A quebra do aperto monetário sincronizado promovido pelos bancos centrais das grandes economias foi sacramentada na quinta-feira, 6 de junho, com o corte da taxa básica pelo Banco Central Europeu (BCE) – decisão esperada, mas que marca uma guinada no ciclo de alta de juro e tem consequências.
Autoridade monetária de 20 países, o BCE cortou sua taxa de referência em 0,25 ponto percentual, para 3,75%, pela primeira vez desde 2019. E poderá ser acompanhado nessa decisão pelo Banco da Inglaterra, em 20 de junho.
Combinada ao aumento da aversão ao risco por incertezas econômicas, políticas e geopolíticas, a mobilização de dois dos maiores bancos centrais do mundo tende a redirecionar o foco de observação de analistas: os juros passarão a dividir, mais intensamente, as atenções com as taxas de câmbio.
E há motivo para isso. A redução de juros por autoridades monetárias pode ter como efeito colateral a desvalorização das moedas locais com potencial para afetar relações comerciais, de investimentos e fluxos de capital.
A relação das moedas com o dólar torna-se, portanto, relevante termômetro para auferir efeitos da flexibilização monetária que tem início nos países desenvolvidos. E sob redobrada cautela quanto às ações do Federal Reserve (Fed).
Afinal, firme na batalha contra a inflação mais resistente à queda, o BC dos EUA é o emissor do dólar que se mantém forte em relação à maioria das divisas e é linha de frente no financiamento do déficit fiscal americano – condição que conspira a favor de juros altos.
A convergência do índice de preços ao consumidor americano à meta de 2% está ocorrendo, mas é lenta e dá munição ao discurso cauteloso do Fed que tempera projeções de juro em mercado expostas a variações de curtíssimo prazo – pautadas por uma somatória de indicadores de atividade.
Nos últimos dias, com dados apontando desaquecimento da economia dos EUA, cresceram as apostas no corte do juro em setembro, movimento que se estende a dezembro e à dose de 0,25 ponto percentual a cada atuação do Fed. Portanto, mesmo em queda, o juro americano seguirá salgado.
Programada para a quarta-feira, 12 de junho, a próxima decisão do Fed deverá ser de manutenção da taxa entre 5,25% e 5,50%, nível alcançado há um ano.
Como ocorre a cada dois encontros do Comitê Federal de Mercado Aberto, na quarta-feira, a instituição divulgará projeções de indicadores que poderão reforçar a percepção de que a taxa cairá em setembro. Mas dados do mercado de trabalho que saem na sexta, 7 de junho, poderão provocar reviravoltas.
Em julho de 2023, quando o juro nos EUA chegou ao ápice em 22 anos, a inflação ao consumidor estava em 3,2% anualizada. Desde então, o indicador subiu a 3,7%, caiu a 3,1% e, em abril deste ano, alcançou 3,4%. Uma trajetória reveladora sobre a dificuldade de a política monetária acelerar a desinflação.
“Dupla fragilidade” – um risco para a política econômica
O corte de juro pelo BCE confirmou o esperado sem alterar, contudo, a percepção de “é exíguo o espaço para quedas de juros no mundo desenvolvido esse ano”. Mario Torós e Rodrigo Azevedo, renomados especialistas em política monetária e sócios gestores da Ibiuna Investimentos, chamam atenção para esse ponto na carta mensal de junho distribuída a investidores.
A percepção desse “espaço exíguo” é influenciada, segundo a Ibiuna, pela força e resiliência da economia americana, inflação em queda modesta e um mercado de trabalho em pleno emprego mesmo depois de quase um ano de juros básicos em patamar considerado restritivo por métricas históricas.
De olho em oportunidades de investimentos, os gestores alertam para a dessincronização de ciclos de queda de juros decorrente do fato de grande parte das economias desenvolvidas e emergentes mostrarem trajetória benigna de inflação sem a força e a resiliência da economia americana – condição que demanda um relaxamento de condições monetárias antes do que provavelmente ocorrerá nos EUA.
Banqueiros centrais de vários países – entre eles Inglaterra, Canadá, México, Israel e Coreia do Sul – têm enfatizado que sua condução da política monetária deve mirar condições locais e o compromisso com sua meta de inflação, sendo afetada, mas sem estar diretamente atrelada ao ciclo prospectivo dos EUA.
O Brasil não está divorciado de movimentos globais, mas tem particularidades. E a perspectiva de ventos externos menos favoráveis pega o País em posição de crescente fragilidade em seus fundamentos, alerta a Ibiuna que destaca maior fragilidade da âncora fiscal, com a mudança das metas em abril, e maior fragilidade da âncora monetária, ante o placar da decisão do Copom.
Dividido, o Comitê impôs o receio de que o BC poderá ser mais leniente com a inflação, uma vez que indicados pelo governo Lula serão maioria no comando da instituição, a partir de janeiro, observa a Ibiuna.
Essa “dupla fragilidade”, aponta a gestora, afetou o câmbio e as expectativas de inflação e elevou a chance de o ciclo de redução da Selic terminar em 10,50%. E, de quebra, poderá exacerbar o ruído em torno da condução da política econômica no futuro. Aliás, não tão distante.