Uma série de novos fatores pegou de surpresa as grandes montadoras europeias, que estão reavaliando planos e metas de acelerar a eletrificação da frota de veículos novos para oferecer ao mercado.
Além da retração do mercado automobilístico em razão dos juros elevados, que está impactando a saúde financeira das montadoras do Velho Continente, problemas para viabilizar a logística de recarga e a concorrência inglória com os veículos elétricos (VEs) chineses começaram a pesar.
O repasse do custo maior para o preço de venda de VEs novos, tornando-os caros demais para um consumidor ainda inseguro em fazer a transição, deixou as montadoras com um grande problema para resolver.
A Volvo Cars, por exemplo, anunciou ter abandonado seu plano fartamente divulgado de produzir apenas VEs até 2030, citando a necessidade de ser “pragmática e flexível” em meio às mudanças nas condições do mercado.
A principal mudança anunciada pela montadora sueca é considerada moderada diante de outras concorrentes europeias. O objetivo agora é mirar 90% das vendas em VEs até 2030 e deixar os 10% restantes de suas vendas destinadas a modelos híbridos leves até o final da década.
Volkswagen, Ford e Mercedes-Benz, por sua vez, reconheceram as dificuldades de conversão rápida da frota para modelos elétricos e anunciaram planos para adiar as metas anteriores para eliminar gradualmente as vendas de veículos com motor de combustão interna na Europa.
De acordo com Tim Urquhart, principal analista automotivo da S&P Global Mobility – empresa de consultoria voltada para o mercado automobilístico -, parte desse recuo se deve à constatação de que os governos dos principais mercados europeus implementaram medidas para incentivar as pessoas a comprar veículos elétricos com metas obrigatórias que ele afirma serem problemáticas.
Ele cita o caso do Reino Unido, que introduziu um mandato exigindo que 22% das vendas de carros novos este ano sejam veículos de emissão zero (ZEV), ou seja, sem emissão de escapamento, como os VEs e os movidos a bateria. O mandato, que visa reduzir o número de veículos poluentes nas estradas, aumentará anualmente até atingir 100% das vendas de carros novos até 2035.
“É preciso haver uma dose de pragmatismo tanto dos reguladores quanto dos fabricantes, sendo que os fabricantes provavelmente estão à frente dos reguladores nessa questão”, disse Urquhart. Ele atribui o recuo da Volkswagen, Ford e Mercedes em acelerar a transição para VEs como resultado do avanço chinês no mercado europeu e também como desejo do consumidor em fazer a transição quando se sentir seguro.
Ao anunciar seu plano revisado de VE na semana passada, a Volvo Cars apresentou uma série de desafios enfrentados pelas ambições de eletrificação da indústria automobilística. A montadora disse que houve um lançamento mais lento do que o esperado da infraestrutura de carregamento, uma retirada de incentivos do governo em alguns mercados e incerteza adicional motivada por tarifas recentes sobre VEs em vários mercados.
Fator China
O avanço das montadoras chinesas no mercado global de VEs, com modelos mais baratos e com tecnologia embarcada superior aos modelos ocidentais, levou os EUA a sobretaxarem os VEs fabricados na China em 100%. A União Europeia aprovou uma sobretaxa provisória de 38%. Tanto EUA quanto o bloco europeu acusam o governo chinês de subsidiarem a produção de VEs.
Urquhart, porém, diz que os consumidores europeus veem com desconfiança esse cerco aos VEs chineses. “Eles têm o mesmo paradigma de tecnologia na indústria há 130 anos, e estamos pedindo aos consumidores que mudem completamente a maneira como dirigem seus veículos, usam seus veículos, carregam seus veículos em vez de abastecê-los com gasolina.”
Rico Luman, economista sênior do setor de transporte e logística do banco holandês ING, afirma que a decisão de algumas montadoras europeias de adiar a mudança para VEs é destinada a manter a lucratividade e preservar a flexibilidade em um ambiente altamente incerto.
A transição para VEs, segundo ele, deve prosseguir nos próximos anos. “”A mudança para os veículos elétricos é uma jornada não linear com muitas incertezas, como vimos nos últimos dois anos”, adverte Luman. “Mas está cada vez mais colocando as montadoras europeias sob pressão, enquanto as vendas totais de carros novos não retornam aos níveis pré-pandêmicos em seus mercados domésticos.”