Não há vacinas para Mpox disponíveis na República Democrática do Congo, o epicentro de uma emergência global de saúde declarada neste mês, mesmo que o país tenha solicitado as doses há dois anos e os fabricantes afirmem ter suprimentos.
“O mais importante que precisamos agora são as vacinas”, afirma Samuel-Roger Kamba, ministro da saúde do Congo.
Então, onde estão as doses? Elas estão presas em um processo regulatório de medicamentos burocrático pela OMS (Organização Mundial da Saúde).
Três anos após o último surto mundial de Mpox, a OMS ainda não aprovou oficialmente as vacinas — embora os Estados Unidos e a Europa tenham feito isso— nem emitiu uma licença de uso emergencial que aceleraria o acesso.
Uma dessas duas aprovações é necessária para que o Unicef e a Gavi (aliança da OMS para distribuição de vacinas) comprem e distribuam vacinas Mpox em países de baixa renda, como o Congo.
Enquanto os países de alta renda dependem de seus próprios reguladores de medicamentos, como a FDA (agência que regulamenta drogas e alimentos) americana, muitos países de baixa e média renda dependem da autoridade mundial em saúde para avaliar quais vacinas e tratamentos são seguros e eficazes, um processo chamado de pré-qualificação.
Mas a organização é excessivamente avessa ao risco, preocupada com a necessidade de proteger sua confiabilidade e despreparada para agir rapidamente em emergências, afirma Blair Hanewall, consultora de saúde global que gerenciou o portfólio de aprovações da OMS como diretora adjunta da Fundação Bill e Melinda Gates, um dos principais financiadores, por mais de uma década.
“Eles não têm flexibilidade para usar abordagens alternativas”, diz.
Houve mais de 15 mil casos de Mpox no Congo este ano, e pelo menos 550 mortes, embora muitos casos não sejam diagnosticados ou tratados. A maioria dessas mortes ocorreu entre crianças, algumas das quais passam fome porque lesões agonizantes em suas bocas e gargantas as impediram de comer.
Uma nova variante do vírus, transmitida por contato próximo, agora cruzou a fronteira leste do Congo para 13 países, levando a OMS a declarar uma emergência global de saúde em 14 de agosto.
Paul Chaplin, CEO da Bavarian Nordic, fabricante da vacina Jynneos amplamente utilizada na América do Norte e Europa durante o surto de Mpox em 2022, disse que a empresa tem 350 mil doses que poderia vender imediatamente.
A empresa pode produzir mais 10 milhões de doses até o final de 2025, mas não há nenhum pedido em andamento. Esta semana, sob pressão dos Estados membros, a OMS sinalizou para a Gavi iniciar uma negociação de compra com a Bavarian Nordic, mesmo que a aprovação da vacina ainda esteja pendente.
A OMS afirma que, até essa medida extraordinária, estava vinculada às regras: não tinha os dados necessários para fazer uma revisão completa para a aprovação do Jynneos, e o processo de licença de emergência só pode ser realizado após a declaração de uma emergência de saúde pública de preocupação internacional (conhecida como PHEIC), que acabou de ocorrer.
Mas a Bavarian Nordic se reuniu pela primeira vez com a OMS em agosto de 2022 para discutir o Jynneos, e enviou um dossiê de informações sobre a vacina em maio de 2023, de acordo com Chaplin.
Esse dossiê continha a pesquisa que levou à aprovação anos atrás pela Agência Europeia de Medicamentos, bem como dados de estudos realizados após a vacina ser implantada durante o surto de Mpox de 2022.
Mais de 1,2 milhão de pessoas nos EUA receberam pelo menos uma dose da vacina naquela época, e os estudos mostraram que ela proporcionava um alto nível de proteção contra o Mpox. No entanto, a OMS só abriu a consideração formal dessa pesquisa na semana passada.
Deusdedit Mubangizi, diretor de política e padrões de produtos de saúde da OMS, disse que o grupo de especialistas da organização se reunirá na semana de 16 de setembro para considerar os dados enviados, e poderia emitir uma licença já naquela semana se estivessem satisfeitos.
Nas últimas semanas, os principais atores na resposta à epidemia têm se tornado cada vez mais críticos da OMS por retardar desnecessariamente o esforço para levar vacinas para a África.
É um “sistema quebrado” que “não é construído para emergências”, disse um cientista dos EUA que integra painéis consultivos da OMS, mas não estava autorizado a falar publicamente.
Críticos questionam por que a OMS não agiu mais cedo para aprovar uma vacina Mpox, uma vez que o vírus nunca parou de circular no Congo. Eles perguntam por que não foi possível dar às doses uma licença de emergência com base nas autorizações dos EUA e da Europa da vacina Jynneos.
A vacina foi originalmente criada para prevenir a varíola e foi mantida em estoques de biosegurança após a erradicação da doença. Como o Mpox, assim como a varíola, faz parte da família dos ortopoxvírus, os pesquisadores pensaram que as vacinas contra a varíola poderiam funcionar para bloquear o Mpox. Houve pequenos estudos em animais que mostraram que era eficaz.
Embora não tenham ocorrido testes em humanos, os reguladores de medicamentos em países de alta renda agiram rapidamente para permitir o uso de emergência, à medida que o mpox começou a se espalhar na Europa, América do Norte e América do Sul em 2022.
Mas Mubangizi disse que não era possível para a OMS aprovar as vacinas naquela época. “Não poderíamos pré-qualificá-las, porque não havia dados para apoiar” sua eficácia contra o mpox, disse ele.
E a OMS decidiu não emitir uma licença de emergência naquela época porque queria garantir que os dados de pesquisa fossem gerados, disse ele. Autorizar o uso generalizado teria custado aos pesquisadores essa oportunidade essencial.
Então, a disseminação do vírus desacelerou ou terminou em todos os lugares fora do Congo, e a atenção à vacina diminuiu.
Este ano, à medida que o número de casos cresceu no Congo, a OMS decidiu acionar o processo de licença de emergência, mesmo ao declarar uma emergência global. “Entramos imediatamente em contato com os fabricantes e pedimos que enviassem uma inscrição formal”, disse Mubangizi.
O próprio órgão regulador de medicamentos do Congo aprovou o Jynneos e a vacina LC16 em 27 de junho —muito depois da Nigéria, que teve muitos casos de Mpox no surto de 2022.
A demora levantou suspeitas nas agências de saúde que apoiam o Congo, mas Kamba, o ministro da Saúde, disse que o país tem recursos limitados e enfrenta uma série de crises.
Como o Congo aprovou as vacinas, o país pode receber doações —215 mil doses de Jynneos estão programadas para serem enviadas ao Congo nas próximas semanas, disse Kamba.
Há 175 mil doses doadas pela União Europeia e mais 40 mil pela Bavarian Nordic. O governo dos EUA se comprometeu a doar 50 mil doses de Jynneos de seu estoque nacional.
O Congo poderia simplesmente comprar vacinas contra Mpox. Mas a vacina japonesa é complicada de administrar —requer uma agulha especializada rara— e a vacina dinamarquesa é cara. Em 2022, a Bavarian Nordic estava vendendo por cerca de US$ 110 a dose (cerca de R$ 600). A vacinação completa requer duas doses.
Como nação de baixa renda, o Congo se qualifica para o apoio da Gavi, que tem um fundo de resposta de emergência à pandemia de US$ 500 milhões (ou R$ 2,74 bi) reservado para situações como esta.
“Se a comunidade internacional disser, ‘ok, vamos comprar X doses por ano porque queremos começar a vacinar crianças na África’ —isso muda tudo”, acrescentou.
Com esse tipo de compromisso, valeria a pena para a empresa trabalhar com um fabricante contratado baseado na África, disse Chaplin. Essa empresa produziria a vacina a um preço muito mais baixo, pagando royalties à Bavarian Nordic. Mas a Gavi estava aguardando a autorização de emergência da OMS para iniciar o processo.
“A primeira prioridade precisa ser levar vacinas doadas que sabemos que estão disponíveis para os países”, diz Derrick Sim, diretor administrativo da Gavi para mercados de vacinas e segurança da saúde.
“Quando se trata de adquirir vacinas diretamente, desde que um PHEIC tenha sido anunciado na última semana, intensificamos nossos esforços, com contatos quase diários com os fabricantes”, disse ele, referindo-se à emergência global de saúde. “Estamos prontos para agir assim que tivermos uma imagem clara da demanda.”
Alguns especialistas agora se perguntam por que a Gavi deveria esperar a aprovação da OMS para vacinas.
“Isso não seria algo complicado para o conselho da Gavi mudar, se eles quisessem agir mais rapidamente em uma emergência”, disse um funcionário de saúde global dos EUA que não estava autorizado a falar publicamente sobre o assunto.
Um processo para a OMS pré-qualificar medicamentos sem uma revisão completa da pesquisa já existe. A organização aprovou mais de cem medicamentos, principalmente antivirais para tratar o HIV, com base na revisão da FDA, para seu uso no Pepfar, o programa do governo dos EUA para tratar esse vírus em países africanos.