Na programação de lançamentos do 81º Festival Internacional de Cinema de Veneza, na Itália, poucos diretores presentes foram tão aclamados quanto Pedro Almodóvar.
O cineasta espanhol nunca se furtou a abordar temas controversos. Ele é famoso por retratar estruturas familiares não convencionais e pelas suas histórias de sexualidade e emocionalmente complexas, baseadas em mulheres.
Sua filmografia rendeu ao diretor um culto de seguidores, tanto nos círculos de cinéfilos quanto na mesa de jantar das famílias.
Seu filme mais recente é The Room Next Door, que estreou no Festival de Cinema de Veneza. E não é exceção —ele aborda um dos últimos tabus da sociedade moderna: a eutanásia.
Diferentemente de todos os seus filmes anteriores, esta é a primeira obra de Almodóvar em língua inglesa.
Adaptado do romance O Que Você Está Enfrentando, da escritora norte-americana Sigrid Nunez (Ed. Instante, 2021), o filme acompanha duas mulheres, interpretadas pelas atrizes Tilda Swinton e Julianne Moore.
Swinton retrata uma mulher que decide pôr fim à sua vida por sua própria vontade, enquanto a personagem de Moore é uma amiga de longa data que enfrenta a carga emocional de apoiar sua decisão.
O filme não promove uma visão estoica da morte. Almodóvar convida o espectador não só a presenciar o debate filosófico em torno do suicídio assistido, mas a sentir todo o espectro de emoções íntimas e confusas decorrentes de enfrentar o fim da vida: medo, ansiedade, arrependimento e luto.
O debate sobre a legalização
O que terá inspirado Almodóvar a abordar um tema sensível e controverso como a eutanásia?
No festival de cinema, o diretor explicou que o filme foi uma forma de comunicar sua forte convicção de que a eutanásia deveria estar disponível “em todo o mundo”.
A eutanásia é legal na Espanha desde 2021. Naquele ano, foi criada uma lei que permite que adultos portadores de doenças “sérias e incuráveis” que causem “sofrimento insuportável” coloquem fim às suas vidas.
Para Almodóvar, “deveria ser possível ter isso em todo o mundo. Deveria ser regulamentado; o parecer do médico deveria ser suficiente”, conforme declarou aos jornalistas.
No Brasil, a eutanásia é considerada ilegal.
No Reino Unido, a legalização do suicídio assistido permanece um assunto controverso. Um exemplo é o famoso caso de Noel Conway, que sofria de doença do neurônio motor e levou sua campanha à Suprema Corte britânica, em 2018.
Ele defendia que um médico fosse autorizado a prescrever uma dose letal quando sua saúde se deteriorasse. Pela lei atual, o médico que fizesse a prescrição estaria sujeito a 14 anos de prisão.
Conway apresentou à Suprema Corte uma ação contra a proibição em 2018, mas perdeu o recurso. Ele morreu em casa, em 2021.
Almodóvar defende que pessoas como Conway tenham o direito de reivindicar autonomia sobre seus últimos momentos, como é ilustrado no filme. O diretor explica que “não é um filme sobre a morte – é sobre a vida, sobre a liberdade de decidir qual tipo de vida queremos ter, até o final”.
Tilda Swinton concorda. Ela chama o filme de “uma celebração sobre o controle e a autonomia”. Já Julianne Moore acrescenta que “é sobre apoiar alguém no seu momento mais vulnerável”.
Mudanças climáticas
Almodóvar também usa o filme para expressar sua ansiedade sobre as mudanças climáticas.
Esta questão é incorporada pelo personagem Damian, interpretado por John Turturro. Ele é um escritor que oferece palestras niilistas sobre o tema, para forte decepção das pessoas à sua volta.
Durante o festival de cinema, Almodóvar declarou à imprensa que o filme se concentra no “estado do planeta e no estado das pessoas”.
“Você precisa ser o dono da sua própria experiência”, explica ele.
Swinton concorda também neste ponto. “Penso neste filme, em primeiro lugar, como uma história de amor entre Ingrid e Martha… e também sobre a evolução, seja em termos de guerra ou catástrofe climática”.
“Existe no filme a fé na necessidade e na inevitabilidade da evolução, independentemente da direção a que ela nos leve.”
Recepção controversa
Na sua estreia durante o Festival de Cinema de Veneza, The Room Next Door foi aplaudido de pé por sonoros 18 minutos.
Almodóvar tomou a decisão não convencional de se juntar à plateia para também aplaudir.
A reação dos críticos também foi amplamente positiva. O crítico Xan Brooks, do jornal britânico The Guardian, classificou o filme de “um caso belo, incisivo e sensível”.
Já Owen Gleiberman, da revista americana Variety, elogiou o desempenho “monumental” de Swinton.
Mas outras críticas foram menos elogiosas. Robbie Collin, do jornal britânico The Telegraph, concedeu ao filme apenas duas estrelas.
Para ele, a obra é “uma decepção grosseira” e “os papéis parecem exigir muito pouco das duas atrizes”.
Ainda assim, The Room Next Door está destinado a ser um dos filmes mais comentados da temporada de premiações. Ele irá gerar discussões importantes sobre a vida, a morte e o direito de escolha.
Como disse Almodóvar na estreia em Veneza, “todos nós temos um quarto ao lado, um lugar onde acabaremos enfrentando a nós e às nossas vidas”.
“Minha esperança é que este filme dê às pessoas a permissão de falar sobre aquela sala, mesmo que seja um tanto desconfortável.