Impulsionado por generosos subsídios criados anos atrás para fomentar o crescimento de fontes de energia renovável, o bilionário mercado de geração distribuída (GD) – uma subcategoria que opera dentro do segmento da energia solar, envolvendo as comercializadoras e as distribuidoras de energia e avaliado em R$ 140 bilhões – criou um novo nicho, que atua como uma espécie de marketplace de energia no interior do País.
Trata-se da assinatura de energia voltada para pequenos comerciantes, com tíquete médio de conta de luz de até R$ 1 mil, em regiões que não costumam oferecer essa opção, como Centro-Oeste, Nordeste ou interior de Minas Gerais.
Esse é a receita da Bow-e, startup do grupo Bolt Energy, que cresce a um ritmo de 20% ao mês e deve fechar 2024 com faturamento de R$ 150 milhões. Em dois anos de operação, a Bow-e já conta com 10 mil clientes espalhados em dez estados, número que deve dobrar até o final de 2025.
“Quando decidimos entrar no segmento de GD optamos por criar uma startup em Belo Horizonte, por causa do grande número de fazendas solares em Minas Gerais, e aproveitamos que uma outra empresa de lá estava saindo do negócio e contratamos o time inteiro deles”, conta ao NeoFeed Gustavo Ayala, CEO da Bolt Energy, gigante do setor de energia com com seis unidades de negócios e faturamento de R$ 1,2 bilhão.
Segundo Ayala, a startup começou com 20 funcionários e em poucos meses o grupo decidiu transferir a operação para São Paulo, onde conta agora com 70 pessoas. “Acreditamos que a Bow-e representará nos próximos dois anos cerca de 15 a 20% da receita do grupo.”
A comercializadora oferece energia 100% renovável, vinda de pequenas usinas solares arrendadas – as chamadas fazendas solares -, em substituição à energia que o consumidor comum recebe das distribuidoras.
Esse tipo de serviço não é novidade e vem avançando rápido nos últimos anos, mas o diferencial da Bow-e é o público-alvo, ignorado pelas concorrentes, que buscam um tíquete médio mais elevado. Atualmente, a startup distribui 49 megawatt-pico (MWp), índice de potência energética do sistema fotovoltaico, com previsão de chegar a 150 MWp até o fim do ano que vem.
Seu modelo de negócio é o mesmo de todas as comercializadoras: ao fechar a assinatura do serviço, o cliente deixa de ser atendido pela distribuidora e passa a ter uma média de 15% de desconto na fatura mensal de conta de luz, sem precisar instalar painel solar no telhado.
Só neste ano, entre janeiro e novembro, a startup cresceu seis vezes em receita e em número de clientes, chamando a atenção das concorrentes – entre elas as distribuidoras, que criaram um braço de negócio para comercialização de energia.
Rafael Zanatta, diretor comercial e de operações da Bow-e, alinha alguns fatores para justificar esse crescimento, considerado elevado até mesmo para os padrões do mercado de GD. Segundo ele, o brasileiro tem o desejo de escolher seu fornecedor de tudo o que consome, mas nunca pensou nisso para o fornecimento de energia, principalmente em cidades pequenas.
“O que fizemos foi mostrar que existe essa oportunidade de escolher um fornecedor de energia que tem um produto mais barato e renovável”, diz ele. Para isso, a startup investiu em equipes de venda, que trabalham porta a porta.
Zanatta admite que o retorno este ano da bandeira vermelha, causado em grande parte pela seca persistente no norte do País, elevou a conta de luz e ajudou a convencer os clientes em potencial.
Para 2025, a startup vai expandir para o interior de Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio de Janeiro e Paraná. O mercado nesse nicho operado pela Bow-e é estimado em 9 milhões de consumidores.
Fazendas bilionárias
Na prática, a Bow-e enxergou duas oportunidades no mercado de GD, que permite a geração de energia elétrica no local ou próximo ao ponto de consumo e colocar o excedente no sistema.
Um deles foi a carência desse serviço por assinatura para pequenos negócios em regiões do interior. O outro foi o crescimento orgânico das fazendas solares, um modelo de negócio mais sofisticado e lucrativo do que a instalação de painéis fotovoltaicos nos telhados das residências, que já garantia subsídios na conta de luz até 2045.
Avaliado em R$ 40 bilhões, esse segmento atraiu empresas e fundos interessados em investir numa fazenda solar, com vários painéis fotovoltaicos (com capacidade máxima de 5 MW, suficiente para atender 3 mil residências), ao custo médio de R$ 7 milhões.
O boom de usinas solares acirrou a busca por novos consumidores. Boa parte das comercializadoras de energia que atuam no mercado utiliza fazendas solares distantes dos clientes, embora dentro da área de atuação da distribuidora de energia, como exige a lei.
A startup opta por uma estratégia diferente, arrendando as fazendas solares – são 180 no portfólio, muitas de pequeno porte -, instaladas bem próximas aos consumidores. “O custo é menor porque a energia não é conectada à rede central e sim diretamente na rede da distribuidora, o que evita perdas e ainda gera empregos locais” afirma.
Apesar das vantagens, o modelo de negócio tem desafios. O principal deles é a demora entre acertar o contrato de assinatura do fornecimento de energia e começar a ter acesso ao desconto: de 90 a 120 dias, prazo regulatório que a distribuidora de energia demora para fazer a transferência.
Além disso, especialistas do setor vêm advertindo que o crescimento desordenado da GD, de 35% apenas este ano, está distorcendo o mercado de energia e levando ao limite a capacidade do sistema.
Para comercializadoras, porém, esse crescimento deve impulsionar novos negócios, em especial com a abertura do mercado livre de energia, prevista para os próximos dois anos, que deve incorporar todos os consumidores de energia, incluindo os de baixa tensão.
“Para a Bow-e, essa jornada Brasil adentro é uma oportunidade para fidelizarmos os novos clientes mirando a abertura do mercado livre”, diz Zanatta.