Numa eleição presidencial nos Estados Unidos que deve manter o mesmo equilíbrio das duas anteriores, fazer previsão de quem vai ocupar a Casa Branca a partir de 2025 é uma tarefa difícil – nem as pesquisas são confiáveis, pois erraram feio em 2016 e 2020.
“Não tenho a mínima ideia quem vai ganhar a eleição este ano”, admite Jon Lieber, chefe de pesquisa e diretor para os EUA do Eurasia Group, consultoria global de risco político. Ele participou nesta segunda-feira, 14 de outubro, de um painel do Macro Vision, evento do Itaú BBA, no qual discutiu vários aspectos da eleição presidencial dos EUA.
Embora tenha reconhecido “leve favoritismo” para o candidato republicano Donald Trump – que nas pesquisas mantém pequena vantagem sobre a democrata Kamala Harris –, o fato de esta eleição ter uma vice-presidente dos EUA disputando a Casa Branca com um ex-presidente torna a corrida ainda mais competitiva.
Diante de tanto equilíbrio, temas candentes que surgem durante a campanha eleitoral podem motivar desde o registro para votar (nos EUA, o voto é facultativo) até a mudança de intenção de voto. Nesta eleição, afirma Liber, a questão do aborto pode ser um catalisador desse fenômeno.
Dois fatores ajudaram a aumentar a polêmica em torno do aborto. A primeira foi a nomeação de um juiz conservador para a Suprema Corte, feito pelo então presidente Donald Trump, o que levou à revogação da histórica lei Roe x Wade, de 1973 – na qual a Suprema Corte garantiu às mulheres a opção de fazer um aborto sem qualquer restrição governamental.
O segundo fator, efeito do primeiro, foi a convocação de referendos em dez estados para assegurar a manutenção do direito de aborto, o que vem gerando mobilização feminina, em especial entre mulheres jovens e negras.
“A atual campanha está sendo marcada por uma forte disputa de gênero, com jovens homens raivosos de um lado e jovens mulheres raivosas de outro”, diz Lieber, citando o crescente apoio de Trump entre os jovens americanos.
Ciente que a questão do aborto pode lhe roubar votos, o ex-presidente tem acenado ao público jovem masculino prometendo reduzir o imposto para compra de carros. Harris, por sua vez, vem usando o tema para atrair o voto feminino.
Liber observa que o aborto pode ter efeito decisivo não só nos dez estados onde ocorrerá referendo sobre o tema, como nos chamados estados pêndulos – que não têm necessariamente uma identificação ideológica ou partidária fixa.
Dos sete estados-pêndulo, dois farão referendo sobre aborto: Arizona e Nevada. “A forma como o referendo receber apoio pode mudar o voto nesses estados”, adverte. Diferentemente dos demais estados, cuja intenção de voto em um outro candidato é relativamente conhecida, as pesquisas não conseguem apurar com acuidade a preferência do eleitor nessa e em outras questões.
Pesquisas falhas
“Cerca de 40% das pesquisas feitas mostram ou vitória de Trump ou vitória de Harris em todos os sete estados-pêndulos”, diz. Nas eleições anteriores, o problema era o mesmo. Em Wisconsin, por exemplo, as pesquisas erraram em 10 pontos percentuais os votos para Trump em 2016, durante a disputa contra Hillary Clinton, e voltaram a errar na disputa de Trump contra Biden.
“A intenção de voto dos estados menos populosos é superestimada, principalmente quando dão vantagem para os republicanos”, afirma.
Ele cita alguns estados que eram republicanos até Trump virar presidente, passando a votar com os democratas na última eleição, como Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. “Houve uma importante mudança na Georgia, com os afro-americanos votando em peso nos democratas, assim como em Nevada.”
Mas a questão da imigração – ponto forte da campanha de Trump, que promete expulsar os ilegais – tem tido apoio no Arizona, estado que havia se “convertido” aos democratas na última eleição.
O chefe de pesquisa da Eurasia também adverte sobre o plano de Trump de instalar uma “administração paralela” dentro do Federal Reserve, (o banco central norte-americano), para forçar o presidente do Fed, Jerome Powell, a renunciar antes do fim de seu mandato.
“Criar um Federal Reserve paralelo pode erodir a confiança do mercado em um Fed independente. Isso teria impactos globais em mercados”, afirma.
Liber acredita que a vitória de Harris deve trazer um cenário de poucas alterações no curso da política monetária. Segundo ele, os temas tarifas comerciais e imigração marcam a maior diferença entre os candidatos.
“Sob Trump, é possível prever um aumento de tarifas, gerando um rompimento do fluxo de exportações globais da China para outros países, mas as sanções comerciais podem atingir também países que mantêm relações com a China e são próximos aos EUA, como México”, diz.