Viagens podem trazer ganhos a pessoas com Alzheimer – 03/09/2024 – Equilíbrio


Em outubro de 2018, Aline Batista Rangel, 47, pensou: “vai ser agora, vamos aproveitar a vida e criar boas lembranças”. Sua mãe, Elzeni, 86, estava no estágio inicial da doença de Alzheimer e seria sua companheira de viagem.

O diagnóstico havia chegado um ano e quatro meses antes de fazerem as malas no Rio de Janeiro, onde vivem, com destino a Salvador (BA).

A aposentada já não sabia os dias, o mês ou o ano. Embarcaria pela primeira vez em um voo e só conhecia o roteiro por fotos.

“Eu perguntei aos médicos sobre a viagem, pedi dicas [de emergência] e fiz playlist com as músicas que ela gostava”, diz Aline.

“Me organizei muito emocionalmente, com medo de dar errado, e ela não querer entrar no avião e termos que retornar antes do previsto, mas foi tudo muito tranquilo”, relembra.

Uma foto com mãe e filha abraçadas, em frente ao Farol da Barra, guarda, até hoje, os sorrisos da viagem.

Hoje, o Alzheimer está em fase avançada, diz a filha, e Elzeni já tem dificuldades para falar e andar.

Ao ouvir o diagnóstico, anos atrás, a técnica em assuntos educacionais achou que fosse o fim da vida dela e da mãe. Chorou, teve depressão e crises de ansiedade.

Grupos de apoio, buscas na internet, psicoterapia, religiosidade e amigos ajudaram. Viajar, segundo ela, também contribuiu para uma nova percepção da realidade.

A experiência foi repetida no ano passado, desta vez, para Araruama, no Rio de Janeiro, e de carro. Cadeiras de rodas e de banho, colchão, travesseiros e outros objetos que a mãe rotineiramente usa foram na bagagem, assim como Ritinha, sua boneca de apoio emocional.

“Ela conversou e interagiu muito com o meu marido, não pediu para ir embora —coisa que sempre faz em casa— e falou que ia voltar no Carnaval”, diz a técnica. “Os ganhos foram emocionais”.

No Brasil, não existem estatísticas ou estudos sobre pessoas com Alzheimer que viajam, dificuldades que enfrentam, potenciais benefícios ou riscos identificados para os tratamentos. Especialistas ouvidos pela Folha apontam efeitos positivos em estágios iniciais da doença, mas ressaltam que a análise sobre viajar ou não deve ser feita caso a caso.

Dúvidas sobre o tema são frequentes, diz a psiquiatra e coordenadora do Departamento de Psicogeriatria da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), Tânia Corrêa Ferraz.

Em quadros iniciais da doença, escolher locais conhecidos, com tempo de descanso, com rotina mais estável, levar a medicação necessária e ter alguém junto, para ajudar, aumentam as chances de dar certo, diz ela. “Por outro lado, em pacientes com quadros mais avançados, pode-se gerar um nível de estresse maior, agitação e, até de certa forma, ser algo que atrapalhe o dia a dia da pessoa”, observa a médica.

O Alzheimer afeta pelo menos 1,2 milhão de pessoas no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. É a forma mais comum de demência. A relação entre a doença e viajar é investigada em pesquisas internacionais que buscam entender como a experiência de conhecer novos destinos, ou de voltar a lugares conhecidos, pode afetar comportamentos e ajudar no tratamento dos pacientes.

Odette Alves Ferreira, 84, recebeu o diagnóstico em setembro de 2021. Moradora de Franca, no interior de São Paulo, ela fez, desde então, pelo menos seis viagens com os filhos.

“Minha mãe se sente muito segura estando com a família e vai onde a gente for numa boa”, diz a filha Silvana Alves Ferreira, 59, que é funcionária pública aposentada. “O que necessitamos é ter paciência, respeitando os seus momentos.”

Os primeiros sinais do Alzheimer foram percebidos em uma viagem ao exterior. Destinos internacionais foram, depois, contraindicados pelos médicos, devido à dificuldade de retornar caso aconteça alguma coisa. As viagens ficaram mais curtas e agora são por terra. “Ela gosta de viajar de carro, de orientar eu e o meu irmão no volante”, diz Ferreira. “Pergunta toda hora onde está e porque estamos lá, mas gosta de estar passeando. Quando vê as fotos, sempre diz que foi bom e quer ir de novo”.

Médicos e pesquisadores observam que o estágio da doença, os sintomas e o estado de saúde geral da pessoa devem ser considerados em decisões sobre viagens.

“Pessoas com Alzheimer têm mais dificuldade de tomar decisões, de lidar com situações conflitantes ou com imprevistos, e podem entrar numa espiral de ansiedade”, diz Ferraz, da ABP. “A gente tem que pensar em todos esses fatores na hora de decidir o onde, o como e o quando viajar.”

Alessandra Tieppo, geriatra e diretora da SBGG (Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia), reforça que planejamento e orientação médica são chaves para segurança, conforto e prazer na experiência. Viajar para ambientes historicamente importantes para o paciente deve ser encorajado, afirma o médico e professor da UFRN (Universidade Federal do Rio Grane do Norte), John Fontenele Araújo. “Reviver fatos e eventos facilita a evocação de antigas memórias, total ou parcialmente”, diz.

Em todos os casos, porém, é importante não forçar o paciente, afirma o médico.

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Fonte: Folha de São Paulo

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