Desde o início do ciclo recente de elevação das taxas de juros, três bancos centrais do Primeiro Mundo (dos Estados Unidos, da União Europeia e do Reino Unido) iniciaram uma corrida para saber quem conseguiria atingir primeiro a meta de inflação anual de 2% — o que colocaria o vencedor em condições de finalmente começar a baixar os juros.
Coube ao Banco da Inglaterra (BoE), o BC britânico – considerado o “azarão” nessa disputa -, fazer o anúncio na quarta-feira, 19 de junho, do grande feito, com a inflação de maio atingindo 2% ao ano, índice obtido pela última vez em julho de 2021.
Embora o número represente um marco para a economia do Reino Unido sob o governo do primeiro-ministro Rishi Sunak após o pior aumento inflacionário numa geração, não houve comemoração. A aparente contradição se deve ao grande vilão atual da economia britânica, a inflação de serviços, que continuou elevada mesmo com a queda gradual e segura do índice geral de preços no país.
Enquanto o índice geral de inflação em maio foi de 2%, a de serviços fechou o mês em 5,7%, puxado por aumentos de 14,9% de passagens aéreas e entre 6% e 11% de um combo de serviços (que inclui uma refeição quente no pub, um prato principal no restaurante, taxas de babá, comida para viagem e ingressos para teatro).
Além da inflação de serviços, o núcleo de inflação (que exclui alimentos e energia) também seguiu em elevação em maio, atingido 3,5%.
Com isso, não surpreende que a possibilidade de a política monetária do BoE baixar os juros, hoje em 5,25% ao ano (só perde para os EUA entre as nações ricas, com teto de 5,5% ao ano) tenha caído ainda mais depois da divulgação dos dados da inflação.
O mercado de futuros sugere agora que a probabilidade de um corte nas taxas de 0,25 ponto percentual até agosto é inferior a um terço, abaixo dos 45% registados pouco antes da publicação dos dados.
Parte desse pessimismo foi alimentado pelo próprio BoE, que em reunião recente previu que a inflação geral, mesmo em queda, aumentaria novamente no final deste ano, aproximando-se de 2,6% no último trimestre. Ou seja, a redução seria passageira, à medida que o impacto da queda dos preços da energia se dissipar.
Recuperação tardia
Mesmo com uma perspectiva ainda distante de queda de juros, a inflação na meta foi destacada pelo primeiro-ministro Sunak.
“Eu sei que tivemos muitos choques, mas seguimos um plano, tomando medidas que nem sempre foram fáceis e chegamos lá”, disse. “A inflação voltou à meta e isso significa que as pessoas começarão a sentir os benefícios e a aliviar alguns dos encargos sobre o custo de vida.”
O tom de consolo das declarações de Sunak reflete o longo pesadelo do Reino Unido, que teve início em 2016 com o Brexit, o polêmico plebiscito que aprovou a saída do país da União Europeia (UE), prosseguiu com a pandemia e com a guerra entre Rússia e Ucrânia e piorou com o atual ciclo de inflação e juros altos.
Neste período, o país teve cinco primeiros-ministros, todos conservadores. Só em 2020, durante a pandemia, a economia britânica caiu 11%, pior desempenho em 300 anos.
A inflação atingiu 11,1% em outubro de 2022, índice mais elevado no atual ciclo que o pico registrado no mesmo mês pela zona do euro (10,6%) e pelos EUA pouco antes, em junho (9,1%). Entre dezembro de 2021 e agosto de 2023, o BoE aumentou a taxa de juros 14 vezes, mais que o Federal Reserve, o BC americano, que subiu 11 vezes.
Sunak teve atuação decisiva na recuperação econômica britânica. Ele assumiu o cargo de primeiro-ministro em dezembro de 2022, em meio a uma crise política e econômica gravíssima, causada por decisões equivocadas da antecessora, Liz Truss, que ficou apenas 49 dias no cargo.
Em plena crise, Truss decidiu cortar impostos, bancando a diferença emitindo títulos da dívida. Com poucos dias no governo, Sunak anunciou um pacotaço de 55 bilhões de libras esterlinas que gerou um aperto financeiro aos britânicos sentido até agora.
Mesmo com a queda da inflação, os preços globais dos alimentos ainda são 30% mais elevados do que em maio de 2021, antes de subirem após a invasão da Ucrânia pela Rússia. Neste mesmo período, os preços da energia e dos bens subiram 40% e 21%, respectivamente.
No mês passado, ainda sob impacto dos preços elevados, Sunak , desgastado, convocou eleições antecipadas para 4 de julho. O anúncio da inflação atingindo a meta, porém, não deve salvar o atual primeiro-ministro britânico.
A oposição trabalhista tem 20 pontos percentuais de vantagem nas pesquisas e deve interromper o ciclo de governos conservadores que tirou o Reino Unido da União Europeia e viveu o pior ciclo econômico do país em décadas.