Uma figura feminina negra, destacada por pinceladas vibrantes, está à beira de uma piscina ensolarada. Com um olhar sereno e altivo, vestida com um maiô estampado de papaias, ela posa diante de uma casa modernista, cujas paredes em tons pastel contrastam com o azul da água.
O trampolim amarelo, congelado no instante do salto, torna-se uma metáfora silenciosa para o próprio mergulho de Zéh Palito, autor da pintura, na arte contemporânea. Intitulada The Negro Splash, a obra faz parte da exposição Cars, Pools & Melanin, em cartaz na galeria Perrotin, em Nova York.
“Carros e piscinas são frequentemente associados ao transporte e ao lazer. Porém, quando esses elementos se relacionam com a figura negra, marcada pela alta concentração de melanina, também evocam episódios de segregação racial e de luta por liberdade nos Estados Unidos,” explica Zéh, em conversa com o NeoFeed.
O artista se inspira no trabalho A Bigger Splash, do britânico David Hockney, famoso por seus trabalhos retratar pessoas brancas à beira da piscina. Contudo, Zéh recontextualiza a cena, lembrando-nos que, até a assinatura da Lei dos Direitos Civis de 1964, a população negra americana frequentemente enfrentava proibições ou restrições severas quanto ao uso de piscinas públicas.
“Quero falar com meu trabalho sobre as experiências de corpos negros e de minorias étnicas em momentos de lazer, amor, felicidade, empoderamento e autoconfiança,” afirma Zéh. “Cada retrato busca fazer com que essas pessoas se tornem protagonistas de suas próprias histórias.”
Além de 16 pinturas, ele também apresenta suas primeiras esculturas nesta exposição: “Banana Cósmica”, feita em fibra com pintura automotiva rosa; “Banana Prata”, em alumínio; e a “Banana Ouro”, em bronze polido.
Para ele, a fruta é a representação de “nossa tropicalidade e nossa identidade como brasileiros, sul-americanos e latinos”.
Dos campos às telas
Ao pintar figuras negras empoderadas, Zéh, hoje com 37 anos, reflete também sobre sua própria trajetória. Nascido Danilo, nos subúrbios de Limeira, no interior paulista, onde vive até hoje, ele é filho do soldador Marcel e da empregada doméstica Leide.
Como muitos meninos negros de periferia, via no futebol a chance de uma vida melhor. Aos 15 anos, uma lesão no joelho, porém, frustrou seus planos de carreira no esporte.
Percebendo o interesse do filho pelo desenho, Leide o inscreveu em um curso de pintura a óleo oferecido pela prefeitura, onde ele era o mais novo da turma de sexagenários. Recebeu ali as primeiras aulas de história da arte e de pintura.
Influenciado por um primo grafiteiro, logo o artista começou a levar as personagens que pintava nas telas para as ruas. E, como no grafite o comum é assinar com um pseudônimo, Danilo Ricardo Silva virou Zéh Palito.
Filho único, o artista recebeu uma educação sólida de seus pais. Embora não houvesse apoio financeiro, eles sempre ofereceram suporte emocional incondicional. Quando chegou o momento de escolher um curso para a faculdade, nunca o pressionaram a optar por áreas tradicionais, como medicina ou direito — frequentemente vistas como garantia de um futuro seguro. Diante da ausência de cursos de artes em sua cidade natal, estudou design.
Inglês na Zâmbia
Recém-formado, Zéh se inscreveu em um projeto voluntário na África, buscando uma experiência transformadora antes de se render à rotina de uma agência. A Zâmbia era o único destino com disponibilidade imediata, o que acabou se revelando uma excelente oportunidade para ele.
“No final, foi ótimo para mim, porque acabei aprendendo inglês”, conta. Durante a semana, ele ajudava a construir latrinas para combater a crise sanitária local. Aos sábados e domingos, participava de projetos artísticos, dando aulas para crianças e pintando murais em vilarejos remotos.
Ao retornar ao Brasil, decidiu deixar o design de lado e trabalhar apenas com arte. Começou a dar aulas em projetos sociais em Limeira e a criar murais. Participou de diversos festivais de arte urbana em todo o Brasil e acredita que há um mural seu em quase todos os estados do país.
Nessa época, tentou se inserir no mercado de arte e apresentou seu trabalho a vários galeristas. “Eles viam meu nome e afirmavam que, como Zéh Palito, eu não teria espaço na arte contemporânea”, lembra. “Eu deixei claro que não iria mudar e continuei. Minha entrada no mercado de arte acabou acontecendo primeiro fora do Brasil.”
Em 2016, enquanto pintava um mural em Newark, Nova Jersey, Zéh foi apresentado pessoalmente ao artista e curador Derrick Adams, com quem já mantinha contato virtual. “Ele viu meu mural, eu fui à abertura da exposição dele, e acabamos nos tornando amigos,” lembra.
Três anos depois, Adams o convidou para fazer uma exposição individual na instituição cultural Eubie Blake Cultural Center, em Baltimore.
Embora Zéh já tivesse exposto em galerias na Alemanha, França e Coreia do Sul, essa mostra foi a que o “colocou no radar do mercado de arte”, diz. “Derrick tem muita influência no meio da arte, e as pessoas ouvem o que ele diz”, descreve.
Suas obras hoje custam entre US$ 20 mil e US$ 70 mil e há fila de espera por um trabalho do artista.
O cowboy de roupa rosa
No Brasil, a entrada de Zéh no circuito das galerias também contou com um padrinho influente. Em 2020, enquanto pintava um mural no Museu Afro Brasil, ele chamou a atenção de Emanoel Araújo, figura central na promoção da arte afro-brasileira. Araújo então o recomendou ao galerista Guilherme Simões de Assis.
“Emanoel me disse que eu precisava conhecer um jovem artista incrível,” relembra o diretor da Simões de Assis, em entrevista ao NeoFeed. “Ele mencionou que sua pintura, além de vibrante, refletia a alegria e o empoderamento dos negros.”
A colaboração com a galeria culminou, em 2022, na exposição individual do artista Eu sei por que o pássaro canta na gaiola.
Nessa época, o trabalho de Zéh chamou a atenção da art-advisor de Jay-Z e Beyoncé. O casal acabou comprando a tela De Limeira a Barretos. A obra, um retrato de 160 por 125 centímetros, de um cowboy negro em traje rosa, ecoa os retratos de nobres do século 19.
“Quando estudamos retratos, vemos apenas pinturas de pessoas brancas. Parte do meu trabalho é retratar a figura negra em posições de empoderamento, felicidade e confiança”, afirma o artista. Um espaço que Zéh Palito também construiu para si mesmo.