A implantação bem-sucedida do primeiro coração artificial total em humanos, que substitui ambos os ventrículos de um coração com insuficiência cardíaca, foi anunciada nesta semana nos Estados Unidos e trouxe esperanças a quem está na fila de espera por um transplante.
Ainda que o dispositivo não substitua a necessidade da cirurgia, ele é tido como uma mudança de paradigma no design de coração artificial, com potencial de se tornar um suporte mais eficaz e duradouro para pacientes com insuficiência cardíaca grave, que precisam de um transplante, como foi o caso do apresentador Fausto Silva.
O anúncio da implantação foi feito pelo Instituto do Coração do Texas (THI) e a empresa de dispositivos médicos Bivacor na última quinta (25) e faz parte de um estudo de viabilidade inicial do dispositivo apresentado ao FDA (agência americana que regula medicamentos e alimentos).
O coração artificial total nada mais é do que uma bomba de sangue rotativa construída em titânio. Para bombear o sangue, o dispositivo utiliza a levitação magnética, tecnologia que usa o mesmo princípio de trens de alta velocidade para flutuar sobre os trilhos.
Trata-se de uma peça única que possui um rotor dentro, que é um item giratório, e que fica suspenso pelo campo magnético. Ao girar rapidamente, cria-se um fluxo de sangue que imita os batimentos naturais do coração em direção aos pulmões e ao resto do corpo.
“É uma novidade tecnológica, por ser o coração total e não o ventrículo esquerdo artificial, dispositivos atualmente implantados nos EUA e na Europa. Com isso, abrange pacientes com disfunção do lado direito também”, explica o cardiologista Fernando Bacal, coordenador do programa de insuficiência cardíaca e transplante do Hospital Israelita Albert Einstein (SP).
De acordo com ele, o modo de levitação do aparelho também é importante porque minimiza as complicações hematológicas que costumam afetar os pacientes com insuficiência cardíaca grave.
Segundo os pesquisadores, o primeiro estudo clínico em humanos com o novo coração artificial avaliará a segurança e o desempenho da tecnologia como uma solução de ponte para o transplante cardíaco. “É um suporte aos pacientes enquanto esperam o transplante”, resume Bacal.
A tecnologia é voltada para casos de insuficiência cardíaca biventricular grave ou insuficiência cardíaca univentricular nos quais os atuais dispositivos de assistência ventricular esquerda não são recomendados.
Além do primeiro paciente submetido à implantação do dispositivo, realizada no Texas Medical Center, outros quatro pacientes deverão ser inscritos na pesquisa. Novos estudos, com um número maior de pacientes, devem ser desenvolvidos no futuro.
Para Joseph Rogers, presidente do The Texas Heart Institute e pesquisador principal do estudo, a insuficiência cardíaca continua sendo uma das principais causas de mortalidade no mundo, e a tecnologia oferece um farol de esperança para inúmeros pacientes que aguardam um transplante de coração. No Brasil, 404 pessoas estavam na fila até março deste ano.
Daniel Timms, fundador e diretor de tecnologia da Bivacor, disse estar ansioso para a próxima fase do ensaio clínico. “Nosso TAH [coração artificial total] nos deixa um passo mais perto de fornecer uma opção necessária para pessoas com insuficiência cardíaca em estágio terminal que precisam de suporte enquanto esperam por um transplante de coração”, afirmou em comunicado distribuído à imprensa.
Há um outro modelo de coração artificial, que ajuda o coração a levar o sangue do ventrículo esquerdo para a aorta e o resto do corpo, sendo usado no Brasil, mas o custo é um entrave. A tecnologia só está disponível no SUS por meio de projetos de filantropia.
A insuficiência cardíaca é uma epidemia global que afeta pelo menos 26 milhões de pessoas em todo o mundo —6,2 milhões de adultos só nos EUA— e está aumentando em prevalência.
No Brasil, estima-se que um 1 milhão de pessoas vivam com essa condição, caracterizada pela incapacidade do coração de bombear o sangue adequadamente para manter o funcionamento do organismo. Pelo menos um quinto, 200 mil, tem insuficiência cardíaca grave.
A doença tem forte impacto na qualidade de vida dos pacientes, que podem sofrer com dificuldade para respirar, fadiga, inchaço nas pernas, entre outros. Os transplantes cardíacos são reservados para os casos mais graves, mas não cobrem toda a demanda.
Em 2023, o Brasil realizou 424 transplantes cardíacos; 138 pacientes morreram enquanto esperavam por um coração novo.