O acordo verbal firmado entre o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e as operadoras de planos de saúde para suspender cancelamentos unilaterais de contratos coletivos por adesão não está formalizado e, portanto, não tem validade jurídica, segundo advogados especializados em direito da saúde.
Ainda há vários questionamentos em aberto, como prazo para que as rescisões já feitas sejam revertidas, condições clínicas que terão prioridade nessas revisões, por quanto tempo essa medida vai valer e se o acordo será seguido por todas as operadoras atuantes no país.
À Folha, Gustavo Ribeiro, presidente da Abramge (Associação Brasileira de Planos de Saúde), disse que o compromisso assumido pelos representantes das operadoras com Lira foi o de não cancelar mais planos coletivos por adesão de maneira unilateral a partir desta terça (28).
“Dos que já foram desligados desta data para trás, será passado um pente-fino para entender quem está em tratamento continuado. Aí envolve tudo, TEA [transtorno do espectro autista] e qualquer tratamento continuado. Quem estiver nessa situação e que ainda não foi reintegrado, que seja reintegrado.”
Sobre a fragilidade de um acordo verbal, Ribeiro diz que a ideia de Lira é continuar a conversa na próxima semana, com outros atores do setor, como as entidades de defesa do consumidor e associações de pacientes.
“Foi uma primeira conversa. Ele nos chamou, perguntou qual era o problema, entendeu, pediu esse compromisso [da suspensão dos cancelamentos], mas ainda vai ouvir todos os envolvidos e chamar todo mundo de volta para indicar um caminho.”
A partir desses diálogos, pode surgir um acordo formal ou mesmo avanço no projeto da nova lei dos planos de saúde, que está parado na Câmara. “Esse setor existe para atender o beneficiário. A construção do diálogo foi o que melhor aconteceu, agora teremos os desdobramentos”, afirma Ribeiro.
Em nota, a Fenasaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar) informou que suas associadas, dentro dos mecanismos de gestão próprios de cada uma delas, estão tomando as providências para cumprir o entendimento firmado com Lira.
“Ficou acertado que serão suspensos eventuais cancelamentos de beneficiários em tratamento continuado e mantidos os planos coletivos por adesão em vigor.”
Ainda não há informações oficiais sobre o total de cancelamentos de planos de saúde feitos pelo setor e quantos desses serão de fato revertidos a partir desse compromisso. Só a Amil, com mais de 3 milhões de beneficiários, confirmou um corte de 34 mil contratos nos últimos 45 dias.
A informação foi divulgada pelo vice-presidente de relações institucionais da Amil, Renato Casarotti, em audiência nesta terça na comissão de defesa das pessoas com deficiência da Alesp (Assembleia Legislativa de São Paulo).
Ao ser indagado pela comissão se a Amil atenderia ao acordo feito por Lira de reverter contratos suspensos, Casarotti afirmou ser “absolutamente inviável” do ponto de vista operacional reverter os cancelamentos já efetuados em todo o país, à exceção dos que obtiveram liminares na Justiça. Já os cancelamentos programados para acontecer estão suspensos, segundo ele.
Questionado sobre a razão das rescisões, Casarotti explicou nos três últimos anos a empresa enfrenta desafios para reequilibrar as contas. Segundo ele, o prejuízo de patrimônio líquido da instituição tem aumentado a cada ano fiscal, com registros deficitários de R$ 900 milhões, R$ 1,6 bilhão e R$ 4 bilhões em 2021, 2022 e 2023, respectivamente.
Ainda de acordo com Casarotti, as tentativas de recuperar o lucro dentro da organização passaram por uma redução significativa do quadro de funcionários, pelo fechamento de unidades de atendimento e, mais recentemente, pela revisão e corte de diversos convênios médicos.
Para a deputada estadual Andréa Werner (PSB), presidente da comissão na Alesp, na prática, o acordo anunciado por Lira pouco diz a que veio. “Não há nada formalizado no papel, com prazos, e critérios bem definidos para sabermos qual operadora vai ou não reverter cancelamentos ocorridos nos últimos meses aos milhares.”
Segundo ela, também não está claro quais condições de saúde terão prioridade no acordo. A deputada diz que o seu gabinete recebeu ao menos 250 denúncias de cancelamentos unilaterais só da Amil e todos referentes a pessoas em tratamento.
De acordo com o advogado Rafael Robba, pesquisador do departamento de medicina preventiva da USP e sócio da Vilhena Silva Advogados, o compromisso verbal firmado por Lira e as operadoras não tem nenhuma validade jurídica.
“Isso precisa se concretizar por meio de formalização aos clientes. Por ora, a informação que eles têm é que o plano será cancelado, muitos nesta sexta [31]. Não receberam nenhuma informação contrária vinda da operadora.”
Para Robba, embora o acordo fale da suspensão dos cancelamentos de contratos de autistas e de pacientes com doenças graves, ele não esclarece quais critérios serão utilizados. “As informações são muito vagas. Não falam, por exemplo, se a suspensão é só por um período e depois vão cancelar de novo.”
A advogada Giselle Tapai, sócia do Tapai Advogados, tem a mesma avaliação. “Não adianta nada saber de boca que as operadoras vão parar os cancelamentos se não existir uma lei que proteja os consumidores”, afirma.
Na sua opinião, a sociedade precisa saber exatamente que tipo de acordo foi esse, quais as doenças e situações que ele engloba. “Todos os dias continuam chegando pessoas afirmando que estão recebendo cartas das operadoras, tentam a portabilidade para outro plano e estão encontrando barreiras.”
O acordo com as operadoras ocorre em um momento em que há uma escalada de queixas contra o cancelamento unilateral de contratos, de ações judiciais e uma pressão por parte das entidades de defesa do consumidor, Ministério Público, além de proposta de uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito).
Só pelos canais do governo federal de defesa do consumidor, foram mais de 2.000 reclamações. Até abril, a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) havia recebido 5.888 queixas por rescisão unilateral de contratos, 31% a mais do que o mesmo período de 2023.
Conforme revelou a Folha, as rescisões unilaterais atingem crianças autistas, com síndromes graves, paralisia cerebral, doentes oncológicos, entre outros pacientes. Alguns dependem de suporte respiratório ou de nutrição parenteral.
Até uma idosa de 102 anos, que paga R$ 9.300 por um plano que tem há 30 anos, chegou a receber aviso de cancelamento, revertido após a repercussão do caso.