que o Ministério da Saúde emprega milhares de funcionários não concursados, contratados na condição de bolsistas e consultores, a pasta ainda não deu transparência a essas informações.
A lista com nomes e remunerações dos ocupantes desses postos, que atuam inclusive em áreas essenciais do órgão, é mantida em sigilo, mesmo após a CGU (Controladoria-Geral da União) determinar a divulgação dos dados no âmbito de processo baseado na Lei de Acesso à Informação aberto pela Folha.
A dependência das bolsas atravessa governos. Foi intensificada pela redução dos concursos e mantida na gestão Lula (PT). Com baixa transparência, parte dos cargos abriga nomes ligados a autoridades.
Como mostrou a Folha em maio, primo da esposa do secretário-executivo da Saúde, Swedenberger Barbosa, o jornalista José Camapum recebe cerca de R$ 8 mil para atuar na Ouvidoria do ministério comandado por Nísia Trindade. Ele ganha mais do que os colegas, pois tem uma bolsa originalmente destinada a um setor com salário mais alto.
Filho do general e ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas, o dentista Marcelo Haas Villas Bôas atuou de 2020 a janeiro de 2023 no ministério como bolsista, com remuneração de cerca de R$ 7,5 mil. Parte do trabalho neste período era representar a Secretaria de Saúde Indígena, loteada por militares na gestão de Jair Bolsonaro (PL), em reuniões sobre a Covid.
A Fiotec, fundação ligada à Fiocruz, e a Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) são as entidades que fornecem a maior parte da mão de obra da Saúde por meio de bolsas e consultorias.
O ministério argumenta que as instituições que contratam esses funcionários detêm os dados e devem apresentá-los. Integrantes da equipe de Nísia dizem, reservadamente, que há temor de a lista mostrar o vínculo de bolsistas com o ministério e se tornar munição em ações trabalhistas.
O Ministério da Saúde disse, por nota, que acionou as entidades parceiras para adotar medidas que aumentem a transparência sobre os projetos e os profissionais atuantes. Foi solicitado que as informações sejam publicadas nos sites institucionais até o final do mês de julho.
“As organizações internacionais e instituições federais são as executoras dos termos de Cooperação Técnica e Execução Descentralizada. São essas entidades as responsáveis pela contratação de recursos humanos e responsáveis por fornecer as informações sobre esses profissionais”, disse.
A pasta afirmou ainda que é responsável “por fiscalizar a entrega dos produtos acordados e cumprimento das metas”.
A CGU, por sua vez, disse que irá se manifestar quando do julgamento do processo sobre o caso que tramita naquele órgão.
Em 2021, sob Bolsonaro, o ministério chegou a liberar parte da relação de funcionários não concursados. Havia mais de 2,5 mil nomes e cerca de R$ 16,3 milhões em salários mensais. O pagamento mais alto da tabela alcançava R$ 12 mil.
Ainda que parcial, essa lista é maior do que a soma de servidores concursados ou comissionados da administração do Ministério da Saúde, em Brasília. A pasta informou, em novembro de 2023, que havia cerca de 2.130 funcionários nesta categoria.
No governo Lula, o ministério apresentou dados ilegíveis aos pedidos feitos pela Folha sobre a lista de bolsistas e consultores. Questionada novamente, a pasta passou a se recusar a divulgar qualquer tabela.
A reportagem pediu à Saúde o acesso à lista dos funcionários não concursados em 9 de outubro do ano passado. Após diversos recursos, a Controladoria determinou, em 6 de fevereiro, que a Saúde teria até o dia 7 de março para entregar os dados.