O deputado Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ) está colhendo assinaturas para a criação de CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) que se propõe a investigar eventuais ilegalidades praticadas por planos de saúde como rescisões de contrato injustificadas e reajustes abusivos de contratos coletivos por adesão.
O início da coleta de assinaturas foi anunciado em audiência pública realizada na última quarta (15) na Comissão de Defesa do Consumidor, da Câmara dos Deputados, para discutir o crescente número de rescisões de contratos coletivos, entre eles idosos, pessoas em tratamento, crianças com TEA (Transtorno do Espectro Autista), com síndromes raras e paralisia cerebral.
Conforme revelou a Folha, até uma idosa de 102 anos recebeu aviso de cancelamento do plano que tem há mais de 30 anos e paga R$ 9.300 de mensalidade. A operadora recuou da rescisão após a repercussão do caso.
As reclamações de consumidores sobre as rescisões unilaterais dispararam. O Procon de São Paulo, por exemplo, constatou um aumento de 85% entre abril e maio deste ano. Na ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), a alta foi de 99% no trimestre em relação a igual período de 2023. Esses cancelamentos são permitidos pela atual legislação que rege os planos de saúde coletivos.
“Simplesmente cancelam esses contratos, muitas vezes por um e-mail. No meio de um tratamento de um câncer, no meio de tratamentos extremamente necessários. E o que ocorre? Agravamento da doença, endividamento das famílias que estão no desespero e acabam contratando crédito para fazer o custeio particular”, disse Robson Campos, do Procon-SP.
Na audiência, entidades de defesa do consumidor e parlamentares afirmaram que as operadoras estão promovendo seleção de risco e discriminação de beneficiários, excluindo de suas carteiras pacientes mais custosos. Isso é vetado pela legislação.
Segundo Lucas Andrietta, coordenador do programa de saúde do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), as notificações de cancelamento frequentemente ocorrem quando as pessoas mais precisam de cobertura. “São pessoas idosas ou com doenças ou que precisam de tratamentos mais caros.”
Entre outras questões, a CPI pretende investigar se está ocorrendo essa seleção de risco e trazer a público informações como a evolução do número de cancelamentos e o perfil dessas rescisões. Para a criação, é preciso que um terço dos deputados assine o requerimento de instalação.
Outra reivindicação das entidades de defesa do consumidor é a garantia de acesso dos beneficiários à cópia do contrato coletivo e mais transparência nos cálculos que levam aos reajustes das mensalidades. “São coisas básicas e que ainda não estão garantidas”, afirmou Andrietta.
Para Vitor Hugo Ferreira, da Secretaria Nacional de Defesa do Consumidor, a resolução da ANS que permite a rescisão unilateral dos planos coletivos por adesão não pode ser superior à legislação de defesa do consumidor e que isso precisa ser corrigido.
Carla Soares, que representou a ANS na audiência pública, lembrou que a lei dos planos proíbe apenas o cancelamento unilateral de contratos individuais. Ela reforçou, porém, que as operadoras não podem selecionar consumidores específicos que terão planos cancelados, mas sim contratos inteiros.
“É vedada a seleção de risco em qualquer modalidade de plano de saúde não só em relação ao ingresso do beneficiário em um plano mas também numa situação de cancelamento. Ninguém pode ser impedido em razão da idade ou da condição de saúde ou doença.”
Segundo ela, deve ser respeitado o prazo mínimo de 12 meses de contrato para o cancelamento. Além disso, devem ser garantidos os tratamentos em curso.
Já as entidades que representam os planos negaram a prática de seleção de risco. Alegam que as rescisões unilaterais estão previstas em contratos e na lei dos planos e que se trata de um recurso necessário para garantir a qualidade da assistência ao conjunto de beneficiários e a manutenção do equilíbrio financeiro do setor.
“É sempre a última atitude na gestão de uma carteira”, disse Marcos Novais, da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde).
Segundo ele, as operadoras apresentaram resultado negativo de R$ 17 bilhões nos últimos três anos e estão buscando o equilíbrio de suas contas. Entre 2022 e 2023, a ANS encerrou a operação de 138 empresas por falta de sustentabilidade financeira.
De acordo com Novais, o percentual de operadoras que estão trabalhando no negativo saltou de 31,4%, entre 2018 e 2019, para 55,6% entre 2022 e 2023. Cerca de 23 mil usuários estão vinculados a essas empresas.
Ele afirma que fatores como a rápida incorporação de novas tecnologias, a ausência de protocolos para terapias, por exemplo, as propostas a pacientes com TEA), e a os casos levados à Justiça têm gerado altos custos ao setor, que resultam no aumento da sinistralidade e em reajustes mais elevados.
Como exemplo, Novais citou a incorporação do Zolgensma, medicamento para atrofia muscular espinhal, que custa cerca de R$ 10 milhões. Ele disse que 379 operadoras faturam menos de R$ 7 milhões por mês.