A Microsoft fechou um acordo de US$ 10 bilhões com a Brookfield Asset Management para financiar a criação de grandes parques eólicos e solares nos Estados Unidos e na Europa, entre 2026 e 2030.
Os parques a serem construídos terão capacidade de geração online de energia de 10,5 gigawatts (GW). Esse volume, suficiente para abastecer uma cidade de 7 milhões de habitantes, será utilizado exclusivamente para satisfazer o consumo voraz de energia elétrica de seus datacenters.
Os data centers são, ao mesmo tempo, heróis e vilões do rápido desenvolvimento das ferramentas de Inteligência Artificial (IA). A boa notícia é que, com o avanço da IA, está em curso um aumento gigantesco da capacidade de processamento de dados gerados por data centers e por outras tecnologias digitais, como Internet das Coisas (IoT) e 5G.
A má notícia é que esse avanço da IA está chamando a atenção para uma previsão preocupante, ignorada pela maioria dos países: vai faltar energia no mundo para dar conta do aumento dessa capacidade de processamento de dados.
O temor de uma escassez global de energia a médio prazo, que motivou o investimento bilionário da Microsoft, está longe de ser alarmista.
Um data center turbinado com processadores alimentados por IA, por exemplo, consome 20 vezes mais energia elétrica que um data center normal. E a demanda de energia nesses locais crescerá a uma taxa anual de 15% entre 2023 e 2030.
Apenas os EUA, que abrigam um terço de todos os data centers do mundo, terão de acrescentar 47 gigawatts (GW) de capacidade de geração de energia até 2030 – o equivalente a mais de três usinas de Itaipu – para dar conta dessa demanda.
Em termos globais, a previsão é igualmente sombria. Um relatório recente da Agência Internacional de Energia (AIE) indica que, até 2026, os data centers poderão consumir globalmente cerca de 1.000 terawatts-hora (TWh) de eletricidade, mais que o dobro dos níveis de 2022 e o equivalente ao consumo anual de energia elétrica do Japão.
Novo modelo de negócios
Não há tempo a perder. Diante desse risco, gigantes techs, países e instituições financeiras já começaram a se mexer. E o Brasil pode se dar bem nessa corrida.
A Índia, que apenas recentemente começou a ampliar sua infraestrutura de energia elétrica, decidiu retardar o investimento em fontes renováveis, como eólica e solar, e retomar a exploração de usinas a carvão para dar conta do aumento de geração de energia.
Nos EUA, onde os data centers devem mais que dobrar sua cota anual de consumo de energia elétrica do país, a demanda por mais energia virou um grande negócio.
O banco de investimento Goldman Sachs criou dois fundos de investimentos – Power Up America e Data Center Equipment – para clientes que buscam formas alternativas de aproveitar a próxima explosão de IA.
Os fundos investem em empresas voltadas para geração de energia, incluindo subsidiárias locais de usinas de energia elétrica, empresas que desenvolvem infraestrutura de redes inteligentes e de matérias-primas voltadas para geração de energia, entre outras.
De janeiro a abril deste ano, o fundo Power Up subiu quase 28% e o de equipamentos para data centers, mais de 18% – um ótimo negócio, considerando que o setor de tecnologia do S&P 500, normalmente de elevada rentabilidade, valorizou-se apenas 8,3% nesse mesmo período de 2024.
A aderência aos fundos do Goldman Sachs é resultado da impressionante projeção de investimentos de capital, de US$ 50 bilhões até 2030, para ampliar a capacidade de geração de energia dos EUA.
Em 2023, foram anunciados vários acordos corporativos semelhantes ao da Microsoft, cobrindo um recorde de 46 GW de capacidade solar e eólica. A própria Brookfield – uma das maiores desenvolvedoras mundiais de energia renovável – já havia fechado compromisso de venda de energia com a Amazon.
O tema ganha complexidade porque a demanda de energia tende a crescer em proporções geométricas num momento que a maioria dos países está reavaliando sua matriz energética, apostando no desenvolvimento de fontes renováveis, como energia eólica e solar.
No acordo com a Brookfield, a Microsoft comprometeu-se a garantir que 100% do seu consumo de eletricidade seja “correspondido” por “compras de energia com zero carbono” até 2030, utilizando mecanismos que incluem acordos de compra de energia e certificados de energia renovável.
Brasil na frente
Nesta equação para aumentar a capacidade de energia e, ao mesmo tempo, reduzir as emissões, leva vantagem o país que conseguir usar as fontes renováveis como alavanca desse aumento de produção de energia.
Nesse sentido, o Brasil saiu na frente. Enquanto 84,8% da matriz elétrica brasileira é composta por fontes renováveis, a média global desse índice é de apenas 28,1%.
O País tem, portanto, potencial de ocupar a liderança global de vários segmentos de energia do futuro, como biodiesel, hidrogênio verde e HVO, e também capacidade suficiente para abrigar os data centers da era da inteligência artificial.
Em entrevista recente ao NeoFeed, André Clark, vice-presidente sênior para a América Latina da Siemens Energy, grupo global de geração e distribuição de energia, afirmou que, com sua política energética, o Brasil criou uma imagem de neutralidade verde para o mundo.
“O Brasil, na sua confiabilidade geopolítica e neutralidade benigna, pode ser o centro seguro e confiável de alocação desses data centers da era da inteligência artificial”, disse Clark.
Ewerton Henriques, diretor de infraestrutura do Banco Fator, também acredita no potencial de o Brasil abrigar esses data centers, não só pela sua grande capacidade de geração de energia limpa.
“As sucessivas crises internacionais vêm causando aumento dos custos de energia e levando muitos países a serem obrigados, cada vez mais, a utilizar recursos poluentes e não renováveis, e isso tende a favorecer o Brasil no médio prazo”, afirmou Henriques.
A Índia vive um dilema nesta questão. De acordo com a AIE, até 2050, apenas os aparelhos de ar-condicionado indianos deverão utilizar mais energia do que a que África inteira consome atualmente.
O impulso do governo indiano às energias renováveis, cujo uso deve triplicar nas próximas décadas, é insuficiente para dar conta da procura. Por isso, a Índia decidiu ampliar os atuais 30 gigawatts de usinas a carvão em construção, segundo o Global Energy Monitor.
Os EUA estão em situação melhor. As energias eólica e solar representaram cerca de 14% da produção de eletricidade no ano passado, enquanto o gás natural, a maior fonte de energia do país, foram responsáveis pela maior fatia, 43%.
“Vamos precisar de todas as energias renováveis e gás natural que pudermos”, advertiu Murray Auchincloss, executivo-chefe da British Petroleum (BP), sobre o crescimento da IA em uma recente teleconferência de resultados.
Ou seja, da forma como a demanda de energia vem crescendo, em parte por “culpa” da inteligência artificial, a descarbonização da economia global corre o risco de ter de esperar além de 2050 para atingir sua meta de redução.