Por que as grandes fortunas brasileiras estão de olho na Itália

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No início do ano, Portugal frustrou o plano de milionários brasileiros que estudavam mudar o domicílio fiscal para pagar menos imposto sobre a renda. Em outubro, o país do poeta Fernando Pessoa extinguirá os incentivos que permitiam que estrangeiros fossem residentes não habituais. Se os portugueses dizem adeus, em um outro país europeu continua sendo benvenuto.

A Itália ainda tem um regime diferenciado para os investimentos offshore. Aderente do ‘tax flat’, o país demanda € 200 mil anuais do requerente do regime (mais € 25.000 para cada membro da família residente) em vez de cobrar uma alíquota percentual sobre os rendimentos offshore. Esse valor foi atualizado recentemente, em 9 de agosto. Anteriormente, o valor fixo era de € 100 mil anuais, mas a taxa foi considerada defasada.

O NeoFeed conversou com family offices e escritórios de advocacia que relatam o aumento do interesse dos clientes milionários para morar no exterior, após o descontentamento com as recentes investidas do governo brasileiro para aumentar a arrecadação. Em especial, com a taxação anual dos rendimentos das offshore em 15%, que foi aprovada no fim do ano passado. Até então, só eram tributados quando remetidos ao Brasil.

“Já havia um fluxo importante de brasileiros avaliando mudar de residência fiscal nos últimos anos e esse fluxo aumentou consideravelmente depois das medidas arrecadatórias, em especial a lei das offshore”, afirma Erlan Valverde, sócio da área de planejamento patrimonial e sucessório da TozziniFreire Advogados.

A pedido do NeoFeed, o FCAM Advogados, especializado em tributação e planejamento patrimonial que atende a grandes wealth managers no Brasil, fez uma simulação para entender qual é o patrimônio mínimo que faria da Itália um regime tributário mais atrativo.

De acordo com a banca de advocacia, o montante seria cerca de € 30 milhões – aproximadamente R$ 200 milhões. Considerando um rendimento anual de 5% ao ano em aplicações offshore, tem-se cerca de € 1,5 milhão em rendimentos. E aplicando a alíquota brasileira de 15%, daria um imposto de € 225 mil por ano – acima do novo ‘tax flat’ italiano.

“O ‘sarrafo’ subiu, mas para quem tem patrimônio elevado, na casa de centenas de milhões, vale muito a pena. A Itália ainda segue como um dos destinos mais amigáveis às grandes fortunas”, afirma Rafael Perito, sócio da área de private clients e family offices da FCAM Advogados.

Existem algumas condições para poder ser elegível ao regime italiano. O requerente (e qualquer membro da família) deve ter residido fora da Itália por, pelo menos, nove anos antes do dia da solicitação. E a estrutura offshore não pode estar em paraísos fiscais – isso varia de país para país, mas estão na lista Mônaco, Ilhas Cayman, Curaçao, Maldivas, Emirados Árabes Unidos, entre outros. A condição especial dura por até 15 anos.

“Estamos vendo sim uma maior procura de brasileiros, com mais family offices nos consultando, analisando morar na Itália. Que tem sido um destino bastante procurado não apenas por brasileiros, mas por contribuintes de outras jurisdições que buscam o mesmo benefício”, afirma Valverde, do TozziniFreire Advogados.

A Itália sai na frente na preferência de outros países com até melhores incentivos fiscais pela sua localização e estilo de vida. E os wealth managers seguem fazendo contas, mas se tornar um cidadão italiano – mesmo para os estimados 30 milhões de brasileiros descendentes – não é tarefa simples.

E o problema não está no reconhecimento da ligação. A lei italiana permite que qualquer descendente seja reconhecido, mesmo que o parente mais distante não tenha solicitado a cidadania ou que o sobrenome tenha se “perdido” entre as gerações ou em matrimônios (no caso das mulheres).

Segundo o advogado italiano radicado no Brasil, Davi Manzini, fundador da assessoria que auxilia ítalo-descendentes no reconhecimento da dupla cidadania, Nostrali Cidadania Italiana, a fila de espera para esse reconhecimento em consulados no Brasil chega a 10 anos, não sendo nem possível visualizar e acompanhar o processo.

“A verdade é que a Itália não investe em melhorar os processos e os consulados estão lotados de requerentes que buscam cidadania para viajar, estudar fora ou ter uma carta na manga para sair do país caso a situação aperte”, diz Manzini.

O que as famílias com grandes fortunas têm feito para driblar essa dificuldade é contratar um advogado italiano para requerer na Itália a cidadania em vias judiciais. Essa é considerada uma causa ganha pela constituição italiana ser clara quanto ao direito de descendência.

Para custear esse processo judicial são pagos cerca de R$ 500 mil. E a corrida pela cidadania está a todo vapor antes que alguma nova lei, mais restritiva com imigrantes, seja criada.

“Esse mercado de cidadania virou milionário, fomentando muitos escritórios de advocacia. Mas já existe o início de movimentações de restrições no meio político”, afirma o fundador da Nostrali Cidadania Italiana.

As grandes fortunas pelo mundo

A Itália é o sexto país entre os principais destinos dos milionários globais. No topo da lista das grandes fortunas está um país (ainda) não muito procurado pelos brasileiros: os Emirados Árabes Unidos.

Segundo estudo da consultoria Henley & Partners, o país deve receber, em 2024, 6,7 mil milionários graças às suas políticas tributárias amigáveis e incentivo a um ‘golden visa’, além de grande infraestrutura de luxo em sua capital Dubai.

O segundo país da lista, com projeção de atrair 3.800 milionários neste ano, é um dos que mais agrada os brasileiros: os Estados Unidos. Porém, o território americano é interessante como opção de vida, mas passa longe da eficiência tributária.

O país aplica um ‘global taxation’, ou seja, uma cobrança de imposto na renda do portfólio global do residente/cidadão americano, não dando benefícios para estruturas offshore. E possui uma das maiores alíquotas progressivas de imposto do mundo, chegando a 37% no âmbito federal mais 10% na esfera estadual.

“Os brasileiros têm nos EUA um país referência quando falamos de desenvolvimento, oportunidades e segurança, porém, esquecem de avaliar os impactos fiscais que podem incidir. Os custos são bem maiores que no Brasil”, afirma Bruno Cury, private client advisor da consultoria de imigração Henley & Partners.

De acordo com o estudo da consultoria, o Brasil aparece na sexta posição entre os países que mais devem perder milionários este ano. O fluxo projetado de saída líquida de contribuintes de alto patrimônio (high net worth individuals ou “HNWI”) em 2024 é de 800 brasileiros.

No topo dessa lista de migração de grandes fortunas aparece a China (menos 15,2 mil chineses), o Reino Unido, que continua sofrendo com as consequências do Brexit (menos 9,5 mil), em seguida vem a populosa Índia (menos 4,3 mil), seguida de Coreia do Sul (menos 1,2 mil) e Rússia (menos 1 mil).

O fato é que incentivos para atrair grandes fortunas é uma política antiga e bem usada por vários países, mas que tem mudado de mãos nos últimos anos em um cenário geopolítico mais complicado.

Além disso, a decisão de viver em outro lugar é mais complexa do que apenas a análise financeira. Muitos brasileiros podem estar insatisfeitos de pagar mais impostos, mas é preciso fazer as contas e avaliar o que vale mais a pena fazer.

“O contribuinte bem assessorado fiscalmente pode acabar concluindo que a mudança para outro país sem benefícios pode até ser melhor”, diz Valverde, do TozziniFreire Advogados. “Outros acabam decidindo que ficar no Brasil, com planejamento adequado, pode ser uma opção mais viável economicamente.”



Fonte: NeoFeed

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