A urgência climática disparou no mundo todo uma corrida por tecnologias de transição energética. E, no centro desse movimento, estão os chamados minerais críticos e estratégicos — lítio, níquel, cobalto e terras raras, entre outros.
Eles são fundamentais para a fabricação de produtos capazes de promover a real descarbonização da economia, como as baterias de carros elétricos e a infraestrutura necessária para os parques eólicos, por exemplo.
O Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), em parceria com o Centro de Tecnologia Mineral (CETEM), do Rio de Janeiro, elaborou um estudo para subsidiar a elaboração de novos programas governamentais que fortaleçam a mineração e levem o país rumo ao futuro sustentável.
Intitulado Fundamentos para políticas públicas em minerais críticos e estratégicos para o Brasil, o documento já foi entregue à Comissão de Transição Energética, do Congresso Nacional.
“Analisamos o que foi feito em 17 países e na União Europeia, para entender o que seria recomendável também para o Brasil. Precisamos agregar valor à cadeia e não ficar só com a etapa da mineração”, diz o engenheiro de minas Julio Nery, diretor de sustentabilidade do Ibram. “Acreditamos que existe uma grande oportunidade que precisa ser aproveitada. Já perdemos outras, não podemos perder.”
Veja a seguir os principais trechos da conversa de Nery:
O que motivou a elaboração do relatório?
Com as evidências das mudanças climáticas, o mundo inteiro começou a pensar sobre minerais para a transição energética. Mas esse é um assunto antigo. A cada período da nossa história, ele volta. Houve os minerais críticos para a Segunda Guerra Mundial, por exemplo. E depois para a Guerra Fria. Hoje, o debate gira em torno de duas vertentes. Alguns países relacionam esses minerais à dependência econômica, mas a maioria se preocupa com a transição energética. Foi o que fizemos em nosso trabalho, relacionamos os estratégicos importantes para nossa balança comercial. Veja o que acontece com o potássio, usados na fabricação de fertilizantes e, consequentemente, essencial para o agronegócio: 95% do potássio que utilizamos vem de fora.
E quanto à transição energética?
Analisamos o que foi feito em 17 países e na União Europeia para entender o que seria recomendável também para o Brasil. Precisamos agregar valor à cadeia e não ficar só com a etapa da mineração. Acreditamos que existe uma grande oportunidade que precisa ser aproveitada. Já perdemos outras e não podemos perder a janela de oportunidade aberta pela transição energética.
A que perdas, o senhor se refere?
Na siderurgia, por exemplo. Temos jazidas de minério de ferro muito grandes e de excelente qualidade. Mas a nossa siderurgia avançou muito pouco ao longo do tempo. Nos anos 2000, o Brasil tinha capacidade instalada para produzir 30, 35 milhões de toneladas de aço. Os grandes produtores mundiais eram a China, Japão, Estados Unidos e Europa, cada um produzindo na faixa de 100 milhões de toneladas. Então a China disparou e hoje tem uma capacidade instalada na ordem de 1,3 bilhão de tonelada de aço. Em 2023, houve um excedente na produção chinesa e 100 milhões de toneladas foram colocadas no mercado para exportação. Isso causou um problema gigantesco para a siderurgia brasileira. Se a China, que está mudando sua economia do setor de infraestrutura para a de serviços, resolve colocar mais aço no mercado, isso vai ter uma influência muito negativa em cima dos produtores que não são chineses. Então, houve a oportunidade de crescermos em siderurgia, mas não soubemos aproveitá-la. Se tentássemos recuperar hoje, perderíamos dinheiro porque o produto chinês é mais barato.
Há quem questione o motivo pelo qual o Brasil só exporte minério de ferro e não aço.
Exportamos minério de ferro porque tem gente querendo comprar minério de ferro. Se eu fosse exportar aço, eu teria melhor rendimento? Não necessariamente. É aquela história: se você quer comprar uma geladeira, não adianta alguém te oferecer uma Ferrari pelo preço da geladeira. A necessidade dos chineses é comprar minério para produzir o aço. Então precisamos vender o que eles querem comprar — não o que queremos vender. Competir com eles hoje no aço não dá.
“Precisamos agregar valor à cadeia e não ficar só com a etapa da mineração”
Existe atualmente um movimento global de resistência à liderança da China nesses mercados. É uma boa oportunidade para o Brasil?
Diante da agressividade chinesa, a Europa resolveu que não quer ter mais de 65% do fornecimento de um insumo tido como crítico vindo de um só país. E a gente sabe que hoje 95% dos insumos críticos vêm da China. Então, se a Europa quer comprar de países que sejam próximos, tenham um regime estável e uma confiabilidade como fornecedores, o Brasil se encaixa nisso. Portanto, sim, essa é uma oportunidade para o Brasil. Também vemos os Estados Unidos buscando desenvolver frentes para comprar esses minerais de países com quem têm uma relação mais amigável. Recentemente recebemos no Ibram o representante da Secretaria de Estado de Energia americana, que sinalizou a intenção de fazer um acordo com o Brasil. Só não agora por causa da eleição, pois não seria ético.
No estudo, vocês mencionam a relação entre o desenvolvimento de uma política do setor minerário e a soberania nacional. Pode explicar melhor?
O agronegócio, por exemplo, é extremamente importante para a balança comercial brasileira e o setor depende do potássio, que importamos. Em 2022, quando começou a guerra na Ucrânia, o agronegócio foi ameaçado pois dois países que são fundamentais para o fornecimento de potássio para o Brasil: a Rússia e a Belarus, que, apesar de não estar envolvida na guerra, está na região e pode sofrer restrições de transporte. Felizmente não aconteceu nada disso. Mas, em termos geopolíticos, precisamos começar a repensar as decisões. É uma questão de segurança alimentar não só para o Brasil, como para o mundo. Afinal, somos hoje um dos celeiros globais na agropecuária.
Qual é a sua avaliação sobre as políticas públicas brasileiras para os minerais críticos e estratégicos?
Não podemos dizer que o Brasil não tem uma política pública para esses minerais. O Brasil tem, mas são várias. O Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços tem uma. O Ministério das Minas e Energia, outra. O Ministério da Ciência e Tecnologia, outra. Mas a gente precisa que elas conversem entre si. Se queremos, por exemplo, agregar valor ao lítio, que já exportamos, precisamos ter uma fonte de energia estável, de gás natural, para produzir carbonato de lítio. É isso que vamos usar na bateria, que não produzimos aqui. Além disso, tem a questão da infraestrutura. A gente precisa de estradas que consigam levar os insumos de forma rápida e barata. As rodovias cheias de buracos encarecem terrivelmente o custo do transporte. Para essa agregação de valor, precisamos ter aqui uma fábrica de baterias. E, qual é o maior produtor de bateria no mundo hoje? A China.
“Nosso principal produto de exportação mineral, o minério de ferro, não pode estar na lista do chamado ‘imposto do pecado’, junto com cigarro e a bebida”
É preciso rever, então, a política industrial brasileira?
É necessário uma política industrial que atraia essas indústrias para estabelecer no Brasil. Para isso, precisamos de estabilidade jurídica, de estabilidade tributária… O minério de ferro ganha um adicional com o Imposto Seletivo. Nosso principal produto de exportação mineral não pode estar na lista do chamado “imposto do pecado”, junto com cigarro e a bebida. O Imposto Seletivo é para aqueles produtos que queremos desestimular a produção. Precisamos que as regras sejam mais claras. Isso vale para os licenciamentos ambientais.
O senhor tocou agora em um ponto bastante sensível: o impacto ambiental e social causado pela mineração e a exigência para que a atividade siga os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável (ODS), da ONU.
A mineração tem um potencial grande de poluição — em termos de ruído, poeira, estabilidade de encosta e de barragem, por exemplo. Precisamos criar formas para mitigar esse impacto, para que ele não ocorra. É claro que vai haver remoção de vegetação para fazer a exploração da mina. Mas é preciso ter técnicas que consigam fazer essa reabilitação da área depois.
Tem como zerar o impacto?
Zerar é impossível. Qualquer atividade humana tem impacto ambiental. No caso da mineração, ao implantar uma mina grande, vamos causar um impacto grande. Uma pode ter dois quilômetros de extensão; 200, 300 metros de profundidade… vai gerar um grande volume de rejeitos. Mas eu tenho que ter condições de fazer a reabilitação da área depois que essa estrutura estiver pronta. O parque Ibirapuera, em São Paulo, por exemplo, era uma área de lavra de areia, em 1958. E o que foi feito lá? Foi feita uma reabilitação e o parque foi criado em cima dessa área. Hoje você pode dizer que o parque não é sustentável? Não. Aliás é muito bem usado. Aqui, em Belo Horizonte, a gente tem um exemplo parecido, o Parque das Mangabeiras. Em Curitiba, o Parque Pedreira Paulo Leminski, onde está a Ópera de Arame. Eram todas áreas exploradas pela mineração.