Transição energética tem “jabutis” com custo de R$ 1,2 tri em subsídios e contratações desnecessárias

Transição energética tem “jabutis” com custo de R$ 1,2 tri em subsídios e contratações desnecessárias


O governo brasileiro tem apostado na transição energética como um dos eixos de sua política de acelerar o crescimento econômico e atrair investimentos externos, aproveitando o fato de o Brasil dispor de uma matriz energética entre as mais limpas do mundo – com metade da energia consumida no País oriunda de fontes renováveis.

O pacote de medidas encaminhadas ao Congresso Nacional para regulamentar áreas chave do setor energético, visando justamente viabilizar investimentos para o setor, porém, acabou se transformando numa oportunidade perdida, mostrando como a pequena política a serviço de grupos de interesse consegue inviabilizar políticas públicas promissoras.

Dos três projetos de lei que estão tramitando há anos – o PL Combustível do Futuro, o PL das Eólicas Offshore e o PL do Hidrogênio -, apenas o último, que cria o marco regulatório para a produção de hidrogênio no País, foi aprovado na semana passada, aguardando a sanção presidencial.

Os outros dois PLs estão travados depois de receberem emendas que dificultam acordo ou “jabutis” (emendas que não dizem respeito ao tema original) que, de tão estapafúrdias, causariam mais prejuízos aos cofres públicos do que retorno dos investimentos previstos.

Enquanto isso, projetos de investimentos de empresas nacionais e estrangeiras continuam engavetados, à espera da decisão do marco regulatório dos dois projetos de lei.

O PL 11.247/18, das Eólicas Offshore, é o melhor exemplo da farra dos subsídios e dos lobbies que permeiam os projetos de lei da área energética que tramitam no Congresso. Seu objetivo é regulamentar um setor ainda incipiente no País, que precisa de segurança jurídica para fazer investimentos vultuosos.

Os segmentos mais interessados são os ligados à indústria de petróleo e gás e do hidrogênio verde. Mas dos jabutis incluídos no Senado, praticamente nada diz respeito ao setor de eólicas offshore. Pior: se aprovados, terão um custo potencial de R$ 658 bilhões aos consumidores até 2050, o que representa um aumento de 11% na conta de luz, de acordo com cálculos da PSR Energy Consulting.

A contratação compulsória de nova capacidade de geração – desnecessária e sem respaldo técnico – predomina nas emendas propostas. A lista inclui contratação compulsória de térmicas a gás (custo de R$ 155 bilhões), de pequenas centrais hidrelétricas, as PCHs (R$ 140 bilhões), e de energia eólica onshore no Sul do País (R$ 5 bilhões).

Também chama a atenção a prorrogação de contratação de térmicas a carvão – a antítese da transição energética -, com custo de R$ 92 bilhões; da nova ampliação do prazo, agora de 48 para 84 meses, para renováveis (solar e eólica) entrarem em operação com subsídios (R$ 113 bilhões) e a postergação (de 12 para 24 meses) para micro e minigeração distribuída (MMGD) entrarem em operação também com subsídio, no valor de R$ 101 bilhões.

Políticas públicas minadas

De acordo com o economista Diogo Lisbona, pesquisador do centro de estudos em regulação e infraestrutura da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Ceri), o Estado brasileiro dispõe de órgãos de planejamento para articular a elaboração de políticas públicas energéticas.

Segundo ele, o problema é que as empresas e associações do setor energético, de forma muito fragmentada, foram para o varejo das negociações, o Congresso Nacional, disputar um benefício que é concentrado e tem custo difuso – e a maioria está mais preocupada em mostrar que o benefício concentrado para o seu naco é válido.

“E, assim como na área fiscal, o governo virou refém do Congresso na elaboração das políticas públicas energéticas”, lamenta Lisbona lembrando que, no caso do PL das Eólicas Offshore, a grande discussão ficou em segundo plano. “Mesmo tirando os jabutis, precisamos saber como esse negócio vai parar de pé, se vai cobrar royalties, qual o custo da retenção, uso da área e outras normas”, diz.

Há 97 projetos registrados no Ibama (a maioria no papel), que gerariam 234 GW de energia eólica offshore na costa brasileira. Cada 1 GW, apenas para o desenvolvimento, representam de US$ 100 a 200 milhões em investimentos.

A Weg decidiu paralisar temporariamente a linha de produção de turbinas em Jaraguá do Sul (SC) a partir do segundo semestre devido à baixa demanda por equipamentos eólicos – mesma decisão adotada no ano passado pela Siemens Gamesa em sua fábrica em Camaçari, na Bahia A Corio Generation, braço do fundo de investimento Green Investment Group (GIG), da australiana Macquarie, demitiu recentemente  equipes de desenvolvimento de projetos.

O projeto de lei 528/2020, que ficou conhecido como PL do Combustível do Futuro, nasceu de um projeto enviado pelo governo ao Congresso Nacional prevendo a criação de programas específicos para cada tipo de biocombustível – como de diesel verde (HVO), combustível sustentável de aviação (SAF) e biodiesel.

Na Câmara, a proposta original foi mexida pelo relator, deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), que incluiu o biometano, combustível renovável derivado do biogás que, por sua vez, é feito a partir da decomposição de materiais orgânicos de origem vegetal e animal ou de resíduos de aterros sanitários.

A justificativa de Jardim é que apenas esse biocombustível não tem mandato. Mas é evidente o interesse do agronegócio no projeto – a maior parte do biometano disponível é produzida a partir do bagaço de cana e Jardim é vice-presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

O PL determina que produtores e importadores de gás natural terão de comprovar, anualmente, a compra ou consumo de uma quantidade mínima de biometano em relação ao volume de gás natural que vendem ou consomem.

“Diferentemente da mobilidade, a indústria é o principal consumidor de gás natural e vai ser o principal impactado com um mandato de biometano”, afirma Adrianno Lorezon, diretor de gás natural da Abrace (Associação Brasileira de Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres) e coordenador do Fórum do Gás, que reúne empresas do setor.

Segundo ele a demanda industrial de gás natural já vem encarecendo nos últimos dois anos e o custo já chegou no limite: “Há ampla demanda de biometano, não há necessidade de mandato, e a falta de acordo é justamente o que tem provocado o atraso da  votação do PL Combustível do Futuro.”

O setor do agronegócio, porém, prevê R$ 200 bilhões de investimentos nos próximos anos, boa parte em plantações de cana.

Outros pontos não devem bloquear o projeto. Entre eles, o aumento da mistura de etanol à gasolina comum. Atualmente, essa porcentagem está entre o mínimo de 18% e o máximo de 27,5% de etanol anidro, com perspectiva de ampliar a proporção de 22% a 35%, desde que constatada a viabilidade técnica da autorização.

Aumento de teto

O PL 2308/23, do Hidrogênio – o único dos três já aprovado – institui um marco regulatório para o setor e estabelece uma série de incentivos fiscais e financeiros para estimular a produção de H2, o hidrogênio de baixo carbono. Foi  o PL que menos fugiu de sua versão inicial.

O texto que será encaminhado à sanção prevê créditos fiscais de R$ 18,3 bilhões entre 2028 e 2032 para os projetos relacionados à indústria do hidrogênio, sem restrição de rota.

No Senado, o relator Otto Alencar (PSD/BA) ampliou os benefícios em R$ 5 bilhões e, em mudança de última hora, aumentou do teto de emissões para que o hidrogênio seja considerado de baixo carbono – o índice máximo subiu de 4 kgCO2eq por kg de H2 produzido para 7 kgCO2eq/kgH2.

A “pequena” mudança foi vista como um benefício para os biocombustíveis, como etanol, mas recebeu críticas da Coalizão Energia Limpa (CEL) e do Observatório do Clima (OC).

Segundo as entidades, a ampliação do escopo para hidrogênio de baixo carbono, produzido também por meio de fontes como hidrelétrica, etanol, biogás, biometano e “outras fontes a serem definidas pelo poder público”, abre espaço – com essas fontes indefinidas – para aceitar o hidrogênio proveniente de fontes fósseis.



Fonte: NeoFeed

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