O mundo parece estar de “pernas para o ar”. Uma pandemia, a atual epidemia de dengue com números jamais observados, recordes de temperatura e eventos extremos em todas as regiões do planeta, guerras, crises humanitárias e destruição ambiental.
Enquanto tudo isso acontecia (e acontece) há uma pandemia silenciosa em curso: o rápido aumento da obesidade na população mundial (inclusive em países ricos), ocorrendo em paralelo com o baixo peso. Silenciosa por não receber a atenção devida e, portanto, ainda não ter sido alvo de políticas públicas urgentes para prevenir uma crise de saúde pública. Dados divulgados recentemente pela rede de pesquisadores NCD-RisC, que estuda fatores de risco para doenças não transmissíveis, mostram que o percentual da população de adultos com 20 anos ou mais que era obesa passou de 6,8% em 1990 para 12,3% em 2022. Ou seja, mais de 984 milhões de adultos no mundo eram obesos em 2022 (em cada 100 indivíduos, 12 eram obesos).
Entre crianças e adolescentes (19 anos ou menos), a prevalência da obesidade também aumentou entre 1990 e 2022. Cerca de 65 milhões de meninas e 94 milhões de meninos eram obesos em 2022. Já o baixo peso se reduziu na maioria dos países, tanto para adultos como para crianças e adolescentes.
No Brasil, dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), do Ministério da Saúde, já vem mostrando essa tendência de aumento da obesidade e sobrepeso desde 2006 (quando o Vigitel foi lançado).
Conduzido em todas as capitais e no Distrito Federal, o Vigitel mostra que quase um quarto da população brasileira era obesa em 2023, o dobro do observado em 2006. Já a população com sobrepeso passou de 43% em 2006 para 61% em 2023. Entre adultos de 45 a 54 anos, o sobrepeso chega a quase 71%, enquanto 37% dos jovens de 18 a 24 já apresentam sobrepeso.
Entre crianças e adolescentes (faixa etária não contemplada pelo Vigitel), dados do NCD-RisC mostram que, no Brasil, cerca de 3% dos meninos e meninas eram obesos em 1990. Em 2022, 17% dos meninos e 14% das meninas eram obesos, enquanto cerca de 3% das crianças e adolescentes estavam abaixo do peso.
Importante ressaltar que, ainda que o relatório do NCD-RisC estime que tenha havido redução da população abaixo do peso, cerca de 43% da população brasileira enfrentava algum tipo de insegurança alimentar entre 2020 e 2022.
Estilo de vida sedentário, baixa frequência e duração do aleitamento materno, consumo de alimentos ultraprocessados e desigualdades sociais são alguns dos fatores que contribuem para a tendência de aumento da obesidade.
Ações para combater a obesidade não podem ser apenas direcionadas ao comportamento individual. Não adianta estimular atividade física sem garantir a segurança pública, tampouco promover dieta saudável se esta não for acessível aos mais vulneráveis.
Sem políticas públicas imediatas o cenário é preocupante. É esperado um aumento da prevalência de diabete tipo 2, problemas relacionados a hipercolesterolemia e hipertensão, problemas respiratórios, redução da mobilidade e sensibilidade nas articulações, queda da produtividade e transtornos mentais dentre outros. Enfim, uma queda na qualidade de vida e no capital humano.
Esses problemas se desenvolvem progressivamente, daí a necessidade imediata das políticas públicas para prevenir o pior. Sem elas, quem vai pagar a futura conta das consequências da obesidade? O SUS? O sistema privado? As famílias?
Em 1946, Josué de Castro escreveu “Geografia da Fome”. Hoje, o título seria a geografia do precário estado nutricional. Que esse livro não precise ser escrito.
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