A Spectra, gestora de ativos alternativos com mais de R$ 7 bilhões sob gestão, tem uma visão privilegiada dos valuations praticados no Brasil. Afinal, investe em 25 gestoras de venture capital (VC) no Brasil que fizeram mais de 400 investimentos.
No começo desde ano, a Spectra soltou um relatório em que dizia que os “múltiplos de venture capital não faziam sentido no Brasil”. E, por conta disso, apanhou de todos os lados – de investidores a empreendedores – que contestaram as conclusões do estudo. Agora, a Spectra resolveu dar cores vivas ao que está acontecendo no mercado.
Nessa fotografia que analisou 450 investimentos seed que aconteceram de 2017 a 2023 no Brasil, a conclusão da pesquisa da Spectra é de os valuations ainda estão altos em comparação aos dos Estados Unidos e que, diante disso, os retornos dos fundos de venture capital devem cair nos próximos anos.
“Não acredito que a classe de ativo inteira não faz sentido”, diz Rafael Bassani, sócio da Spectra, em entrevista ao NeoFeed. “O que faz sentido é investir em alguns gestores e em estratégias nichadas.”
De acordo com a pesquisa da Spectra, que optou por ter dados apenas do estágio seed – em que a comparação, na visão da gestora, é mais justa – o valuation pre-money em dólares das startups dos Estados Unidos avançou 2,1 vezes de 2017 a 2023. No Brasil, o salto foi de 4,1 vezes, quase o dobro.
Em 2017, uma startup americana era avaliada em US$ 5,6 milhões, na média, nos Estados Unidos, segundo dados do Pitchbook. No Brasil, US$ 2,5 milhões. Esses valores passaram para US$ 12 milhões e US$ 10,4 milhões, respectivamente, em 2023.
Além disso, o desconto dos valuations, que era de 55% em 2017, caiu para 5% nos anos de 2021 e 2022. No ano passado, subiu para 13%, num claro sinal de que a correção dos valores ainda não chegou ao final. “A minha expectativa é que essa correção ainda está acontecendo”, afirma Bassani.
A Spectra também analisou outros indicadores para chegar à conclusão de que os valuations das startups brasileiras ainda estão altos. Um deles é o PIB do Brasil, que é 1/14 do americano. Outro é TAM (Total Addressable Market).
As startups brasileiras raramente competem globalmente. Logo, sua referência deveria ser o PIB do Brasil. As empresas americanas de sucesso, por outro lado, geralmente se expandem globalmente, o que faz com que o seu TAM possa ser o mercado americano ou o mundial.
Com o desconto atual de 13% dos valuations, uma startup brasileira teria de ser 12 vezes maior do que uma dos EUA, segundo a Spectra. “Entendemos que a possibilidade de sucesso no Brasil é mais alta, mas não nos parece que seja 12 vezes menor do que nos EUA”, diz um trecho do estudo.
A Spectra olhou para o P/L (preço/lucro) médio do S&P 500 e do Ibovespa de 2010 até 2023. Nos EUA, o índice é de 21,6 vezes neste período e, atualmente, está em torno de 23 vezes. No Brasil, as empresas tiveram um P/L médio de 11,1 vezes. E, atualmente, está em 8,1 vezes. “O desconto é, em média, de 50%, com o desconto atual sendo de 65%”, afirma Bassani.
Retornos menores para a indústria de VC
A consequência imediata, na visão do sócio da Spectra, é de que deverá haver um achatamento das taxas interna de retorno (TIR) dos fundos de venture capital, algo que, nesse momento, é difícil de estimar, mas que deve ser abaixo dos retornos históricos da classe de ativos.
Em outro relatório da Spectra, que analisou o desempenho dos fundos de venture capital com safras de investimentos entre 2014 e 2017, a TIR média foi de 25%. E o quartil superior, aqueles fundos que ficaram entre os melhores, atingiram um TIR de 33%.
Um dos sinais de retornos decrescentes sobre os investimentos é o índice de eficiência de capital, que mede quanto uma startup gerou de caixa para cada real investido. E esse índice está em queda também.
Nos aportes seed, o índice médio era de 1,46 em 2017 – o que significava que para cada real investido, a startup era capaz de gerar R$ 1,46. Em 2023, ele caiu para 0,65. Quando se observa os aportes série A, a queda é ainda mais brusca. Foi de 2,58, em 2017, para 0,28, em 2023.
“Esse é um sinal de que as startups estão recebendo muito investimento e não estão conseguindo crescer as empresas na mesma velocidade com que o capital está sendo investido”, diz Bassani.
Isso está acontecendo por quatro motivos, segundo o estudo da Spectra. Uma das razões é que os negócios estão gerando menos impacto, o que exige mais gasto das startups para adquirir clientes. Outra é o aumento da concorrência, assim como a oferta escassa de talentos (o que inflou os salários). E, por fim, uma mentalidade de custo de capital muito baixa.
O estudo da Spectra, no entanto, não sugere terra arrasada e fica longe de indicar que os investimentos em venture capital são ruins. Tanto que a Spectra, apesar de estar reduzindo a alocação nessa classe de ativos, deve investir cerca de 10% dos recursos de seu sexto fundo, que tem meta de chegar a R$ 2 bilhões, em VC.
Mas a Spectra acredita que deve haver uma separação do joio do trigo e que o caminho é investir em teses nichadas e de gestoras que são as claras líderes neste segmento.
“Os gestores com excelente reputação e o acesso aos melhores empreendedores provavelmente não serão afetados por essas mudanças no cenário”, afirma Bassani. “Embora os seus retornos possam não ser tão altos quanto no passado, eles ainda justificam alocação.”
Sobre as teses nichadas, Bassani cita o caso da gestora chilena Zentynel, focada em biotech e na qual a Spectra aloca capital, como um exemplo de um VC que pode conseguir taxas de retorno acima da média.
“Existem vários nichos de investimento pouco explorados onde acreditamos que há grandes oportunidades”, diz Bassani. “Esses nichos exigem especialização e os gestores que os almejam podem não conseguir ter um grande AuM (assets under management) devido aos limites de tamanho de seu nicho, mas podem garantir excelentes oportunidades de investimentos.”