Na mineração, os esforços para descarbonizar sua cadeia de valor

Na mineração, os esforços para descarbonizar sua cadeia de valor


Se as emissões de gases de efeito estufa (GEE) de escopo 3 são um problema para as indústrias globais, para a mineração, em particular, se impõem como um desafio gigantesco rumo à descarbonização.

Nada menos do que 92% de todo o dióxido de carbono (CO²) associado à atividade corresponde a operações ao longo de sua cadeia de valor. Trata-se de uma poluição originada de fontes que não são de propriedade das companhias mineradoras ou controladas diretamente por elas — o que, antes de comprometer o seu controle, dificulta a sua medição.

“Para poder medicar, é preciso ter um diagnóstico; conhecer o cenário”, diz Alexandre Mello, diretor de Assuntos Associativos e Mudança do Clima do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em entrevista para o NeoFeed. “Ampliar nosso conhecimento sobre o escopo 3 no setor é nosso principal desafio.”

Há muito a ser entendido ainda, mas, aos poucos, a indústria começa a rastrear a pegada de carbono de sua cadeia, como mostra o Inventário de Emissões GEE do Setor Mineral 2024, lançado em maio pelo Ibram.

Baseado em dados de 2022, a entidade mapeou pela primeira vez uma (pequena) parte das emissões indiretas do setor. Das 15 categorias do escopo 3, o Ibram analisou apenas a décima, relativa a processos como o da venda de resíduos.

As emissões do parâmetro 10 totalizaram 762,2 milhões de toneladas de CO² — o equivalente a mais de três vezes de toda a emissão do setor de transportes no Brasil, em 2022. E, dos 19 compostos avaliados, o cobalto se revelou o grande poluidor.

Tido como um dos minerais críticos para a transição energética, imprescindível para as baterias dos carros elétricos, por exemplo, o cobalto consome uma grande quantidade de energia durante o processo de seu beneficiamento.

Algumas companhias mineradoras já vêm trabalhando tanto no mapa das emissões quanto no controle dos GEE incorporados nos recursos e matérias-primas consumidas pelo setor.

Desde 2020, a Vale lançou um programa, em parceria com o Carbon Disclosure Project (CDP), para incentivar fornecedores da empresa a medir e reportar suas emissões de CO².

Referência global em relatórios sobre a pegada de carbono de empresas, cidades e países e uma das instituições responsáveis pela definição dos critérios científicos do Acordo de Paris, a ONG desenvolveu a plataforma CDP Supply Chain.

Por meio de informações personalizadas, a ferramenta permite às participantes identificar e responder a oportunidades e riscos ambientais, associados à sua pegada de carbono.

Nos três primeiros anos da colaboração entre a Vale e o CDP, o objetivo da mineradora foi ampliar o engajamento dos fornecedores. Passada essa primeira etapa, o foco passou a ser o estabelecimento de acordos de compromisso com essas empresas na adoção de práticas de medição das emissões.

“Ao longo dos quatro anos, a parceria aumentou de 55% para 98% o engajamento de um grupo específico de fornecedores”, diz Fabiana Paixão, coordenadora de Desenvolvimento de Fornecedores da Vale. “Nesse período, 575 fornecedores da Vale aderiram de forma voluntária à iniciativa.”

Desde então, os fornecedores que aderiram ao projeto do CDP reportaram uma redução nas emissões equivalente à retirada de circulação, durante um ano, de 83 milhões de carros compactos — ou 350 milhões de toneladas de CO².

O poder da inovação

Além disso, a mineradora estabeleceu parcerias diretas com empresas de sua cadeia de valor. “Assinamos acordos para desenvolver soluções de descarbonização com mais de 50 clientes, que representam 35% das nossas emissões de escopo 3, o equivalente às emissões da Nova Zelândia”, afirma Fabiana.

Um deles, inclusive, foca no controle das emissões de um dos setores posteriores ao da própria mineração. No caso, o siderúrgico. Depois de 20 anos de estudos, no Centro Tecnológico de Ferrosos, em Minas Gerais, a companhia chegou ao briquete — material composto por minério de ferro e aglomerantes, que pode utilizar areia proveniente de rejeitos para a sua produção.

Além de não usar água, o briquete pode ser trabalhado em temperaturas mais baixas, o que, segundo a Vale, pode reduzir em até 10% a emissão de GEE da indústria siderúrgica.

Em dezembro de 2023, a mineradora inaugurou, na unidade Tubarão, no Espírito Santo, a primeira fábrica de briquete do mundo. Com a meta de reduzir em 15% as emissões do escopo 3 até 2035, a Vale emitiu, por meio de sua cadeia indireta, 451,2 milhões de toneladas de CO² no ano passado — volume 14,8% inferior ao de 2018.

Graças à parceria da Vale com a ONG CDP, o engajamento à medição de gases de efeito estufa de um grupo específico de fornecedores aumentou de 55% para 98%, diz a executiva Fabiana Paixão (Foto: Divulgação/Vale)

Os briquetes desenvolvidos pela Vale podem reduzir em até 10% a pegada de carbono da siderurgia (Foto: Gabriel Lordello/Mosaico Imagem)

“Dada a complexidade de gerir emissões e metas na cadeia de valor, principalmente para produtores de commodities, a Vale revisará a meta de escopo 3 a cada cinco anos”, diz Vivian MacKnight, gerente-geral de Mudanças Climáticas da mineradora.

Se não há futuro verde sem inovação, a criatividade dos empreendedores das tecnologias minerárias é ainda mais fundamental no difícil controle das emissões do escopo 3. Startups de todo o mundo buscam novas soluções para antigos problemas.

Criada em Salvador, em 2022, a DeCARB chegou ao protótipo de um equipamento capaz de retirar o carbono da tubulação industrial de empresas mineradoras. “O gás emitido pela planta passa pelo equipamento, o CO2 é retido e o que sai é ar”, diz o CEO Fábio Pietrobon. A tecnologia usa resíduo orgânico como matéria-prima.

Pelos testes realizados até agora no programa da Fiemg Lab, hub de inovação da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais, o sistema da DeCARB consegue evitar que 99% do CO² chegue à atmosfera. “A concentração de CO2 que sobra, a partir do equipamento, é menor do que tinha na época da Revolução Industrial”, afirma o executivo.

Por ano, cada aparelho poderia capturar até 170 mil toneladas do gás — ou a emissão diária de 21 mil ônibus movidos a diesel.

Há de se ter pressa

Desde 2022, a startup já captou R$ 3,5 milhões, por meio de fomento privado e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii). Nas contas de Pietrobon, serão necessários pelo menos mais R$ 10 milhões, para avançar com o projeto. E, mantidas as perspectivas atuais, cada aparelho deve custar em torno de R$ 2,5 milhões e R$ 5 milhões.

A corrida pela redução das emissões indiretas está cada vez mais acelerada. A partir de 2027, será obrigatória a divulgação do impacto ambiental nos três escopos, conforme estabelecido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a partir das normas criadas pelo International Sustainability Standards Board (ISSB).

As emissões de escopo 1 referem-se à poluição lançada na atmosfera como resultado direto das atividades de uma empresa ou setor. Também indiretas, as de escopo 2 estão associadas única e exclusivamente ao uso da energia — seja proveniente da compra de eletricidade ou de processos de vaporização, aquecimento e/ou resfriamento.

Outro fator de impulso para a redução das emissões de GEE é a 30ª Conferência da Organização das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém, em novembro de 2025.





Fonte: NeoFeed

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